“A fé é a grande escapatória, a grande desculpa para se fugir à necessidade de pensar e avaliar as evidências. A fé é acreditar ‘apesar de’, e até talvez precisamente ‘por causa’ da falta de provas.” Richard Dawkins
Os ateus ativistas, apesar de serem minoria no mundo atual, têm conquistado espaço na mídia e nas prateleiras de muitas livrarias. Um dos grandes motivos de advogarem tão fortemente, não tanto contra Deus, mas contra a religião é a grande irracionalidade que dizem existir por trás dessas organizações. Na mente de muitos ateus, e de muitos cristãos também, religião é uma coisa, razão é outra. Como diria o gracejo popular: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.”
Religião, então, seria uma “escapatória” do pensamento, do conhecimento, da racionalidade. É como se fosse uma redoma em que você é desobrigado de olhar as evidências de perto para acreditar; em que você pode contar apenas com a fé, e isso já é “bom o bastante”.
Antes de entender se isso é verdade ou não, vamos analisar como se iniciou o processo de racionalização fora e dentro do âmbito da religião. Comecemos então com a Idade Média, mais conhecida como a “idade das trevas”. Por que “idade das trevas”? Bom, é comum ilustrar essa época da seguinte forma: imagine que você é uma criança e desde bebê seus pais lhe advertem a nunca abrir certo armário da casa. Logicamente, você passará toda a infância com um medo aterrador daquele armário. O que será que existe lá? É um monstro? Algo feio e assombroso? Enfim, você nunca questiona, somente obedece. Assim era a religião na Idade Media: dominava os pensamentos das pessoas, a arte, a filosofia e, acredite, até mesmo a ciência.
Os pensadores “formadores de opinião” eram Agostinho, teólogo muito famoso do quinto século, e Aristóteles, que apesar de não ser “cristão”, era um pensador grego extremamente respeitado pelos religiosos devido à “cristianização” de suas ideias por Thomas de Aquino. Esta também foi uma figura importantíssima da época. Ele e outros buscaram criar uma filosofia que unia as ideias de Agostinho e Aristóteles, ou seja, na qual a fé e a razão corroboravam uma a outra, sem qualquer problema. Ai de quem ousasse questionar a autoridade e a suprema sabedoria e conhecimento da Igreja!
Do século 14 até o século 16, novas formas de pensar começaram a imergir, ameaçando a tradicional ordem da Idade Media. Foi então que surgiu a Renascença.
Como a palavra que descreve esse período deixa claro, acreditava-se que o mundo estava nascendo novamente, em todos os aspectos possíveis: filosofia, ciência, literatura, geografia, sociedade, arte e religião. Artistas voltaram a descrever a beleza e a superioridade da forma humana em seus retratos e esculturas; a ciência passou a acreditar apenas no empírico, ou seja, naquilo que se pode provar por meio de experiências científicas; a astronomia colocou por terra as teorias a respeito dos planetas e das estrelas; a medicina passou a descobrir que as doenças não eram causadas pelo pecado ou pelo demônio, mas sim por agentes externos e internos no corpo humano; entre muitas outras realizações. E na religião houve a maior revolta de todos os tempos: a reforma de Lutero. Mas não pense que essa mudança foi tranquila. Muitos desses renascentistas sofreram duramente por pensar de modo diferente das autoridades da época. Um exemplo disso foi o caso de Galileu, que, por advogar que a Terra se move em torno do Sol (e não o contrário), foi condenado em 1633.
Finalmente, foi na França que continuou o que o Renascimento havia começado, com o Iluminismo. Foi uma era de formalismo, geometria, beleza e intelecto. E, é claro, o que a França fez, a Europa copiou. Voltando à história do armário, é como se uma criança tivesse finalmente reunido a coragem de abrir uma fresta do móvel e visto que lá dentro não havia nada terrível e assombroso, mas sim infinitas novidades e oportunidades.
Os filósofos e cientistas ateus ou deístas se tornaram cada vez mais comuns e populares. A partir de então, o cristianismo tomou um “grande choque térmico” – o que antes era fácil explicar (“está escrito”) agora deveria ser revisto e confrontado com evidências. A palavra “fé” começou a ser sinônimo de preguiça e falta de intelectualismo. Numa época em que o intelectualismo era a fonte da verdade, Thomas Paine escreveu: “A arma mais formidável contra erros de todo o tipo é a razão. Nunca usei outra e confio que nunca usarei.”
Enquanto no século 17 era mais raro ver um ateu do que ver gelo no deserto, no século 18 começa a desabrochar o deísmo (Deus existe, mas não se envolve com o ser humano), assim como o ateísmo, principalmente com a influência de Voltaire, Hume e Immanuel Kant.
Depois dessa reviravolta do intelecto e de praticamente tudo que existia na sociedade, e de a igreja e a Bíblia receberem algumas “pancadas” científicas, alguns se levantaram para mudar esse ponto de vista de que a fé e a Bíblia não podiam ser confiáveis de acordo com a razão. Depois de Thomás de Aquino, um dos primeiros foi William Paley, que procurou apresentar evidências para a existência de Deus. Depois dele muitos advogaram a favor do cristianismo e da Bíblia formando uma área de estudo chamada “apologética”, ou seja, a defesa racional do cristianismo.
Depois dessa introdução histórica, conseguimos entender um pouco melhor como surgiu essa controvérsia entre fé e razão. A questão é: O que faremos com isso? O que você vai fazer com isso? Uma das opções que você e eu temos é: absolutamente nada. Gostamos da nossa vida sem saber a verdade, ou pelo menos sem buscar algo que faça sentido, algo que satisfaça nossa razão e nosso coração. Por isso, fique à vontade para se manter no seu status quo. Outra opção é ir atrás, investigar profundamente aquilo que pode definir o que você acreditará para o resto de sua vida.
A busca pela verdade é como atravessar a rua. Como seres humanos racionais, somos obrigados a conformar nossas crenças à realidade, não o contrário. Antes de atravessar a rua, precisamos conformar nossas crenças sobre as condições do trânsito de acordo com o que vemos ao nosso redor. Se começarmos a atravessar a rua porque preferimos acreditar que ela está livre de carros e porque nos é mais conveniente, arriscaremos ser atropelados. O ônibus não se importa com o que preferimos ou com o que nos é conveniente. É nossa responsabilidade responder aos fatos, nos conformar a eles. Para isso, precisamos investigar nosso mundo e descobrir as verdades por trás dele.
Como diria o filósofo René Descartes: “É insuficiente ter boa mente, o mais importante é aplicá-la bem.” Deixo-lhe agora este desafio: durante estes dez estudos, faça uma viagem racional para o encontro da verdade. E o mais importante de se lembrar em toda essa “viagem” para encontrar a verdade é: a verdade é verdade, quer você e eu acreditemos ou não. A verdade não requer que acreditemos nela para que ela seja verdade, mas certamente ela merece ser acreditada.
(Marina Garner Assis)