“A história acontece como tragédia e se repete como farsa.”
A frase acima, muitos conhecem, é de Marx. Não o Groucho, mas o Karl. Sim, o Karl... Aquele cujos furúnculos espelhavam à perfeição seus atributos de alma. Aquele cujo filho o comparava ao demônio literal – sem véu algum de alegoria.
À tragédia. Alguns séculos após o profeta Elias promover importante reforma espiritual no reino de Israel (aquelas dez tribos apostatadas do norte que queimavam vivos seus filhos para os ídolos cananitas), veio João em seu espírito. João no espírito de Elias, instando os seus ao arrependimento e incondicional entrega ao Deus que tão generosamente lhes acabara de doar o próprio Filho. Onde a tragédia? Degolaram o Batista e crucificaram seu Mestre (“Mas os lavradores, vendo o Filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; vinde, matemo-Lo, e apoderemo-nos da Sua herança. E, agarrando-O, lançaram-nO fora da vinha e O mataram” [Mt 21:38-39]). Elias escapou da fúria homicida da princesa sidonita Jezabel, que se casara com o rei israelita Acabe e cujo projeto de vida foi levar todo o povo de sua nova nação a cultuar Baalim e assemelhados. João Batista não teve a mesma sorte. Teve a cabeça entregue literalmente de bandeja à perversa Herodias, esposa e cunhada do tetrarca Herodes, homônimo do infanticida.
A farsa? Já a veremos. Antes um desabafo de pai.
Apenas Elohim e Seus santos anjos podem registrar tudo – TUDO – o que vai no coração dos que trouxeram filhos a este mundo miserável. Somente o imperscrutável amor de Deus para mensurar o desvelo macerado, o velar insone, a angústia recorrente que ocupam as preocupações de uma mãe, de um pai. Alta madrugada, às vezes; uma inquietude a nos roubar o sono: Estará nosso rebento firmado nos caminhos de retidão? Cultiva ele o apego à verdade e à justiça? Inscreverá seu nome na história humana como bênção ou será, como tantos, só mais outra maldição? Qual será o legado derradeiro de seus dias? Repetirá ele o apóstolo? “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4:7). Ou se lamentará como o poeta? “Vivi, estudei, amei e até cri, e hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu” (Álvaro de Campos, Tabacaria – ou A Marcha dos Vencidos).
Os pais receberam do Altíssimo as mais proveitosas instruções para fazer de seus filhos colunas de integridade e alicerces de uma sociedade melhor: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (Pv 22:6). Fácil assim? Nem sempre... Caim e Abel, Edom e Israel, Simeão e José. Por mais que nos entreguemos à oração e nos apeguemos ao Senhor, por maior que seja o nosso amor e melhor que seja o nosso exemplo, jamais poderemos fazer por nossos filhos as escolhas que só a eles cabem. Daí o nosso coração de passarinho, essas criaturinhas débeis e aflitas, sempre sobressaltadas ante algum apuro indefinido.
Elias, com seu coração de passarinho e pai, teve que arrostar Jezabel e seu pusilânime marido, o rufião de Belial. E aqui finalmente entra a farsa. Antes do advento de Cristo, João, o Batista, nos veio no mesmo espírito de Elias. Antes da vinda de Satanás como anjo de luz, Richard Dawkins nos vem no mesmo espírito de Jezabel. Seus Baalins? Materialismo, ateísmo, pseudociência, relativismo pragmático e laxismo moral. E agora, cereja do bolo, o supremo desplante: a pretensão de desviar os pais do mais sagrado dos deveres, o de conduzir os filhos no temor de Deus. “Deixe que escolham por si, mas só quando alcançarem a maioridade”, prega o Moloque do Tempo do Fim.
Sei que é um insulto ao intelecto ter que desmontar uma falácia tão grosseira, mas por vezes temos que guiar o incauto pela mão na esperança de lhe abrir os olhos. Ao menos essa responsabilidade antes de o largarmos de vez no mundo. Ao argumento.
A proposição de Jezabel, digo, de Dawkins, vislumbra o mundo em uma espécie de neutralidade laica, o que é desmentido pelas condições objetivas que de nós se acercam. A maioria das influências que nos rodeia comunga abertamente com os valores (valores?) que o doutor de Oxford promove. Ligue a TV, acesse a internet, leve a criança a um cinema, a um shopping center, compre-lhe um gibi, uma roupa ou um brinquedo da moda, matricule-a em uma escola secular e pronto! Tudo o que o Deus a quem servimos reprova costuma estar nesses pequenos detalhes cotidianos: explícito, promovido, praticamente imposto. Sem o contraponto dos valores e da educação cristã, exponha o infante a essa contínua lavagem cerebral enquanto se lhe formam o caráter e a personalidade. Então, em seu aniversário de 18 anos, leve o rapaz, agora um adulto, à igreja. O resultado, aprecie-o sem moderação.
Mais de dois milênios e meio mudaram o sexo e as madeixas de Jezabel, mas o seu espírito permanece inalterado, talvez mais atrevido pela bajulação dos sabujos dos meios de comunicação de hoje. Lastimo que Dawkins tenha sido molestado sexualmente por um cura anglicano.* Mas não, isso não lhe confere autoridade ou razão para recomendar que abandonemos a carne da nossa carne aos molestadores morais deste mundo. Em sua cegueira, Richard Dawkins pode não compreender que consideremos que as sevícias morais podem ser até piores que as do abuso sexual que ele sofreu. Agora, rebaixar os pais a agentes passivos do molestamento espiritual dos próprios filhos é audácia digna do espírito de Jezabel.
Em verdade, chegam a despertar suspeita as afrontas espalhafatosas e o can-can escandaloso de Dawkins. Não seria isso um pedido velado por ajuda, como o endemoninhado de Gadara? Se ele nos estende a mão para que o exorcizemos de sua Legião, bom. Se essa mesma mão se destina a nos fazer tropeçar, mau. Mas isso não nos escusa da verdadeira questão: Como pudemos descer a ponto de elementos como Dawkins pregarem despudoradamente os seus delírios? E sob anuência e aplauso das eminências deste mundo! Parafraseando Soljenitsin: “Como pode surgir dentre nós essa espécie de lobos? Procedeu de nossa raiz? Do nosso sangue?”
(Marco Dourado, formado em Ciência da Computação pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)
(*) Dirão alguns, imagino: “Ora, mas Dawkins foi vítima de um cura anglicano! [Confira aqui.] Fossem seus pais ateus ferrenhos e tal lhe não haveria sobrevindo!” Ah, pois? Citem então esses “çábios” um único versículo das Sagradas Escrituras que ao menos tolere a pedofilia. Eis a terrível advertência do Nosso Senhor para cristãos e não cristãos: “É impossível que não venham tropeços, mas ai daquele por quem vierem! Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho e fosse lançado ao mar, do que fazer tropeçar um destes pequeninos.” Ademais, a leniência cúmplice que certas igrejas autodenominadas cristãs reservam aos tarados infiltrados em suas hostes não desmerece o Cristianismo em sua essência e prática; ao contrário, enaltece, pelo contraste, as denominações que aplicam estritamente os ensinamentos do Mestre. (Apenas como curiosidade: a pedofilia era uma das perversões mais arraigadas entre os povos circunvizinhos do antigo Israel – como a Fenícia de... Jezabel).
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