domingo, dezembro 13, 2009

Projeto Atlanta: Colômbia (parte 7)

Estava muito feliz por ter alcançado a cidade de Turbo. A euforia era resultado de ter concluído a travessia de um país muito difícil. No entanto, por falta de alguns dólares, não tive condições de tomar uma lancha de Turbo até Puerto Obaldia, a primeira cidade pertencente ao território panamenho, e fui obrigado a seguir mais um trecho por estradas colombianas antes de passar ao Panamá: Unguia a Acandi.

Após a programação maravilhosa em Unguia (leia em Colômbia, parte 6), deixei a casa do irmão Jairo um tanto preocupado depois de ouvir suas orientações e advertências. Ele foi bem claro em afirmar que eu corria perigo de vida ou de ficar perdido dentro da selva nas trilhas entre Unguia e Acandi. Entretanto, é óbvio que após ter enfrentado tantos perigos em caminhos anteriores, não iria deixar de avançar em busca de mais um passo na direção do meu sonho: Atlanta.

Por isso apertei o ritmo e fui logo deixando para trás a casa que me abrigou em Unguia. Antes de fazer a primeira curva, olhei e vi braços estendidos acenando um adeus. Respondi também agitando ao vento e para o alto minha mão esquerda.

Gostaria que este fosse o último adeus desta viagem, mas estou certo de que não será. Pensando nisso, não sei dizer o número de vezes que precisei me despedir de familiares, amigos e irmãos nestas andanças missionárias pelos países que já percorri na América do Sul. Se incluir a Colômbia, que já estou terminando, dá um total de seis países e mais de 35.000 km. Até Atlanta tenho mais nove nações a visitar. Terei que passar por Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Belize, Guatemala, México e Estados Unidos. Faltam aproximadamente 10.000 km. Ou seja, ainda terei muitas chegadas e partidas.

Abraços, alegria, sorrisos e satisfação nas chegadas. Porém, ao ter que ir embora, após conquistar corações sinceros, às vezes correm lágrimas pela face. Se não, quase sempre a voz fica silente e o olhar se perde rapidamente na busca de um novo horizonte.

Assim, descobri que não preciso ter apenas músculos, ossos, nervos e mente à prova de fortes emoções. Mas, e principalmente, um coração resistente às intempéries dos sentimentos humanos.

Mas não vejo o choro como uma fraqueza do homem. Há momentos em que o melhor remédio para aliviar a angústia da alma é derramar lágrimas. Exemplo disso foi o choro de Cristo por ocasião da morte do amigo Lázaro.

Assim fui percorrendo os caminhos entre Unguia e Acandi. Comecei por uma estrada de terra, pedregosa e com areia e poças de lama em algumas partes. Também vez ou outra cruzava um rio de pedras com água cristalina. A estrada é estreita. Em suas margens há florestas e alguns sítios e fazendas. Nas partes com selva é que reside o maior perigo, pois pode haver algum acampamento dos guerrilheiros das Farcs.

Estava tão apreensivo que tomei a decisão de esconder meu passaporte e identidade. Enrolei-os em um plástico e os coloquei dentro da cueca. Com isso, pensava que, caso fosse abordado por membros desta força revolucionária, talvez pudesse ocultar minha real identidade, haja vista que meu espanhol, no momento, assemelha-se muito ao falado por aqui. Se conseguisse apenas ser tomado por um colombiano, poderia dar-se o caso de apenas me roubarem. Assim, evitaria o sequestro, o qual traria consequências terríveis para o ministério do Atleta da fé e para toda a família adventista que tem me acompanhado.

Com essas preocupações esquentando a mente, avançava pela estradinha deserta ponteada de buracos, lama e pedras soltas, as quais quase me levaram ao chão em algumas descidas. Toda vez que me aproximava de alguma pessoa, estando a cavalo, a pé ou moto, orava rogando ao Senhor livramento das mãos do maligno.

Com dificuldade, fazendo o dobro do esforço que usaria por uma estrada asfaltada, fui engolindo os quilômetros com a “gorducha” (bike): 5, 10, 15, 20 km. Depois de vencer essa distância, cheguei a um povoado chamado Santa Maria. Passei direto, apenas fazendo aceno com a cabeça para alguns moradores que me olhavam curiosos e sempre rogando a Deus que ninguém tivesse um amor à primeira vista pela “gorducha” e seus equipamentos.

Adiante encontrei uma patrulha do exército colombiano, cercada por uma barricada feita de sacos de areia. Essa preocupação em dificultar a ação da artilharia inimiga mostra o quanto eles temem as forças do exército paramilitar.

Após passar Santa Maria, o caminho voltou a ficar inteiramente deserto. Essa solidão não traz desespero à alma porque me encanta o verde das florestas, a canção melodiosa dos pássaros, o sussurrar do vento nas folhas das palmeiras e o penetrar da vista nas fontes cristalinas, buscando a colorida e exótica vida aquática.

Em realidade, não fosse esse compromisso com Deus, eu certamente iria me embrenhar nestas matas, em busca de cachoeiras e paisagens paradisíacas. Seria capaz de passar dias em total integração com a fauna e flora desta região. Somente o que me preocupa é que há outros habitantes na selva que não nasceram aqui na natureza. São os intrusos guerrilheiros das Farcs, que tem utilizado a mata como esconderijo para reter pessoas que não têm nada a ver com a luta pela tomada do poder na Colômbia.

Por enquanto, só tenho me deparado neste caminho com cavalos, burros, touros e vacas. Até aproveito para de vez em quando “bater um papo” com eles. Todos falam um pouquinho, porém as que mais gostam de “conversar” são as vacas, especialmente no fim da tarde, quando já terminaram de pastar e estão deitadas junto a alguma árvore frondosa. A boca abre e fecha o tempo todo, num tagarelar sem fim (ruminando)...

Marcando 24 quilômetros no velocímetro da “gorducha”, alcanço mais um vilarejo. Chama-se Ricardi. Novamente encontro uma milícia do exército da Colômbia. Sua presença traz segurança, mas, por outro lado, mostra o quanto a região é perigosa e necessita de força militar para proteger os cidadãos. Também passo direto por esse povoado, sem perguntar nada ou mesmo comprar algo para comer. O temor é de que alguma palavra pronunciada com sotaque português me entregue. Isso seria algo nada confortável por estas bandas. Ou seja, uma “zona vermelha” onde em cada esquina pode ter um informante do exército paralelo. Por aqui, toda cautela é bem vinda.

Depois que deixei para trás a pequena cidade de Ricardi, voltei a ficar só e, olhando à frente, vi dois motoqueiros lado a lado fechando o caminho. Havia entre eles um pequeno espaço por onde passar com a “gorducha”. Senti o perigo e clamei a Deus que me deixasse atravessar sem ser interpelado por eles. Assim ocorreu. Disse-lhes: “Bom dia!” E obtive resposta igual. Segui tranquilo por uns dois quilômetros, porém um dos motoqueiros me perseguiu. Rapidamente chegou ao meu lado e pediu-me que parasse. Senti sua presença antes mesmo de ele chegar e já estava em oração. Sabia que seria presa fácil e tudo dependia de minhas respostas às indagações dele.

– Olá, amigo! O que faz por aqui? De onde vens?

Esse “Olá, amigo” trouxe alívio ao meu coração assustado. Senti que uma boa resposta dirigida pelo Espírito Santo me permitiria um salvo conduto.

– Sou um missionário. Pertenço à Igreja Adventista do Sétimo Dia e ando evangelizando estes povoados. Já estive em Unguia e sigo para Balboa, e depois Acandi. Tenho irmãos que moram lá.

Certo de que meus lábios pronunciaram a melhor resposta, esperei em silêncio. O jovem da moto passou um olhar investigativo. Primeiro pela “gorducha”, depois pela mochila traseira e dianteira. Depois para mim.

– Quer dizer que você é missionário da Igreja Adventista? Está evangelizando os povoados? Muito bem. Que Deus o acompanhe, siga em paz.

Dito isso, o motoqueiro fez meia volta e desapareceu na primeira curva da trilha.

Após passar por esse susto e livramento, segui mais tranquilo e até retirei os documentos da cueca e os coloquei de volta na mochila dianteira. Continuei a forçar as pedaladas para chegar ao próximo povoado antes de Acandi, por nome Balboa. Precisava tomar água e comer um pedaço de pão.

Mas, de repente, a estradinha sumiu. Acabou-se o caminho e dei de cara com uma porteira. Fiquei sem saber para onde seguir. Para a direita? Para a esquerda? Em frente após a porteira? Estava em dúvida. Precisava de orientação e não via a quem pedir ajuda.

Logo minha mente me fez recordar as palavras do irmão Jairo, quando nos despedimos em Unguia pela manhã: “Irmão George, creio que você vai se perder nessas trilhas antes de chegar a Acandi.” Aquelas palavras estavam se cumprindo. Há três caminhos e somente um segue em direção do meu destino. Essa situação somou-se a que já tenho arquivada na memória: 600 dólares para poder ingressar em terras panamenhas. Disponho de somente 12 e ainda terei que viajar mais dois dias em barco ou lancha para alcançar uma cidade do Panamá com estradas que me permitam chegar à Rodovia Interamericana, a qual me dará condições de viajar pelos outros países da América Central e do Norte.

São problemas grandes como montanhas. Talvez altos como as Cordilheiras da Colômbia. Mas tenho um Deus que me diz assim: “Eleve os seus olhos para os montes. De lá virá o seu socorro. Quem o socorre fez os céus e a Terra, e não cochila nem dorme Aquele que o guarda. Ele não vai permitir que o seu pé vacile.”

Por isso, olhando para minhas fraquezas e condições, não vejo como prosseguir. Por outro lado, fixando pela fé o olhar em Jesus, não vejo como perder esta batalha.

Estou seguindo para a cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, montado sobre uma “gorducha” de aço, alumínio, borracha e plástico. Um destino longínquo que está perto porque o meu sonho voa sobre as asas dos anjos das Cortes Celestiais.

Venha comigo porque Deus está aqui. Atlanta nos espera! Até breve...

(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)

Nota: O Atleta da Fé, George Silva, está enfrentando grandes dificuldades financeiras para prosseguir nessa missão esportivo-evangelística e precisa urgentemente fazer uma revisão na bicicleta. Ele não me pediu isso, mas eu convido: se você puder colaborar de alguma maneira, escreva para ele: georgepalestras@yahoo.com.br