A revista Veja desta semana (15/06) traz uma entrevista com o matemático ateu John Allen Paulos, autor de Irreligion (Irreligião), lançado neste ano. Segundo Veja, o livro de Paulos não mostra a acidez das demais obras desse filão, “no qual pontificam descrentes raivosos como o biólogo Richard Dawkins e o jornalista Christopher Hitchens”. “Irreligion é um livro devotado à lógica: Paulos analisa argumentos tradicionais sobre a existência de Deus e mostra onde fazem água”, explica Veja, como se a matemática pudesse abarcar o transcendente. Mais do mesmo, seria a minha definição para essa entrevista que mais parece um reforço da propaganda anti-religiosa que Veja vem fazendo nos últimos anos. Enquanto isso, continuo aguardando uma boa entrevista com algum teísta pensante como Philip Johnson (cujo livro Darwin no Banco dos Réus foi recentemente lançado no Brasil – olha o “gancho”, Veja), Michael Behe (cujo segundo livro foi lançado nos EUA – outro “gancho”, Veja) ou Alister McGrath (com seu contraponto a Deus, um Delírio: O Delírio de Dawkins – silêncio de Veja). E olha que já sugeri essas pautas aos editores da revista “indispensável”, e nada. Leia alguns trechos da entrevista com Paulos, com meus comentários entre colchetes:
O que um matemático pode dizer sobre o ateísmo?
Examino os argumentos tradicionais em favor da existência de Deus, e não as conseqüências sociais da religião. Eu me abstenho de fazer comentários sarcásticos sobre a religião das pessoas. Busco, isso sim, demonstrar os furos lógicos nesses argumentos. Como matemático, estou acostumado a trabalhar com provas lógicas – a partir de determinadas premissas, derivamos certas conseqüências. A lógica tem de ser rigorosa. Os argumentos teológicos não seguem esse rigor. Eles pulam de A para B, mas há um grande abismo entre os dois termos. [Quais seriam esses “argumentos tradicionais” refutados pela matemática? Ficamos sem saber...]
Pascal e Leibniz, entre inúmeros grandes filósofos do passado, eram matemáticos e crentes.
Leibniz tinha uma concepção muito particular de Deus. Como ele, muitos dizem acreditar em Deus, mas aquilo em que crêem não seria chamado de Deus pelo cidadão comum. As leis impessoais do universo, a beleza do mundo natural – todas essas coisas já foram chamadas de Deus. Se você definir Deus assim, bem, então Deus existe, claro. ... De resto, só porque você é um matemático de primeira ordem, isso não quer dizer que está dispensado de apresentar argumentos lógicos. O fato de um Leibniz ser religioso não prova nada a favor da religião. [Paulos ignora Pascal convenientemente, já que o grande matemático e filósofo francês era um teísta nos moldes bíblicos.]
Em geral, as pessoas não estão preocupadas com questões lógicas quando buscam uma religião. Elas procuram um certo sentido superior. Como o senhor responderia a essa necessidade?
Não há resposta para isso. Se alguém diz “eu acredito porque decidi acreditar”, não há muito que fazer. Você só pode apontar que não existem provas ou argumentos que sustentem essa crença. O fato, porém, é que as pessoas que acreditam quase sempre, em algum momento, recorrem a algum dos argumentos a favor da existência de Deus que eu critico no livro. Em geral, invocam a beleza da natureza como prova da existência de Deus. Outras apontam supostos milagres e coincidências e dizem que essas coisas não podem acontecer por acaso. E, nesse ponto, devemos apontar suas falhas lógicas. [Quais? Sem se valer da beleza “supérflua” e dos milagres, como explicar então a origem casualística da informação genética? Será que a matemática tem resposta para isso? Surgimento de informação a partir do nada, sem uma fonte informante, é isso que Paulos considera lógico?]
É improvável que as pessoas deixem de acreditar, mesmo depois que seus argumentos são derrubados.
Sim, claro. Não tenho problemas com isso. É uma questão de escolha individual. Ninguém pode impingir a crença ou a descrença a outra pessoa. Mas há um certo perigo nessa atitude. Se alguém diz: “Isso é tão importante para mim que você não pode questionar, não pode perguntar sobre as minhas razões”, a crença se torna uma força bruta. Que, em algum momento, colide com outra força brutal. ... [Aqui Paulos ataca outro espantalho. A verdadeira religião bíblica é razoável e convida à reflexão. “O Deus Eterno diz: ‘Venham cá, vamos discutir este assunto’” (Is 1:18, BLH). E Paulo (não o Paulos) recomenda: “Examinem tudo, fiquem com o que é bom” (1Ts 5:21, BLH).]
O tom de alguns novos ateus, especialmente Richard Dawkins e Christopher Hitchens, é muito agressivo. Há o risco de o ateísmo se tornar tão dogmático quanto a religião?
Há certo risco. Eu não me sinto confortável atacando a religião frontalmente. Não é o que faço. Parte de mim acredita que, se alguma coisa ajuda você a atravessar a noite, não é de todo má. É inegável que a religião ajuda muita gente. E talvez haja, sim, o risco de que você fala. No momento, porém, acho que ele é mínimo, e é bom que os ateus exponham seus pontos de vista em uma sociedade tão marcada pela religião. Há espaço para todos os tipos de ateísmo, do mais barulhento ao matemático, com um toque de humor, que eu pratico. [Não, Paulos, o risco não é “mínimo”. Basta ler Deus, um Delírio para ver que o que Dawkins propõe é uma espécie de Cruzada anti-religiosa, uma Inquisição às avessas.]
Seu livro foi resenhado de forma simpática por um pastor batista. Ele reclamava, no entanto, que o senhor tendia a pintar todos os cristãos como fanáticos. Críticos da religião como o senhor estariam perdendo de vista o fato de que a maioria dos fiéis é discreta e razoável, e não fundamentalista?
Recebi vários e-mails de leitores religiosos, que admitiram que os fiéis têm de se confrontar de algum modo com os argumentos que apresento. Eles recorrem a outra linha de argumentação: dizem que a religião é uma tradição, que une as pessoas, que lhes dá conforto, e é uma fonte de ideais elevados. Eu não discordo. O problema com os cristãos moderados é que eles fazem uma leitura seletiva da Bíblia: acreditam neste ou naquele ponto e discordam de outros. Mas como escolher os pontos da Bíblia que vale a pena sustentar e aqueles que devem ser rejeitados? Basicamente, essa escolha é feita com base em critérios seculares. A aceitação dos gays por algumas igrejas, por exemplo, não responde à tradição religiosa, mas a uma imposição dos valores seculares. Então, pergunto: por que não ser completamente secular? [Que falta faz a Teologia! O leitor da Bíblia deve levar em conta os estilos literários empregados pelos autores inspirados. Quando se lê um texto profético, por exemplo, deve-se interpretar os símbolos e alegorias utilizando as ferramentas que a própria Bíblia oferece; quando se trata de uma parábola, o leitor deve saber que se trata de uma história ilustrativa de um princípio subjacente; e por aí vai. O que não se pode fazer é deliberadamente escolher ou rejeitar esse ou aquele ponto, com base na opinião, sem um estudo detido das páginas sagradas.]
Em algum sentido a tradição religiosa é positiva?
Não tenho nenhum problema com as narrativas, os mitos, as histórias ensinadas pela religião. A Bíblia é grande literatura. Meu problema é com o literalismo. Não se pode dizer que as coisas narradas na Bíblia ou em qualquer outro texto religioso são verdadeiras – pelo menos, não no sentido em que dizemos, por exemplo, que houve um acidente de carro na última segunda-feira às 2 da tarde. Vale notar que a discussão que proponho, sobre os argumentos a respeito da existência de Deus, passa um tanto ao largo das tradições religiosas. Mesmo que você consiga provar que estou errado – que existem, sim, bons argumentos para sustentar a existência de um Deus –, haveria um grande salto, um verdadeiro abismo, entre essa afirmação e a crença, por exemplo, na divindade de Jesus Cristo ou nas restrições alimentares que tantas religiões reforçam. Uma coisa não se segue diretamente a outra. A existência de Deus não justificaria esses mandamentos e restrições. Ou, para dizer o mesmo com uma pitada de sarcasmo, não há elo causal entre “Deus existe” e “é proibido comer batatinha frita nas sextas-feiras”. [Parece que o sarcasmo (ou o preconceito) está impedindo Paulos de estudar outras áreas do conhecimento fora da matemática. A arqueologia tem mostrado que muitos relatos bíblicos tidos como mitológicos são, na verdade, fatuais. Basta ler os textos postados na seção “Arqueologia bíblica”, aqui no blog. E as regras dietéticas ou “restrições alimentares” têm-se provado uma bênção para aqueles que as obedecem. Por que será que os adventistas que praticam essas regras vivem até dez anos a mais, segundo pesquisas? Contra fatos, não há argumentos.]
Quanto respeito um ateu deve ter por uma religião?
Não acredito que você deva sair por aí insultando as pessoas, como Christopher Hitchens faz. Mas, em algumas situações, na companhia de pessoas religiosas, uma pergunta simples pode ser útil: “Você acredita mesmo nisso?” É um modo de quebrar o encanto. Esse pode ser um benefício dessa onda de livros ateus: tornou mais aceitável fazer esse tipo de questionamento. ... [A entrevista é muito fraca e Paulos se mostra por demais simplista. Parece que nunca fez a tal pergunta para um cristão esclarecido. Eu poderia também perguntar para ele: “Você acredita mesmo nisso?” “Como prova que Deus não existe?” “Você é mesmo cético? É cético quanto ao seu ceticismo? Se não, não é cético.” Como se pode ver, as perguntas podem ser multiplicadas de ambos os lados da questão, e as coisas não podem ser resolvidas assim tão facilmente como Paulos quer.]
[No último terço da entrevista, o repórter Jerônimo Teixeira muda o foco para discutir especificamente a matemática. Será que percebeu que o assunto “ateísmo” não rendia mais? Repito: Irreligion é um livro ilógico, pois tenta aplicar a lógica matemática aos domínios do transcendente. A ferramenta, portanto, é inapropriada. Ademais, Paulos comete erro semelhante ao de Dawkins e Hitchens: ataca um espantalho, um arremedo de religião, um estereótipo alimentado pela mente fundamentalista dos anti-religiosos. Mas parece que os ateus têm mais direito que os teístas de falar de religião nas páginas amarelas...]