Retrovírus é o termo utilizado para designar os componentes da família Retroviridae, vírus que apresentam sua informação genética inscrita unicamente em forma de RNA. Após a invasão do vírus em uma célula num organismo hospedeiro em potencial, seu RNA “força” a célula parasitada a produzir moléculas de DNA viral, num processo conhecido como retrotranscrição, graças à presença da enzima transcriptase reversa. O DNA viral produzido ultrapassa a membrana nuclear incorporando-se ao DNA do agora hospedeiro, instruindo a célula parasitada a produzir mais cópias do retrovírus em questão. Ocasionalmente, parasitando uma célula germinativa, aquela seqüência ou porção da seqüência viral incorporada ao patrimônio genético do hospedeiro, em tese, poderia ser transferida a seus descendentes. Contudo, a prole originada não desenvolveria necessariamente os sintomas resultantes da ação viral, uma vez que durante as diversas fases de divisão celular, porções do DNA viral incorporado ao patrimônio genético parental poderiam ser “danificadas”.
Com base nesses aspectos e no fato de serem encontradas semelhantes seqüências genômicas de retrovírus endógenos em diferentes espécies de seres vivos, tem sido grandemente difundida nos meios de comunicação a idéia de que essas semelhanças genômicas presentes no conjunto gênico da espécie humana e de outras espécies animais, seriam indícios comprobatórios de uma ancestralidade comum, sendo que este “novo” conjunto de genes teria contribuído significativamente para a diferenciação das diversas formas animais existentes atualmente. Este ensaio procura lançar um olhar crítico sobre esse tipo de afirmação.
É aceito dentro do modelo evolucionista que homens a chimpanzés divergiram suas linhagens entre 5 milhões e 7 milhões de anos atrás. Nesse mesmo modelo, procura-se demonstrar, com base em características anatômicas, e mais recentemente utilizando informações genéticas, que homens e chimpanzés compartilharam um ancestral comum no passado. Em outras palavras, o ser humano seria mais próximo evolutivamente do chimpanzé do que de qualquer outro animal, particularmente de outros primatas. Nesse cenário, esperaríamos encontrar um padrão de espalhamento dinâmico de um determinado retrovírus endógeno, mais semelhante ao se comparar DNAs de seres humanos com os de chimpanzés, do que ao se comparar DNAs de seres humanos com os de quaisquer outros organismos.
Um interessante artigo publicado em 2007[1] mostra que existem mais semelhanças no padrão de espalhamento dinâmico de um determinado retrovírus endógeno (ERV-K), ao se comparar DNAs de humanos com os de macacos Rhesus, do que ao se comparar material genético de seres humanos com o de chimpanzés. Em outras palavras, pelas análises de seqüências de retrovírus endógenos da família K, evolutivamente, teríamos uma assinatura genética muito mais semelhante à desse tipo de macaco, ou seja, compartilharíamos um ancestral comum não com chimpanzés, mas com Rhesus! É importante ressaltar que dentro da estrutura conceitual evolucionista o macaco Rhesus teria divergido dos seres humanos e chimpanzés há 25 milhões de anos. Embora a frase destacada neste parágrafo não seja explicita no referido artigo, trata-se de uma conclusão óbvia, com base no tipo de argumentação que vem sendo alardeada nos meios de comunicação de forma geral.
Outro interessante resultado publicado pelos autores é que chimpanzés teriam muito mais ERV-K em seus genomas em relação à espécie humana, que, segundo os autores do trabalho, teria “efetuado uma espécie de ‘limpeza’ em nossos cromossomos devido a enormes flutuações na população humana, causada por intensas migrações e adaptações a novos hábitats”. Se os genes de retrovírus endógenos, ou pelo menos seqüências desses genes, podem ser “móveis”, isto é, podem ser removidos do DNA de um determinado organismo, inferir ancestralidade com base nas seqüências atuais de retrovírus endógenos existentes nos DNAs dos organismos, requer pelo menos um pouco de cautela na interpretação desses dados.
Um primeiro aspecto a ser considerado é que são relativamente recentes (remontando ao período de seqüenciamento do DNA de nossa espécie[2]) estudos versando sobre as funções e implicações desses “resquícios” de retrovírus no material genético da espécie humana. Outro aspecto de grande relevância é a diferença existente entre os fatos e a interpretação a eles dada pelos pesquisadores. É um fato observável a incorporação de seqüências de DNA de retrovírus endógenos no material genético da espécie humana, assim como a semelhança dessas seqüências em uma dada porção do genoma humano com as seqüências de diferentes espécies animais. A idéia de “parentesco evolutivo entre espécies que compartilhem tais seqüências”, e, ainda, que “essas seqüências desempenharam um importante papel na história evolutiva dos seres vivos”, é a interpretação daquele fato observável. Questionar um fato seria tolice, mas questionar interpretações é sinal de prudência e sabedoria. Assim se dá o desenvolvimento científico.
O primeiro aspecto no parágrafo anterior deve nos alertar para a cautela diante do assunto em questão. Por mais avançados que sejam nossos instrumentos de análise, compilação de dados, formação de bibliotecas contendo informações sobre o assunto, etc., ainda há muita coisa a ser aprendida e compreendida no tocante ao genoma humano e a forma pelas quais os genes expressam as informações nele contidas. Um pouco de “humildade acadêmica” não faz mal a ninguém! O segundo aspecto abordado anteriormente nos alerta para a possibilidade de interpretações alternativas para aquele determinado fato observado. Com o desenvolvimento de pesquisas ao longo do tempo, que dêem suporte ou que refutem determinadas interpretações, irão sendo construídas afirmações com mais coerência. Aqui é importante destacar e necessidade de imparcialidade por parte de todos daqueles que constroem o conhecimento científico, de modo a não rejeitarem uma possível interpretação coerente, pelo simples fato de ela se opor a um dado modelo vigente. No âmbito da controvérsia evolução versus criação, infelizmente pode ser reconhecida nas atitudes de simpatizantes de ambos os modelos uma postura indesejável como essa.
Seria de grande importância que os debates envolvendo pontos de vista e cosmovisões diferentes fossem realizados com inteligência e principalmente RESPEITO mútuo.
(Tarcisio Vieira, biólogo, mestre em Química e membro da Sociedade Criacionista Brasileira)
1. O artigo em questão foi publicado na revista PLoS ONE, sendo a autora principal Camila Malta Romano. Esse artigo pode ser baixado gratuitamente no site da revista.
2. Cerca de 8% do genoma da espécie humana é composto por seqüências genéticas encontradas em retrovírus, a saber, gag (responsável por codificar proteínas estruturais), pol (codificante de enzimas virais) e env (responsável por codificar proteínas da “cápsula” viral), além de outros segmentos. Para maiores detalhes vide: Lander ES, Linton LM, Birren B, Nusbaum C, Zody MC, Baldwin J, Devon K, Dewar K, Doyle M, FitzHugh W, et al. Nature 2001, 409:860-921. Venter JC, Adams MD, Myers EW, Li PW, Mural RJ, Sutton GG, Smith HO, Yandell M, Evans CA, Holt RA, et al. Science 2001, 291:1304-1351. Esses artigos podem ser baixados gratuitamente dos sites das respectivas revistas.
quinta-feira, junho 26, 2008
Retrovírus endógenos e evolução: uma visão crítica
quinta-feira, junho 26, 2008
biologia, darwinismo, evolucionismo