Dr. Ricardo Ortolan |
No dia marcado, lá estava eu, sem nenhuma esperança de que pudesse fazer o exame, sem nenhuma garantia, mas fui assim mesmo. Chegando lá, havia um médico que garantia que sua inscrição havia sido feita, mas não a encontravam. Ele foi orientado a esperar comigo em uma sala reservada. O tempo foi passando e como a palavra dele era uma e a da comissão outra, optaram por deixá-lo fazer a prova e um precedente foi aberto. (Alguns dias depois, o médico não conseguiu provar que sua inscrição havia sido feita e a prova dele foi cancelada.) Decidiram me deixar fazer a prova também, não sem antes assinar um documento que dizia que eles poderiam não considerar meu exame válido.
O dia foi exaustivo para mim. Fui deixado da manhã até às 18 horas numa sala, isolado. Nem mesmo um livro ou minha Bíblia levei para ler, com medo de que me acusassem de estar estudando e obtendo vantagem sobre os demais concorrentes. O relógio marcou 18 horas e a presidente da comissão entrou na sala em que eu estava, com aspecto bem cansado pelo dia exaustivo e por estar me esperando até àquela hora. Quando ela me entregou a prova, eu disse: “Meu horário não é 18 horas e sim 19h40, a hora do pôr do sol.” Ela me olhou com ar não satisfeito e senti que talvez nem a prova eu pudesse fazer.
Perguntei-lhe quanto tempo eu teria e ela me disse: “Quatro horas.” Propus-lhe um acordo: embora só fosse iniciar a prova depois das 19h40, eu a entregaria até às 22 horas, o prazo de quatro horas a contar daquele momento. Teria então, no máximo, duas horas e vinte minutos. Ela aceitou e, assim, pouco antes das 22 horas, eu devolvi a prova feita. Soube depois que ela havia confidenciado a amigos que tinha ficado impressionadíssima com algo: ela me entregou a prova às 18 horas e eu a deixei virada, em minha frente, até às 19h40. Fiz uma oração a Deus pedindo sabedoria para a prova e para que eu fosse um digno representante dEle, não desonrando Seu nome.
Depois do pôr do sol, virei a prova e comecei a resolvê-la. Foi mais um teste entre tantos. Para minha surpresa, quando foram divulgados os nomes aprovados na primeira fase, o meu estava entre eles, indicando que a prova estava validada (pelo menos eu assim achava). Chegou o dia da segunda fase e eu respondi corretamente todas as perguntas que me foram feitas. Acertei tudo na prova de língua inglesa e todas as questões de oftalmologia (era a área escolhida). Minha nota na matéria de oftlamologia no quarto ano do curso de Medicina havia sido 10 (nota máxima). Havia grande perspectiva para minha aprovação.
Para minha surpresa, quando a lista foi divulgada, eu era o décimo colocado para oito vagas. Na primeira fase escrita, fui o quinto e surpreendentemente para minha ótima segunda fase eu tirei nota 7, e todos os aprovados tiraram de 8 para cima. Fiquei extremamente decepcionado, mas tudo fazia parte dos planos de Deus para minha aprovação. O quinto colocado era um aluno da USP. Quando o resultado de lá saiu, ele foi o primeiro colocado no exame da USP e abriu mão da vaga. Foi chamado o nono colocado, primeiro excedente, e eu era o próximo. O nono colocado era aluno da Escola Paulista de Medicina (os dois únicos aprovados que não eram da nossa escola, a Unicamp). O resultado do exame de lá sairia em um mês. Foi uma longa espera. Se ele passasse lá, eu seria o próximo chamado.
Um ou dois dias antes de a lista da Escola Paulista de Medicina ser divulgada, recebi uma ligação da comissão de residência médica da Unicamp, informando que meu caso havia sido estudado e meu exame, cancelado. Fiquei arrasado. Logo saiu o resultado do exame da Escola Paulista de Medicina e o candidato de lá havia sido aprovado. Era para eu ser chamado, mas, com o cancelamento da minha prova, chamariam outro. Descobri mais tarde que eles haviam validado meu nome na primeira fase e como décimo colocado na segunda fase, porque tinham medo de que eu entrasse na Justiça e conseguisse cancelar o exame.
Não havia tempo a perder. Indicaram-nos um advogado e meu pai e eu fomos consulta-lo. Ele nos disse que a única saída era judicial. Pediu-me para que conseguisse uma carta do médico da Escola Paulista de Medicina em que ele escrevesse que estava desistindo da vaga da Unicamp, antes que a Unicamp tivesse isso de forma oficial e chamasse o candidato aprovado depois de mim, porque isso tornaria as coisas muito mais difíceis. Descobri o telefone do candidato da Escola Paulista, liguei, marquei com ele de ir a São Paulo, expliquei o caso e ele gentil e surpreendentemente se dispôs a escrever a carta.
Quando chegamos em São Paulo, minha noiva e eu encontramos o rapaz alcoolizado, comemorando sua aprovação no exame. Mesmo assim, simpático, escreveu a carta que eu lhe havia pedido. Entreguei a carta ao advogado que, com a lista de aprovação publicada em jornais locais e com a carta do médico abrindo mão da nona vaga, pleiteou de forma liminar que a vaga fosse minha. Em pouco tempo, o juiz deferiu a liminar e comecei a fazer minha residência, com a possibilidade de ser cassada a liminar a qualquer momento ou de eu perder o processo a seu cabo e minha residência ou parte dela ser desconsiderada.
Entendi, no entanto, que se eu tivesse sido aprovado inicialmente entre os oito, minha prova teria sido cancelada pela comissão de residência e um próximo aluno seria chamado automaticamente, o que tornaria a disputa judicial mais difícil por incluir um terceiro interessado.
Alguns anos depois, veio a resposta definitiva. A Unicamp perdeu em primeira instância, recorreu, perdeu novamente, tornou a recorrer e perdeu de forma cabal, não restando alternativa a não ser me dar o título de residência médica em oftalmologia.
Cursei ali os dois anos obrigatórios, em 1991 e 1992, e mais dois opcionais, em 1993 e 1994. No fim do segundo ano de residência, prestei a prova nacional de título de especialista e fui aprovado. Mas a história não seria completa se parasse por aí.
Durante minha residência, conheci um residente veterano de vitória, o Caetano Bellote Filho. Ele, de início, zombava dos meus hábitos alimentares, do sábado e de outras crenças minhas. No entanto, ele começou a se interessar por minha fé quando lhe falei que não existe inferno. Dei-lhe algumas publicações e especialmente a leitura do livro O Grande Conflito mexeu com ele. Depois de fazer alguns estudos bíblicos com o pastor Otávio Costa, Caetano foi batizado com a esposa, Márcia, médica pediatra. Dois irmãos dele, um procurador de justiça de vitória e um médico ortopedista, também foram batizados juntamente com as esposas. Hoje seus dois filhos também estão batizados e todos são fiéis adventistas.
Família Bellote |
Ricardo, a esposa, Paula, Adriana e Álvaro |
Tenho ainda a certeza de que o testemunho e o trabalho dessas pessoas ainda trarão muitos mais para o “redil do bom Pastor”.
Sei que Deus me proporcionou essa experiência para ajudar os semelhantes com minha profissão. Também atendo os pastores, obreiros e familiares de nossa instituição adventista, já tendo operado dezenas e dezenas deles. Sei que Deus pensou neles também ao me permitir ter minha especialização.
Por todas essas coisas e por tantas outras que sei estarem ligadas a esta história, como a formação de minha família e a chegada dos meus três filhos, eu louvo a Deus. Vale a pena ser fiel a Ele.
(Ricardo Ortolan é médico oftalmologista e ancião da Igreja Adventista de Campinas, SP)