Deu na Veja desta semana: "As religiões neopentecostais, com seus exorcismos e cultos performáticos, são hoje as que mais fazem alarde do céu, do inferno e do demônio. Entre os fiéis das igrejas tradicionais, as retribuições da vida eterna se tornaram um tanto abstratas, um recurso didático para incutir princípios morais nas crianças. É como se as igrejas mais antigas houvessem se secularizado, relegando idéias que antes inspiravam temor (o inferno) e esperança (o céu) para o plano das figuras de linguagem. É em resposta a esse enfraquecimento de princípios que alguns líderes religiosos vêm reafirmando a verdade física do céu e do inferno. No ano passado, o papa Bento XVI reiterou, em um sermão para fiéis de Roma, que o inferno não é uma imagem literária – trata-se realmente de um lugar onde as pessoas queimam por toda a eternidade. E uma das maiores autoridades teológicas da igreja anglicana, o bispo N.T. Wright, de Durham, na Inglaterra, acaba de lançar um livro que pretende esclarecer a natureza do céu – que é, defende o autor, bem menos etérea do que se imagina.
"A pregação direta e assustadora de Bento XVI não diverge da linha dura que ele vem imprimindo a seu papado. O papa anterior, João Paulo II, amainou um tanto a noção de inferno, definindo-o como um lugar em que Deus está ausente. Cioso dos fundamentos do catolicismo, Bento XVI não faz mais do que relembrar o que está nos textos sagrados. O capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, para ficar em um exemplo, é inequívoco: os colocados à esquerda de Deus, que não deram de beber a quem teve sede nem alimentaram quem teve fome, serão banidos 'para o fogo eterno destinado ao demônio e seus anjos'. A definição do bispo Wright para céu vai um pouco mais longe: ele não apenas reafirma os textos sagrados, mas também tenta desmontar uma interpretação supostamente equivocada do Novo Testamento. Em seu livro Surprised by Hope (Surpreendido pela Esperança), o teólogo anglicano contesta a visão do céu como um lugar elevado, um paraíso espiritual no meio das nuvens. Os fiéis não vão ascender aos céus, diz Wright – é Jesus que descerá à Terra, unificando-a com o plano divino. E não se viverá apenas em espírito: no Juízo Final, haverá a ressurreição da carne. Os fiéis se levantarão para tomar seu lugar junto a Jesus.
"O bispo ampara-se em passagens das epístolas de São Paulo para sustentar essa visão. Ainda que seu cenário apocalíptico tenha base bíblica, ele se choca com a iconografia cristã – basta pensar nas inúmeras pinturas renascentistas em que o céu é representado nas alturas, como um oposto exato do inferno subterrâneo. Wright diz que a visão dos mestres renascentistas provém de uma deturpação das concepções judaicas originais. 'Ainda que escrito em grego, o Novo Testamento é profundamente judaico, e os judeus intuíam que a ressurreição final seria física, não só espiritual', disse o bispo em entrevista à revista Time. A influência da filosofia grega de Platão sobre o cristianismo primitivo teria pervertido essa noção, fixando a idéia de um céu espiritual e idealizado. ..."
Nota: Com essa tendência tradicionalista do papa Bento 16, a Igreja Católica anda para trás em muitos aspectos. Reafirmar o dogma antibíblico do tormento eterno somente aproxima alguns da religião por medo e afasta muitos outros por repulsa a um Deus que supostamente pune os ímpios nas chamas de um inferno eterno. Seria mesmo essa a verdade a respeito da punição dos maus? Em seu ótimo livro Vida Para Sempre, Robert Leo Odom compara: "Suponha, por exemplo, que o juiz de sua comarca sentenciasse um homem declarado culpado de assassinato a ser torturado continuamente dia e noite com água escaldante e ferros em brasa, a fim de mantê-lo sofrendo constantemente a mais torturante dor. O que os meios de comunicação teriam a dizer sobre isso? Qual seria a reação das pessoas em geral para com esse tipo de punição? Faz sentido dizer que o nosso Criador, que é um Deus de justiça e amor, poderia ser um monstro de crueldade pior do que o mencionado?"
A despeito do fato de Deus não inocentar o culpado (cf. Êx 34:6, 7), o dogma do tormento eterno apenas depõe contra Seu caráter justo e amoroso. A Bíblia afirma que os ímpios serão consumidos (Ap 20:8, 9) e se tornarão cinzas (Ml 4:1-3). Mas como entender a expressão "fogo eterno"? Odom explica: "Não é o tormento que será eterno, e sim o fogo que Deus usou para destruí-los que será eterno em seu efeito... Ele quer dizer através da expressão 'inextinguível' [Lc 3:17] um fogo que nunhem ser humano pode extinguir ou apagar." Veja também 2Pe 3:7, 10. Um bom exemplo de punição por "fogo eterno" é o que sucedeu a Sodoma e Gomorra (cf. Jd 7). Elas não estão queimando hoje em dia...
O espaço aqui não permite um estudo mais aprofundado do assunto, mas recomendo aos interessados em saber mais sobre a concepção bíblica de vida após a morte, além do livro de Odom, outro ótimo (e mais extenso) estudo intitulado Imortalidade ou Ressurreição, de autoria do teólogo Samuele Bachiocchi. Ligue para a Unaspress, fone (19) 3858-9055.
Quanto ao bispo Wright, ele não está longe da verdade. Saiba por quê.[MB]