A existência nos apresenta dois profundos mistérios, a vida e
a morte, os quais estão entrelaçados na história humana num contexto de
oposição e luta intermináveis: ambos combatem por tudo o que existe neste mundo.
A vida é comparada a uma constante corrida para longe da morte; a morte, uma
perseguidora da vida - fantasma universal que faz tremer qualquer coração. Como
nascemos - nós, seres racionais - sob o paradoxo viver versus morrer, somos instigados a levantar questionamentos acerca
do futuro, do além, do que virá depois de. Entre os gregos antigos, povo
detentor de vasta mitologia, a morte era personificada por Tânatos, irmão gêmeo
de Hipnos (personificação do sono) e filho de Nix (a sinistra noite). O deus
funéreo era descrito como tendo um coração de ferro e entranhas de bronze –
características da insensibilidade, bem apropriadas ao ser imaginário
representativo da ceifeira cruel.
Todos se preocupam de alguma forma com a morte. Ela não
constitui uma ideia mitológica (quem dera fosse!). Embora o assunto não seja
algo agradável de se lidar, ainda assim a ciência, a filosofia, a literatura e
a religião o abordam de diferentes maneiras, na tentativa de sondar esse enigma
tão profundo, incômodo e presente na experiência de todos nós. A ciência, por
meio de pesquisas, procura pela fórmula da imortalidade ou, pelo menos, tenta
garantir mais longevidade ao ser humano. Na literatura, o poeta português António
Feijó evoca um hino de lamento: “Morte que, sem piedade, uma a uma arrebata, / Como
um tufão que passa, as nossas afeições, / E, deixando-nos sós, lentamente nos
mata, / Abrindo-lhes a cova em nossos corações.” Semelhantemente, Edgar Allan
Poe, num de seus mais conhecidos poemas, encarna essa ideia da
irreversibilidade do curso da existência num animal sinistro, um corvo
empoleirado na beira de uma janela, que só sabe dizer e repetir uma única
fórmula: “Never more” (nunca mais).
Como bem concluiu o filósofo e humanista Luc Ferry, “a morte
[...] possui faces diferentes cuja presença é, paradoxalmente, perceptível no
próprio coração da vida mais viva. [...] Tudo o que é da ordem do ‘nunca mais’
pertence ao registro da morte [...]. Conhecemos inúmeras encarnações de morte
no próprio seio da existência.” Ainda na esteira filosófica, Epicuro, antigo pensador
grego, apregoava um tipo de resiliência diante da chegada da morte, a chamada ataraxia. Nas suas palavras nada
consoladoras (pelo menos para muita gente), ele pregava: “Habitua-te a pensar
que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação.
Donde se segue que um conhecimento exato do fato de a morte não ser nada para
nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma ideia
de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de
temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no fato de não
viver. É, pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja
temível, mas porque é temível esperá-la. Tolice afligir-se com a espera da
morte, pois se trata de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais
espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois, enquanto
vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais.” No epicurismo, o
sábio não teme a morte, pois com ela desaparecem todas as sensações que causam
sofrimento.
Endossando o pensamento de Epicuro, reflete o filósofo latino
Lucrécio em Sobre a Natureza das Coisas:
“É preciso, antes de tudo, expulsar e destruir esse medo do Aqueronte (o rio
dos Infernos) que, penetrando até o fundo de nosso ser, envenena a vida humana,
colore todas as coisas do negror da morte e não deixa subsistir nenhum prazer
límpido e puro.” Apesar de todas as racionalizações sobre o fim dos viventes,
morrer é algo que ninguém, em são juízo, deseja. Instintivamente buscamos a
vida e a imortalidade; por isso, ainda persiste no coração humano o leve ou
pesado temor da morte.
Mas não é só de medo de que se alimentam os vivos. A morte
desperta também certa curiosidade. O que existe depois dela, quando “o pó volta
à terra, como o era, e o ‘espírito’ volte a Deus, que o deu” (Ec 9:7)? De todas
as vias para se tentar obter o conhecimento do além, a religião constitui a
área mais interessada e interessante, porquanto propõe dar uma resposta que
sirva de consolo ao ser humano diante de sua mortalidade inerente, prometendo-lhe
a superação desse fatalismo. Aqui os materialistas encerram seus
questionamentos, porquanto para eles a morte é o fim de tudo, não restando
nenhuma esperança ou consolo senão aceitar a proposta epicurista de ataraxia. Para quem é religioso, no
entanto, permanece a indagação: no que se deve acreditar quando o assunto é
vida após a morte? Nesse sentido, quero abordar uma das “filosofias religiosas”
mais difundidas e aceitas em nossa era científica, contrapondo-a a outra
proposta religiosa concorrente que vai em direção contrária. Desejo conversar
acerca do espiritismo moderno à luz do Livro mais difundido e confiável (na
minha e em outras opiniões): a Bíblia, de cujas citações se valem, algumas
vezes, a literatura e a pregação espírita.
Passeando por certa livraria, minha atenção foi despertada
para o recente livro Kardec: a biografia,
do jornalista e escritor autodeclarado ateu Marcel Souto Maior. Folheei
rapidamente a obra (que futuramente vai se transformar em filme) e li trechos
de alguns capítulos. Foi o suficiente para que eu pudesse obter algumas
informações curiosas acerca da vida e obra da maior personalidade espírita de
todos os tempos, Hippolyte Léon Denizard Rivail ou Allan Kardec. No meio de
minha leitura fragmentária, surgiu a reflexão: o que faz o fenômeno
espiritualista, com sua pretensa promessa de imortalidade e comunicação com os
mortos, ter tantos adeptos no mundo e chamar a atenção até mesmo de ateus e
cristãos? Filmes, novelas, revistas e obras ditas literárias vêm abordando o
espiritismo de forma crescente. No cinema e até mesmo no teatro, a atenção das
massas é despertada para a “realidade” e a “verdade” de que “eles estão entre
nós”. Por que, pensava eu, muitas pessoas trilham o “caminho de En-Dor” (1Sm
28)? Só pude concluir que, conquanto alguns sejam céticos, não se pode
prescindir da sobrenaturalidade presente no espiritismo – o sobrenatural que
fascina, encanta, “consola” e... engana multidões.
Lamento aos que me pedem uma prova cabal de que o espiritismo
é um engano religioso dos mais bem elaborados. Minha única “prova” para desmentir
o que considero uma grandiosa e ilusória manifestação sobrenatural são apenas
as palavras bíblicas, as quais advertem: “Porque os vivos sabem que hão de
morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, tampouco terão eles recompensa,
mas a sua memória fica entregue ao esquecimento. Também o seu amor, o seu ódio,
e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa
alguma do que se faz debaixo do sol” (Ec 9:5, 6). Também: “Quando, pois, vos
disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que
chilreiam e murmuram; Porventura não consultará o povo a seu Deus? A favor dos
vivos consultar-se-á aos mortos?” (Is 8:19).
Há inúmeras declarações semelhantes espalhadas por todo o
Livro Sagrado. Eu pediria aos amigos espíritas que as examinassem
cuidadosamente, confrontando-as com seu entendimento quase universal de vida
após a morte. Se assim o fizerem, serão surpreendidos com várias verdades
escriturísticas, entre as quais: a natureza humana não é inerentemente imortal
(Ez 18:20); o conceito de “alma” e “espírito” abrigado em muitas mentes
religiosas – de entidade consciente após a morte – não tem correspondência na
Bíblia (Gn 2:7); os mortos estão verdadeiramente mortos, “dormindo” em suas
sepulturas, aguardando, todos juntos, o despertar (mediante a ressurreição) ou
para a vida eterna ou para a morte eterna, tendo todos de enfrentar o Juízo (Is
26:19; Jo 5:24, 27; 1Co 15; 1Ts 4:16; Hb 9:27); as manifestações
espiritualistas ocorridas em sessões mediúnicas têm uma explicação que só as
Escrituras apresentam: seres espirituais (anjos caídos), em direta oposição a
Deus, mostram-se na forma de “espíritos de luz” na pretensa missão de
mensageiros do mundo celestial. Todavia, a crença em suas afirmações é perigosa
e demonstrar-se-á, em algum momento, fatal (1Sm 28; 2Co 11:14); fora de Jesus e
de Seu sacrifício expiatório (não da caridade) não há salvação, pois a vida
eterna advém do divino Filho de Deus (Jo 3:14).
Guardemo-nos da ignorância sobre esse tema tão fundamental e
relevante! Por isso, exponho aos queridos espíritas as palavras paulinas: “Não
quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que
não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1Ts 4:13).
Tudo o que se diz na Bíblia acerca de vida após a morte é uma
proposição revelacional. No “Assim diz o Senhor”, nossa confiança é testada da
mesma forma como foi a de Eva ao se confrontar com a sedutora afirmação da
serpente: “É certo que não morrereis” (Gn 3:4). Não seria o espiritismo uma
tentativa fenomenológica, filosófica, “científica” e religiosa de se sustentar
e comprovar uma ideia totalmente antibíblica? Quem se atreve a concordar
comigo? Quem prefere permanecer do lado impopular e minoritário, contrariando maravilhosas
e inegáveis manifestações sobrenaturais provenientes do reino do oculto? Quem
iria contra seus sentidos para acreditar nas afirmações cristalinas da Palavra?
É notória a sinceridade de muitos espíritas, pessoas de bem
que têm alto comprometimento com a ética, a cultura, o amor e a solidariedade.
Tenho preciosos amigos que fazem parte da comunidade espírita, indivíduos apegados
profundamente ao que creem: uma doutrina que procura oferecer respostas ao
dilema da morte, buscando explicações e consolo para a humanidade sempre em
luto. Jamais compete a mim emitir qualquer julgamento acerca da sinceridade e
convicção dessas pessoas. Na pregação espírita há um espaço também para as
palavras de Jesus e o evangelho, ressignificados, porém, pelo “Evangelho Segundo
o Espiritismo”. Ainda assim, com bastante respeito, levanto-me contra a
sinceridade e convicção espíritas, lançando o alerta sobre o perigo de se
defender uma explicação equivocada no tocante à morte. A morte não é nem amiga
nem uma transição para um estado superior de existência, mas o pavoroso e
extremo resultado da transgressão humana. Ela nos roubou a vida e a
imortalidade originais, concedidas por Deus, para nos lançar num vale escuro e
sombrio. Nada há de amigável na morte.
A experiência sobrenatural e trágica do rei Saul (1Sm 28),
que desobedeceu as expressas ordens de Deus ao se intrometer com os poderes
ocultos, levou-o às trevas, à caverna, à câmara espiritualista e, tristemente,
à morte. Sua história ficou registrada e atravessou os séculos para nossa
advertência, sinalizando os perigos da estrada que conduz a En-Dor. Nas
palavras do poeta Rudyard Kipling:
“O caminho a En-Dor é o caminho mais antigo
e a senda mais demente de todas;
conduz diretamente à morada da feitiçaria,
tal como nos dias de Saul.
Nada mudou quanto à aflição que espera
os que recorrem à senda de En-Dor.”
O caminho perigoso, sinuoso e escuro percorrido por Saul não
precisa ser trilhado por nós. Temos à disposição abundante luz para nossos pés (Sl
119:105). Diante de toda pessoa sincera está uma estrada mais luminosa, confiável
e segura; uma esperança para o enigma da morte: Jesus, o Caminho, Verdade e
Vida (Jo 14:6). Ele morreu, desceu ao inferno (sepultura) e de lá voltou.
Cristo, em Sua Palavra, apresenta a resposta e a solução para a raça humana,
sujeita à morte por causa do pecado. Jesus quer não somente conceder vida com
abundância, mas eliminar a ceifeira cruel para sempre do Seu Universo.
Está predita uma renovação; ocorrerá uma mudança drástica quando
não “haverá mais morte, nem pranto, nem dor” (Ap 21:4). Diante de uma verdade
tão superior e abrangente, por que não substituir o “consolo” e a proposta do
espiritismo pela confiabilidade do evangelho bíblico-cristão? Aos espíritas
fica lançado o convite para conhecer o outro lado da vida, que dista
quilômetros do caminho de En-Dor.
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)