sexta-feira, dezembro 13, 2013

Ideias que respaldam ações

Joseph Mengele
Muitos exemplos de maus cristãos, na verdade, cristãos que agiram ou, supondo seguir sua fé ou conscientes de estar praticando algum erro, são expostos pela mídia popular, levantando, assim, muitas dúvidas a respeito do cristianismo. Nesse momento, muitas vozes reverberam a máxima de que a religião, em especial o cristianismo, não possui qualquer status de verdade, pois seus seguidores são capazes de realizar atos vergonhosos e até criminosos. Mas essas acusações realmente representam argumentos reais contra o cristianismo? Ou seja, o comportamento de indivíduos pertencentes à determinada comunidade atesta que os princípios defendidos por ela são inválidos? A questão pode ser mais bem compreendida se posta por meio de exemplos. Se o raciocínio descrito anteriormente for verdadeiro, seria o mesmo que condenar toda a medicina pelos experimentos cruéis e desumanos cometidos pelo médico Dr. Mengele (1911-1979) com os judeus presos durante o regime nazista, na Segunda Guerra Mundial. Ou definir como falso e prejudicial todo sistema de governo que em seu bojo possuísse um político corrupto. Nesse caso, todos seriam condenáveis. Esses exemplos não implicam que o cristianismo seja verdadeiro, mas demonstram a não existência de relação lógica direta entre as ações de indivíduos e os princípios presentes em suas comunidades.

A fim de estabelecer se um determinado sistema é invalidado por ações erradas, precisa-se questionar se os princípios definidos por tal sistema, seja religioso, político, científico ou filosófico, se harmonizam com as ações condenáveis praticadas por um ser que o representa. Portanto, ao avaliar o caso de cristãos e até líderes religiosos, de serem acusados de roubo, estupro, assassinato, etc., é necessário compreender se os princípios do cristianismo lhes dão suporte lógico, permissão moral ou até motivação.

O cristianismo – Mesmo um leitor superficial e até um não cristão, ao ler o relato dos evangelhos, notará a diferença abissal entre os princípios promulgados por Jesus e o comportamento daqueles cristãos que realizam práticas tão espúrias que são condenáveis pela maioria esmagadora da sociedade.

Para ser mais clara a discrepância, basta observar os dois princípios da fé cristã como resumidos por Cristo (Mt 22:37-39):

1. Amar a Deus acima de todas as coisas.
2. Amar o próximo como a si mesmo.

É como uma decorrência lógica de tais princípios que Jesus recomenda que os desabrigados sejam acolhidos, o cuidado com as viúvas e órfãos, e que os famintos sejam alimentados (Tg 1:27 e Mt 6:1-4).

Portanto, não é uma conclusão correta e justa supor a inveracidade do cristianismo com base nos escândalos e crimes envolvendo cristãos conhecidos, ou anônimos, pois essas ações apenas explicitam a incoerência desses indivíduos com o sistema de valores e verdades que representam.

O caso do nazismo – Nesse momento, com uma perspectiva mais amadurecida, seria interessante e esclarecedor analisar as ações do Dr. Mengele, frente aos princípios defendidos pelo nazismo, e não mais com aqueles presentes na medicina, pois a incompatibilidade é explícita, e então perguntar se havia ou não coerência com as ideologias nazistas.

Segundo a compreensão nazista da supremacia ariana, haveria apenas uma raça superior, que poderia invadir e tomar países, bastando que julgasse esse ato benéfico para a manutenção e fortalecimento da raça. Desenvolvimento e aprimoramento da espécie, eis os princípios norteadores das ações do governo de Hitler, como proclamado por ele próprio, e qualquer semelhança com os mecanismos evolutivos não é coincidência. Portanto, torturar, matar ou fazer experimentos com outros seres humanos – de outras “raças”, é claro –, segundo a definição nazista, eram atitudes aprovadas e promovidas, conquanto resultassem no fortalecimento da supremacia alemã. Deduz-se, então, que as práticas cruéis e atrozes do Dr. Mengele nos campos de concentração eram perfeitamente lógicas, com respeito aos princípios nazistas, pois, para estes, qualquer ser que não pertencesse ao corpo dos alemães não deveria ter qualquer consideração, e, segundo eles, esses experimentos serviam para purificar a raça.

No livro Em Guarda, de William Lane Craig, há alguns relatos dos experimentos realizados pelo médico nazista. Uma sobrevivente contou que o Dr. Mengele havia suturado seus mamilos para que ela não amamentasse o seu recém-nascido e, dessa forma, ele pudesse observar em quanto tempo o bebê morreria. Em desespero, ela tentava alimentá-lo com pedaços de pão molhado, mas não obteve resultado. Dia após dia, o bebê perdia peso, sendo sempre monitorado pelo médico. Certo dia, uma enfermeira, secretamente, ofereceu uma saída para que a mulher sobrevivesse, porém, ela deveria aplicar uma injeção de morfina na criança, o que a mataria. A pobre mãe estava resistente, mas a enfermeira a convenceu, afirmando que não havia chance para o bebê, porém, ela poderia sobreviver. Dessa forma, uma mãe foi obrigada a tirar a vida do próprio filho. O médico ficou furioso com o ocorrido e em seguida vasculhou os corpos para encontrar o bebê, com o objetivo de fazer uma última pesagem. Na enciclopédia virtual Wikipédia, é apresentada a seguinte descrição:

“Em suas experiências com seres humanos em Auschwitz, ele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, deixou pessoas em tanques de água gelada para testar sua resistência, amputou membros de prisioneiros e coletou milhares de órgãos em seu laboratório.”

Um questionamento se faz necessário: Como entender ou aceitar que um sistema que tenha gerado tanta dor e sofrimento possa almejar o status de verdade, sendo que esses atos podem ser deduzidos de seus princípios?

E o ateísmo? – Finalmente, deve-se analisar quais as consequências advindas, caso se parta de uma visão de mundo desarraigada de quaisquer crenças, sejam religiosas ou filosóficas, pois essa é a proposta, segundo seus defensores, do ateísmo. Sob esse ponto de vista, o homem é produto do acaso, ou seja, não há qualquer razão para sua existência, sendo assim, não há qualquer valor absoluto para a vida humana.

Segundo o professor Richard Dawkins, um dos maiores representantes do movimento ateu, “no final, não há nenhum designo, nenhum propósito, nenhum mal, nenhum bem, nada mais do que uma insípida indiferença. [...] Somos máquinas para a propagação do DNA. [...] Essa é a única e exclusiva razão de cada ser vivo existir” (Em Guarda, p. 38).

Muitos, ao defender o ateísmo, declaram que essa posição levará o ser humano à libertação. Segundo eles, o homem será livre da opressão de sistemas ideológicos que o escravizam, tal como a religião. Mas há uma consequência a mais: liberta a todos de quaisquer códigos de conduta absolutos, permitindo a cada ser humano agir segundo julgar ser o melhor para preservar sua vida, ou o seu DNA. O historiador Stewart C. Easton declara em seu livro:

“Não há nenhuma razão objetiva para que o homem tenha moral, a menos que a moralidade traga alguma recompensa para a vida em sociedade ou o faça se sentir bem. Não há nenhuma razão objetiva para que o homem faça qualquer coisa, a menos que isso lhe traga algum prazer” (The Western Heritage, p. 878).

Portanto, tal como no nazismo, embora as ações condenáveis de um ateu possam ser repudiadas pela sociedade, possuem suporte moral e a motivação na base conceitual de seu sistema ideológico. De certo que, se definirmos que tal forma de viver é impraticável e perigosa, pode-se concluir que sua visão de mundo não pode ser verdadeira.

Deve ser notado que não se está afirmando que um ateu, necessariamente, agirá como um infrator ou criminoso. Existem muitos que, mesmo não crendo em qualquer forma de entidade superior, são excelentes cidadãos. Mas, caso resolvessem agir apenas conforme sua vontade e seu interesse, independentemente da felicidade dos outros membros dessa sociedade, estariam perfeitamente respaldados por essa ideologia.

A melhor escolha – Em resumo, é muito precipitado e nada lógico negar a veracidade de um sistema com base em ações generalizadamente condenáveis, mas é necessário avaliá-las a fim de determinar se são coerentes, ou não, com os princípios norteadores de tal sistema.

Especificamente no caso do cristianismo, graças à valorização da vida humana, bem como do amor mútuo, é evidente a incoerência de qualquer um que se declare cristão agir de forma a prejudicar ou explorar a vida de outro ser humano. Portanto, além de condenar as más ações, o cristianismo promove uma convivência de mútua felicidade, definindo de forma absoluta o sentido, o valor e o propósito da vida humana, demonstrando com isso tanto sua eficácia como relevância para uma sociedade carente como a atual.

(Rafael Christ de C. Lopes, professor do Instituto Federal do Maranhão, campus Santa Inês)