[Artigo escrito em reação à notícia veiculada pela revista Veja e vários outros meios de
comunicação.]
A Biologia é a ciência que se aventura na busca por
respostas à compreensão do fenômeno vida. Nessa busca, perguntas importantes têm
sido feitas na tentativa de compreender como esses mecanismos funcionam. Uma
dessas perguntas tem que ver com a origem das espécies. Desde os filósofos
gregos, a ideia de processos evolutivos conduzindo à vida já permeava a
história da Terra. Com Darwin, a partir de 1859, surge uma proposta de
mecanismo explicativo para esse processo evolutivo. Numa coletânea de ideias (de
outros cientistas, inclusive), ele, de maneira organizada e por isso fácil de
ler, estabeleceu esse mecanismo e usou em 1868, em seu livro Variação de Plantas e Animais Domesticados,
as bases da pangênese (genética baseada nos conceitos de Hugo de Vries) para explicar
esse processo.
Assim, o conceito mais básico e biológico de espécie
(existem outros à disposição) é o de indivíduos de populações que cruzam – ou tem
o potencial de cruzar – naturalmente. Mas existem alguns equívocos no
desenrolar desse pensamento.
Alguns organismos podem
ser anatomicamente diferentes e, ainda assim, serem da mesma espécie. Isso
é verificável, por exemplo, em formigas. A espécie Pheidole barbata possui forma anatômica distinta, dependendo das
funções que os indivíduos desempenham na colônia.
Pode-se ver também, quanto à coloração, no vegetal
hortênsia, que dependendo do pH do solo ele pode ser azul ou mesmo rosa.
Alguns organismos podem ter uma aparência muito próxima e, no entanto, serem de espécies diferentes.
Podemos observar isso em cascudos (grupo Corydoradinae), também conhecidos dos aquaristas
como peixes limpa fundo de
aquários. Esses seres conseguem mimetizar (“copiam” a imagem, adotando padrões
e cores similares), burlando os predadores, mas não se reproduzindo entre si.
Se achou isso complicado, imagine a seguinte situação: um
grupo de muitos coelhos vivia numa localidade e, de repente, uma autoestrada
isolou-os em dois grupos. Ao longo do tempo, esses grupos isolados poderiam
ganhar características adaptativas distintas. Seriam duas espécies diferentes?
Quanto tempo, geneticamente falando, deveria regredir esses grupos para saber
se são parentes ou não?
E não é só isso. O que fazemos com organismos que se
reproduzem de maneira assexuada? Ou ainda com aqueles que, de vez em quando,
formam seres híbridos uns com os outros? Seriam novas espécies?
Essas são apenas algumas situações em que o termo pode ser
“flexionado”. Poderíamos lidar, ainda, com o problema das espécies em anel, na
tentativa de marcar o ponto de especiação; ou ainda das cronoespécies, na
tentativa de dividi-las em espécies distintas.
Toda essa situação tem sido produzida pelo fato de o
conceito biológico de espécie, até o presente momento, ter funcionado bem para
muitos organismos e melhor ainda em sua influência para o crescimento da teoria
da evolução.
A matéria publicada na revista Veja se refere a um fato que ocorre na ilha Daphne
Major, em Galápagos. Tive a
oportunidade de passar ao lado dela e conhecer esse estudo quando de minha
visita à Estação Darwin, em Galápagos. O tentilhão de Darwin, chamado de Big
Bird, parece estar mudando suas características morfofisiológicas, inclusive
não cruzando mais com outros grupos, dando início, segundo o conceito discutido
até aqui, a uma “nova espécie”.
Todo o problema reside no conceito. Ele é imprescindível ao
processo evolutivo que depende de que uma nova espécie esteja surgindo a todo
instante, caso contrário, a teoria “faria água”, ou seja, afundaria.
Esse caso é tão sério que mesmo biólogos famosos entendem
essa carência, e já apostam no conceito filogenético de espécie para “resolver
o problema”. Esse conceito informa que espécies
são identificadas inferindo-se a filogenia
de populações intimamente relacionadas e procurando-se o grupo monofilético
mais restritivo. Esse exibiria, no
mínimo, uma característica distintiva e unificadora, seja esta de caráter
estrutural, bioquímico ou molecular. Tais características são chamadas de
sinapomorfias.
Mas mesmo esse conceito não é consenso. Tanto que,
provavelmente, você não o estudou em seu livro do Ensino Médio.
E se todos esses seres não evoluíram? E se todos são
variações adaptativas às mais diversas situações da natureza? Essas são
perguntas válidas que não são feitas, pois nesse estudo somente o evolucionismo
é aceito. Não porque não são inferidas, mas porque não são permitidas. Esse
problema se agrava quando todos os esforços são feitos no sentido de “provar” o
processo Macroevolutivo.
Talvez o modelo de estudo de mecanismos genéticos mais
estudado nesse sentido seja o das moscas-da-fruta
(Drosophila melanogaster). Elas
possuem em seus 14 mil genes muita similaridade mecânica com os humanos. Por
isso seu estudo é tão importante para compreender a ação dos mecanismos
moleculares de doenças humanas. Essa espécie vive entre 15 e 25 dias, o que
permite um quadro de variação gênica muito rico por estar dentro de um tempo
programado. Desde 1910 essas variações vem sendo estudadas e, por mais que se
deseje, nenhuma característica evolutiva surgiu após esses anos todos, no
sentido de aprimoramento genético ou macroevolutivo.
Todas as mutações estudadas evidenciaram destruição de
patrimônio gênico, sendo altamente deletérias. Prejuízo no rendimento,
aptidão/função (fitness), mostrando
que, ao alterar um gene para melhor, outro pode ficar pior, resultando num
empate ou perda final.
Mesmo que muitos neodarwinistas tenham comemorado o
aparecimento de “novas espécies”, isso só foi possível levando em conta o
conceito biológico de que espécie é um conjunto de indivíduos de uma “população
reprodutivamente isolada”. Ampliando esse estudo, foram realizadas manipulação
de genes em busca de uma característica evolutiva significativa. Mais uma vez
os seres híbridos possuíam características degenerativas.
Do que se pode apreender, a entropia genética colabora com
as evidências de que existe maior acúmulo de mutações prejudiciais, provocadas
ou especiadas, e que esse acúmulo ocorre tão rapidamente que a própria seleção
natural seria incapaz de deter.
Muito deveria ser o patrimônio genético inserido para gerar
uma nova informação. Aliás, é preciso lembrar outro problema: De onde vem essa
informação?
Bom, o que podemos analisar disso tudo? Muito tempo, esforço
e dinheiro têm sido gastos na tentativa de “provar” que novas espécies aparecem
em todos os cantos, “justificando” um processo macroevolutivo. Mas o que temos
até agora, desde os testes em laboratório até as pesquisas de campo, é que a
seleção natural só atua em variações e padrões morfofisiológicos que já existem
nessa população, e qualquer estudo comprova que, ainda assim, de forma
limitada.
Por mais que se force a “nova espécie”, ela ainda evidencia
outro fator importantíssimo: esses seres continuam sendo eles mesmos. Pássaros
“viram” “novas espécies” de pássaros. Moscas viram “novas espécies” de moscas,
bactérias viram “novas espécies” de bactérias, e assim por diante.
Daí, fica outra pergunta: Cadê a megaevolução em que um
anfíbio viraria réptil? Parece que isso fica mais facilmente elucidado em
livros de Biologia mesmo!
E a luta, companheiro, continua – por ciência que siga dados
e evidências, não dogmas. Dados para cima deles!
( Dr. Márcio Fraiberg Machado é biólogo e biotecnologista)
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