domingo, abril 08, 2018

A grande aventura americana: rotas migratórias

Por uma ironia do destino, uma das primeiras pessoas a levantar a questão de onde vieram os habitantes do continente americano foi um padre jesuíta chamado José de Acosta, naturalista e antropólogo, nascido em Medina del Campo, em 1539 (Encyclopaedia Britannica, 2018). Ele visitou o Peru e o México, e escreveu em seu livro Historia natural y moral de las Indias: 

“Ficamos, sem dúvida, obrigados a confessar que homens da Europa, Ásia ou África passaram por aqui (na América); porém, como e por qual caminho vieram ainda é uma pergunta que fazemos e desejamos saber. O certo é que não houve outra arca de Noé para trazê-los às Índias, nem muito menos que um anjo os trouxe pendurados pelos cabelos.” (de Acosta, 1590, p. 57).

Um fato histórico é simplesmente um acontecimento até ser estudado e interpretado. Essa interpretação é o passo mais importante, porque dependendo da base teórica poderemos entender ou não o que aconteceu. Diante disso, este artigo não é nenhuma novidade. Os autores não estão apostando em uma nova teoria. O que mostramos aqui são fatos. Evidências históricas não podem ser refutadas. Podem, sim, ser reinterpretadas ou ignoradas.

Hoje, nas ditas “ciências” modernas, tem se ignorado ou silenciado de modo sistemático muitas evidências históricas que de alguma forma contradizem os paradigmas “modernos”.

Essas “novas ciências” surgem após o século 15 e negam seletivamente toda verdade descoberta em parceria com a religião — especialmente se for a religião cristã. Desse modo, descontrói-se todo o fazer científico. Fatos não se negam devido a um gosto pessoal ou falta de entendimento. Fatos se interpretam; e, se nossa interpretação não consegue explicá-los, devemos pensar que nosso paradigma pode não ser a ferramenta ideal para entender esses fatos.

Neste artigo, mediante evidências históricas colhidas por antigos cronistas, iremos estudar e comentar as possíveis rotas tomadas pelos povos que colonizaram o continente americano. É chegada a hora de discutir fatos à luz da História e suas evidências.

Como iremos falar de tempos e datas, nosso primeiro desafio é determinar qual deve ser o ponto de referência na História. Acreditamos que isso seja o mais importante, porque um fato histórico pode ser interpretado a partir de uma perspectiva marxista (que exclui a existência de Criação) ou sob uma perspectiva verdadeiramente histórica, e chegar à conclusão de que houve, sim, migrações recentes (no mais, de cerca de quatro mil anos atrás) e feitas por povos cultural e tecnologicamente avançados.

Os autores usados aqui como referência recolheram a maior parte dos dados de homens sábios entre os povos andinos e americanos. Surge, então, a pergunta: Os povos andinos sabiam calcular o tempo corretamente? A resposta é sim! Eram doutos no estudo de tempo e astronomia.

Diz o cronista Fernando de Montesinos, em sua obra Memorias Antiguas Historiales y Políticas del Perú: “Dizem os amautas, que sabiam as coisas desses tempos por tradições dos antigos comunicadas de mão em mão que, quando esse príncipe reinava, havia letras e homens doutos nelas, que se chamavam amautas, e estes ensinavam a ler e escrever; a principal ciência era a astrologia.” (Montesinos, 1882, p.24).

Eles calculavam os milênios chamando-os “sóis”; assim mencionam o “primeiro” e “segundo” sóis: “Dicen los amautas que el segundo ano del reinado de Manco Capac se cumplió el cuarto sol de La Creacion, que son cuatro mil anos, poco menos, y dos mil novecientos y tantos después del Diluvio general.” (Montesinos, 1882, p. 77).

Tradução:
“Dizem os amautas que o segundo ano do reinado de Manco Capac cumpriu o quarto sol da Criação, que significa quatro mil anos, pouco menos, e dos mil novecentos e tantos depois do dilúvio geral.”

É interessante notar que nessa época, logo após os episódios do dilúvio e da Torre de Babel, ou seja, segundo a perspectiva criacionista durante ou após o início do período do gelo (ver artigo A Atlântida e a migração para as Américas após o período do gelo), os descendentes de Noé já haviam migrado para as Américas. Notemos que a nação de Israel nasce somente no fim desse milênio; portanto, acreditamos que eles vieram para a América antes mesmo de Israel e suas tribos existirem, isto é, antes de os hebreus estarem organizados como nação.

E sobre o Dilúvio? O que sabemos?

O arcebispo irlandês James Ussher (1581-1656), um famoso cronologista bíblico, estudando muito seriamente as gerações mencionadas na Bíblia, numa demonstração de matemática, calculou que a criação da vida no planeta teria ocorrido em 22 de outubro de 4004 a.C., e o dilúvio teria ocorrido 1656 anos após a criação (ou 2348 a.C.). (Cooper, 2008, pp. 99 e 202). Ainda há registros históricos de datas surpreendentemente próximas a esta calculadas por Scaliger e pelos Maias. (Cooper, 2008, pp. 100-103).

No entanto, nos basearemos num registro antigo (escrito em castelhano antigo), que remonta à chegada às Américas dos colonizadores espanhóis, os quais mostravam como os povos andinos receberam o mesmo relato dos ancestrais deles. No já mencionado livro Memorias Antiguas Historiales y Políticas del Perú, de autoria de Fernando de Montesinos (1593-1652), o qual esteve no Peru em 1628, é registrado que os povos entendiam que houve um dilúvio, e que este teria ocorrido, segundo seus ancestrais, no ano 1660 após a criação —uma data muito próxima da que havia sido estabelecida por Usher:

“Depois de Ophir povoar a América, instruiu seus filhos e netos no temor de Deus e na observância da lei natural. Viveram debaixo dela por muitos anos, passando o conhecimento do Criador de todas as coisas de pai para filhos, pelas bênçãos recebidas, em especial pelo dilúvio, mediante o qual livrou seus progenitores. Duraram eles muitos anos; e segundo o cálculo do manuscrito citado, seriam quinhentos, contando os do livro. Ainda pela conta dos amautas e historiadores peruanos, foi a partir do segundo sol [milênio] depois da criação do mundo, que calculando o tempo pelos anos comuns, vem a ser 2000 anos, dado que foi o último do segundo sol [milênio]; e porque ainda não tinham se cumprido esses dois sóis [milênios] quando aconteceu o dilúvio, porque faltavam para seu cumprimento 340 anos, segundo nossa conta mais comum, vem, de acordo com esses amautas, a ser esse período o tempo dos ditos 340 anos.” (Montesinos, 1882, p. 3).

“Mas eles erraram, porque Ophir, neto de Noé, disse que, quando chegou à América, depois dos 340 anos do dilúvio, os 160 [anos] restantes eram aqueles que viveram seus filhos, decentes no temor a Deus e ao próximo, com toda a paz, sem anciãos nem dissensões.” (Montesinos, 1882, p. 3).

Essas evidências históricas recolhidas por Montesinos nos situam na chamada Rota Atlântica Antiga, que pode ser melhor visualizada no mapa ao final deste texto. À luz dos atuais dados científicos, é fato que houve diversas migrações em diversos momentos e por diversas rotas. Em relação a essas rotas, há indícios de que, além de cruzarem por pontes de terra/gelo (Estreito de Bering, por exemplo), através do Atlântico e pelos mares do norte, parte desses povos antigos veio pelo mar do Sul (pelo Chile e Andes, vindos, talvez, da Nova Zelândia ou Austrália):

“Neste tempo, o qual, segundo o que pude descobrir, seria 600 anos após o dilúvio, todas essas províncias estavam cheias de moradores. Muitos vieram pelo Chile, outros através dos Andes, outros através da Terra Firme e Mar do Sul, com a qual as costas da ilha de Santa Elena e Puerto Viejo ao Chile foram povoadas. Isso foi recolhido a partir dos antigos poemas e canções dos índios.” (Montesinos, 1882, p. 4).

Montesinos também nos informa o tipo de embarcação que eles usavam para navegar (ver Kon-Tiki, 1947): “Ele cuidou disso para o rei e, depois de alguns dias, veio de novo e contou como haviam desembarcado nas planícies em balsas e canoas, e que faziam uma grande frota com um grande número de pessoas estranhas, e que iam povoando especificamente as margens dos rios, e que homens de grande estatura passaram adiante.” (Montesinos, 1882, p. 53).

A movimentação migratória marítima na direção contrária também se deu, e isso é mencionado pelo autor Gregório Garcia, em seu livro Origen de los Indios de el Nuevo Mundo, e Indias Occidentales“Também contam os índios de Ica e os de Arica que antigamente costumavam navegar a umas ilhas no poente, muito longe, e que a viagem era realizada nuns couros de lobo marinho inchados.” (Garcia, 1729, p. 35).


Evidências científicas atuais têm mostrado que essas rotas marítimas via oceano Pacífico podem realmente ter acontecido bem antes das migrações às Américas via estreito de Bering. Em 2016, por exemplo, um estudo pôs em xeque a hipótese mais aceita, de que as primeiras migrações às Américas teriam acontecido via estreito de Bering há 15 mil anos, segundo escala evolutiva do tempo. (Pedersen et al., 2016). De acordo com a análise, essa rota só teria se tornado viável se houvesse um ecossistema com plantas e animais que fornecessem alimento para os humanos que vinham da Ásia para a América, milhares de anos depois do que se supunha.

 Inclusive, evidências arqueológicas e paleoantropológicas encontradas em ilhas canadenses revelam os mais antigos vestígios de imigração marítima na América do Norte, apoiando a ideia de que alguns humanos da Ásia se aventuraram rumo à América via costa do Pacífico, em vez de viajar pelo interior, bem antes do que se supunha. (McLaren et al., 2018). Também existem evidências de que humanos já ocupassem o Canadá há cerca de 24 mil anos. (Bourgeon, Burke e Higham, 2017) [opinião desses autores].


Além disso, mais evidências arqueológicas têm sido acumuladas ao longo dos anos, revelando que os crânios encontrados em Lagoa Santa, por exemplo, eram semelhantes aos crânios antigos do Equador, mas diferentes da morfologia dos índios atuais, mostrando que a migração mais antiga para o continente americano ocorreu através de viagens transpacíficas, com origem na Oceania (Rivet, 1908); um acampamento antigo no Texas com 16 mil artefatos e a possibilidade da chegada de barcos (Waters et al., 2011); e acampamentos antigos em cavernas no estado do Oregon com presença de ferramentas de pedras e coprólitos [excrementos animais ou humanos petrificados]. (Gilbert et al., 2008; Shillito et al., 2018).


Em 2018, uma equipe de geólogos analisou rochas de ilhas próximas ao Alasca e concluiu que os primeiros americanos colonizadores tomaram uma rota costeira ao longo da fronteira do Pacífico do Alasca para entrar no continente bem antes da travessia pela Sibéria via estreito de Bering, e que essa região possivelmente continha fauna e flora tropical exuberante. (Lesnek et al., 2018).

Mas essas hipóteses e evidências não se concentram apenas em territórios internacionais. No Brasil, nomes como Walter Neves, bioantropólogo da Universidade de São Paulo, ao analisar morfologicamente fósseis de Homo sapiens pré-colombianos, chegou à conclusão de que a América recebeu duas levas migratórias, uma anterior e que acabou extinta, de indivíduos semelhantes aos da África e aos da Oceania; e outra seguinte, que prosperou, supostamente vinda da Ásia, embora nunca tenha proposto uma migração direta da Austrália ou da África. (Neves e Hubbe, 2005).

Essa primeira leva de migrações, bem mais antiga do que se supunha, é confirmada por análises recentes de DNAs antigos, extraídos de amostras de ossos encontrados em diversas cavernas da América central e do sul. (Moreno-Mayar et al., 2018; Posth et al., 2018). Os resultados mostraram que antigos sul-americanos como, por exemplo, de Lagoa Santa, Minas Gerais, tiveram ancestrais vindo da australásia. Esse achados deixaram os pesquisadores evolucionistas confusos, pois eles não sabem como esses ancestrais poderiam ter chegado até lá, sem se misturar com outros grupos migratórios de ancestrais nativos americanos que supostamente também teriam vindo através da Beríngia e das Américas. (Mas, nós criacionistas sabemos que a rota certa foi a transpacífica!)

Por fim, outra pesquisa publicada por arqueólogos da Universidade de São Paulo revelou artefatos de povos pré-colombianos em um sítio de São Manuel, no interior de São Paulo. As estimativas são de que os itens sejam de 11 mil anos atrás – antes do período que se supunha ser o tempo correto para a ocupação da região. (Troncoso, Correa e Zanettini, 2016).

Quadro ilustrativo de como e quais teriam sido as rotas:
(Everton Alves e Irwin Susanibar)

Referências:
Bourgeon L, Burke A, Higham T. Earliest Human Presence in North America Dated to the Last Glacial Maximum: New Radiocarbon Dates from Bluefish Caves, Canada. PLoS One. 2017 Jan 6;12(1):e0169486.

Cooper B. Depois do dilúvio. Brasília: SCB, 2008.

De Acosta, Jose. Historia natvral y moral de las Indias, en que se tratan las cosas notables del cielo. Sevilla: Casa de Juan de Leon, 1590.

García, Gregorio, Origen de los indios de el Nuevo Mundo, e Indias Occidentales, Madrid: Impr. de F. Martinez, 1729; ele publica o livro em 1607, mas a versão consultada por nós é de 1729.

Gilbert MT, et al. DNA from pre-Clovis human coprolites in Oregon, North America. Science. 2008 May 9;320(5877):786-9.

Gómara, Francisco López de. La historia general de las Indias y nuevo mundo, con mas la conquista del Peru y de Mexico. Çaragoça, 1555; a abreviação “Fo. Lv” significa fólios, o livro era como pergaminhos, portanto não tinha folhas.

Lesnek AJ, et al. Deglaciation of the Pacific coastal corridor directly preceded the human colonization of the Americas. Science Advances 2018; 4(5):eaar5040.

McLaren D, et al. Terminal Pleistocene epoch human footprints from the Pacific coast of Canada. PLoS One. 2018 Mar 28;13(3):e0193522.

Montesinos, Fernando de. Memorias antiguas historiales y políticas del Perú. Madrid : Impr. de M. Ginesta, 1882. 259p.; essa primeira obra foi copiada de um manuscrito do ano 1644 que se encontra na biblioteca da Universidade Sevilla e cujo título é: “Ophir de España; mémorias historiales políticas del Pirv...”

Moreno-Mayar JV, et al. Early human dispersals within the Americas. Science. 2018 Nov 8. pii: eaav2621.

Neves WA, Hubbe M. Cranial morphology of early Americans from Lagoa Santa, Brazil: implications for the settlement of the New World. Proc Natl Acad Sci U S A. 2005 Dec 20;102(51):18309-14.

Pedersen MW, et al. Postglacial viability and colonization in North America’s ice-free corridor. Nature. 2016 Sep 1;537(7618):45-49.

Posth C, et al. Reconstructing the Deep Population History of Central and South America. Cell. 2018 Nov 15;175(5):1185-1197.e22.

Rivet P. La race de Lagoa Santa chez les populations précolombiennes de l'Equateur. Bulletins et Mémoires de la Société d’Anthropologie de Paris 1908; 9(1):209-274.

Rocha, Diego Andrés. Tratado único y singular del origen de los indios del Perú, Méjico, Santa Fe y Chile. V. 1. Madrid: [Impr. de Juan Cayetano García], 1891. Fondo Antiguo.

Shillito LM, et al. New Research at Paisley Caves: Applying New Integrated Analytical Approaches to Understanding Stratigraphy, Taphonomy, and Site Formation Processes. PaleoAmerica. 2018; 4(1):1-5.

The Editors. Jose de Acosta. Encyclopaedia Britannica, 2018. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Jose-de-Acosta

Troncoso LPS, Correa AA, Zanettini PE. Paleoíndios em São Paulo: nota a respeito do sítio Caetetuba, município de São Manuel, SP. Palaeoindian Archaeology 2016; 1(1):50-71.

Waters MR, et al. The Buttermilk Creek Complex and the Origins of Clovis at the Debra L. Friedkin Site, Texas. Science. 2011 Mar 25;331(6024):1599-603.