domingo, abril 22, 2018

O curioso processo de camuflagem dos polvos

O processo de camuflagem, que promove a intensa mudança de coloração, brilho e até mesmo modificações texturais da pele e formas dentre os Cephalopoda (lulas e polvos), é algo que impressiona pela beleza e pela velocidade dessas alterações. Esses indivíduos pertencem ao filo Mollusca, um dos maiores do reino animal. Todos os moluscos têm o corpo mole; ostras e lesmas são alguns exemplos. Muitos deles protegidos por uma concha. Algumas características singulares desse filo são a presença de rádula (órgão raspador que arranca partículas alimentares de superfícies duras) e pé muscular (principal órgão locomotor). O grupo varia muito, desde organismos muito pequenos e não tão complexos, até organismos com grandes dimensões, como a lula gigante do gênero Architeuthis, que podem alcançar 18 metros de comprimento e pesar 450 kg.  

O filo inclui invertebrados de locomoção extremamente lenta até os mais velozes, além de serem encontrados em uma grande variedade de habitats, como trópicos e mares polares. 

A classe Cephalopoda é formada por indivíduos marinhos e predadores, como lulas, náutilos, polvos e sibas. A maioria deles tem o corpo exposto, sem concha externa (com exceção do nautilóides); as conchas são geralmente reduzidas, internas ou inexistentes (como nos polvos). Apresentam o sistema nervoso e sensorial mais elaborado que os dos demais moluscos. Seus olhos são altamente complexos (com exceção dos Nautilus). E o cérebro é o maior dentre os invertebrados, com vários lóbulos e milhões de células nervosas.  

Um cefalópode é capaz de mudar sua aparência quase instantaneamente, o que é de extrema importância para comportamentos de fuga, sinalização e camuflagem. Os responsáveis pela mudança de coloração da pele são os cromatóforos, células que contêm grânulos de pigmentos e localizam-se na epiderme. Cada um dos cromatóforos está envolvido por células musculares; quando elas contraem promovem a expansão do cromatóforo e a dispersão do pigmento, assim as cores do animal variam. Quando as células musculares relaxam, os cromatóforos concentram o pigmento.
  
As lulas podem transmitir mensagens diversas em um mesmo instante, com variação nos padrões de cores em diferentes localidades do corpo. As mensagens podem estar sendo direcionadas para indivíduos diferentes, localizados em direções variadas.   

Os cromatóforos são capazes de mudar abruptamente sua coloração. Eles são órgãos neuromusculares e estão diretamente inervados ao cérebro. Diferentemente do que já se pensou, não são controlados por hormônios. Eles podem sofrer variações em sua constituição conforme a espécie - tamanho e cores por exemplo. Um único cromatóforo recebe inervações múltiplas. 

Na realidade, essas mudanças incríveis de tonalidades, luminosidade e textura ocorrem pela interação conjunta de diversos elementos: cromatóforos, iridóforos, leucóforos e músculos da pele. Os três primeiros estão dispostos em três camadas: os iridóforos estão abaixo dos cromatóforos e são incolores, de tamanhos variados e achatados, com cristais que refletem variedade de cores. Os leucóforos estão abaixo destes e são proteínas refletoras. A musculatura da pele define sua textura (enrugar, alisar) durante o processo de camuflagem; já os músculos do corpo agem diretamente na postura do animal. Conforme a situação, esses indivíduos também modificam comportamentos – permanecendo imóveis, encolhendo o corpo, expandindo para parecer mais avantajados, dentre outros. 

De acordo com Messenger (2001), o arranjo dessas três camadas sob a pele não pode ser considerado aleatório. O processo é altamente organizado, e o nível de complexidade é elevado. Os cefalópodes regulam os cromatóforos com base nas informações visuais por eles captadas, através da visualização das formas e diferentes intensidades de luz. Se a luz do fundo for clara, os cromatóforos retraem para que a luz alcance os leucóforos, e estes irão reagir para obter uma correspondência adequada das cores.  

Uma das funções de todo esse processo é a capacidade de ocultação do animal. Ele modifica suas cores, forma (posição do corpo) e textura para passar despercebido no substrato. Na coloração disruptiva ocorre a "quebra" da totalidade do animal: ele se adequa de tal forma ao ambiente que dificilmente identificamos seu corpo. Ele se confunde com o fundo.  

Na exibição interespecífica, o intuito é de interagir com predadores ou presas. Uma das reações pode ser o "aumento" do tamanho corporal. Já a exibição intraespecífica tem como foco a comunicação entre indivíduos da mesma espécie, podendo haver variações específicas de cores e formas (faixas, listras). 

Conforme Messenger (2001), a evolução estabelece que os cromatóforos nos cefalópodes teriam "surgido" a partir da redução e interiorização da concha em vários indivíduos pertencentes a esse grupo. Sepias e lulas, por exemplo, têm conchas internas; nas sepias elas são conhecidas como siba, nas lulas como penas (devido ao seu formato). Com isso, seus corpos estão mais expostos ao ambiente, são mais ágeis na locomoção, mas desprotegidos, vulneráveis aos predadores. Então, a camuflagem seria uma solução apropriada e complexa para a proteção do animal contra predadores. Assim, tal organização sugere que fortes pressões seletivas teriam sido exercidas durante o projeto da pele desses animais, pois ela apresenta elevado nível de complexidade.  

Para a eficiência desses sistemas de camuflagem é necessária a ação conjunta de grande número dos componentes: cromátóforos, iridóforos, leucóforos; além dos componentes texturais, locomotores e posturais dos animais. O comportamento eficaz depende do sincronismo destes e de um cérebro complexo. 

Será mesmo que pressões seletivas elevadas seriam suficientes para dar origem a estruturas e reações altamente complexas? Isso nos faz pensar em design inteligente... 

Moema Patriota
  

Visualize todos esses componentes em ação no vídeo abaixo: 



Polvo

Sépia


Referências: 
HICKMAN, C. P.; ROBERTS, J.L.S.; LARSONA. "Princípios Integrados de Zoologia." Guanabara Koogan, 2009. 
MESSENGER, J.B. "Cephalopod chromatophoresneurobiology and natural history." Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/cd79/572ef6659ecedee3cf29e207fc687d1880f6.pdf; Acesso em: 19 de abril de 2018.