Como
a vida pode ter-se originado de forma espontânea, no sentido de uma evolução
das moléculas de acordo com as leis da química, é um problema que tem
preocupado muitos pesquisadores praticamente desde que Darwin lançou a teoria
da evolução das espécies. Começando por Oparin (1924), o primeiro a postular
uma evolução química das moléculas, passando por Miller (1953), que procurou
simular a atmosfera primitiva na produção de aminoácidos, e chegando aos
estudos atuais, que buscam demonstrar a origem genética da vida por meio de
moléculas semelhantes ao RNA (a partir da década de 1980) ou, alternativamente,
mediante algum ciclo metabólico primitivo, a busca por uma origem natural (sem
intervenção) da vida continua não premiando os esforços dos químicos (Futuyma,
1993).
Um
estudo publicado em janeiro de 2010 (PNAS) já havia concluído contra a hipótese
da origem da vida a partir de ciclos metabólicos simplificados: “A replicação
da informação de compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de
compostos não se mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de
evolução. Concluímos que essa limitação fundamental de conjuntos de
replicadores adverte contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”
Depois
disso, alguns pesquisadores se empenharam em revitalizar a hipótese genética e
tentar demonstrar a origem da vida por meio de moléculas como o RNA. Em 2009, a
revista Nature publicou um artigo com o título “Synthesis of activated pyrimidine ribonucleotides in prebiotically
plausible conditions” (Síntese de ribonucleotídeos ativados em condições
plausíveis prebioticamente, por Powner, Gerland e Sutherland).
Entre
outros problemas, havia o de produtos que competiam com aqueles desejados e as
condições extremas e diferentes nas várias etapas que seriam necessárias para
que essa síntese se concretizasse.
Em
março de 2015, a Nature Chemistry publicou outro estudo de Sutherland e
colaboradores que abordava a questão da origem da vida através de uma origem
comum de RNA, proteínas e lipídios. Os problemas enfrentados por esse estudo,
em termos de condições variando de um passo para outro nas etapas da rede de
reações, superaram em muito os problemas das outras abordagens.
Então,
recentemente (8 de janeiro de 2018), a Nature Communications divulgou um
estudo (“Linked cycles of oxidative
decarboxylation of glyoxylate as protometabolic analogs of the citric acid cycle”,
por Greg Springsteen e colaboradores) que trouxe à baila novamente a hipótese
da origem da vida através de metabolismo.
“Nós
mostramos aqui a existência de um análogo protometabólico do TCA [ciclo do ácido
cítrico ou dos ácidos tricarboxilícos] envolvendo dois ciclos ligados que
convertem glioxilato em CO2 e produzem ácido aspártico na presença
de amônia.”
Curiosamente,
a introdução do artigo mencionado acima cita Leslie Orgel (12 de janeiro de
1927 – 27 de outubro de 2007), célebre químico e pesquisador da origem da vida,
considerado um dos pais do mundo de RNA. Em novembro de 2000, em seu artigo “Self-organizing biochemical cycles”
(Ciclos bioquímicos auto-organizantes, PNAS), Leslie Orgel diz, entre outras
coisas, o seguinte sobre ciclos metabólicos simplificados ou sem catalisadores
enzimáticos: “É necessária muita habilidade sintética para desenvolver mesmo o
mais simples dos ciclos. [...] O problema levantado por reações que não
prosseguem rápido o suficiente para tornar um ciclo prático é usualmente o
menor de dois problemas para qualquer ciclo, exceto os mais simples de primeira
ordem. Em quase qualquer ciclo complexo, são possíveis reações alternativas que
complicariam ou interromperiam o ciclo.”
O
problema de reações que não prosseguem rápido o suficiente é justamente uma das
dificuldades que surgiu no estudo mencionado mais acima. Um dos ciclos interligados,
o do malonato, leva 24 horas para se completar. É uma dificuldade proveniente
do fato de que não se podem utilizar enzimas em um ciclo protometabólico em um
ambiente prebiótico.
Outra
dificuldade é que a temperatura entre as etapas diferentes desses ciclos
precisa ficar variando entre 23 oC e 50 oC, várias vezes
em etapas sucessivas. Em um laboratório, esse cenário é viável, mas não é
provável que isso acontecesse no ambiente natural. Lembrando que o ciclo
precisa ficar se repetindo e a temperatura variando sempre nas etapas corretas,
com o valor correto.
Enfim,
às vezes parece que as pesquisas sobre origem da vida seguem a máxima de que “situações
desesperadoras exigem medidas desesperadas”.
(Graça
Lütz é bióloga e bioquímica)