quinta-feira, abril 12, 2018

Origem da vida e ciclos metabólicos (novamente)

Como a vida pode ter-se originado de forma espontânea, no sentido de uma evolução das moléculas de acordo com as leis da química, é um problema que tem preocupado muitos pesquisadores praticamente desde que Darwin lançou a teoria da evolução das espécies. Começando por Oparin (1924), o primeiro a postular uma evolução química das moléculas, passando por Miller (1953), que procurou simular a atmosfera primitiva na produção de aminoácidos, e chegando aos estudos atuais, que buscam demonstrar a origem genética da vida por meio de moléculas semelhantes ao RNA (a partir da década de 1980) ou, alternativamente, mediante algum ciclo metabólico primitivo, a busca por uma origem natural (sem intervenção) da vida continua não premiando os esforços dos químicos (Futuyma, 1993).

Um estudo publicado em janeiro de 2010 (PNAS) já havia concluído contra a hipótese da origem da vida a partir de ciclos metabólicos simplificados: “A replicação da informação de compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de compostos não se mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de evolução. Concluímos que essa limitação fundamental de conjuntos de replicadores adverte contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”

Depois disso, alguns pesquisadores se empenharam em revitalizar a hipótese genética e tentar demonstrar a origem da vida por meio de moléculas como o RNA. Em 2009, a revista Nature publicou um artigo com o título “Synthesis of activated pyrimidine ribonucleotides in prebiotically plausible conditions” (Síntese de ribonucleotídeos ativados em condições plausíveis prebioticamente, por Powner, Gerland e Sutherland).

Entre outros problemas, havia o de produtos que competiam com aqueles desejados e as condições extremas e diferentes nas várias etapas que seriam necessárias para que essa síntese se concretizasse.

Em março de 2015, a Nature Chemistry publicou outro estudo de Sutherland e colaboradores que abordava a questão da origem da vida através de uma origem comum de RNA, proteínas e lipídios. Os problemas enfrentados por esse estudo, em termos de condições variando de um passo para outro nas etapas da rede de reações, superaram em muito os problemas das outras abordagens.

Então, recentemente (8 de janeiro de 2018), a Nature Communications divulgou um estudo (“Linked cycles of oxidative decarboxylation of glyoxylate as protometabolic analogs of the citric acid cycle”, por Greg Springsteen e colaboradores) que trouxe à baila novamente a hipótese da origem da vida através de metabolismo.

“Nós mostramos aqui a existência de um análogo protometabólico do TCA [ciclo do ácido cítrico ou dos ácidos tricarboxilícos] envolvendo dois ciclos ligados que convertem glioxilato em CO2 e produzem ácido aspártico na presença de amônia.”

Curiosamente, a introdução do artigo mencionado acima cita Leslie Orgel (12 de janeiro de 1927 – 27 de outubro de 2007), célebre químico e pesquisador da origem da vida, considerado um dos pais do mundo de RNA. Em novembro de 2000, em seu artigo “Self-organizing biochemical cycles” (Ciclos bioquímicos auto-organizantes, PNAS), Leslie Orgel diz, entre outras coisas, o seguinte sobre ciclos metabólicos simplificados ou sem catalisadores enzimáticos: “É necessária muita habilidade sintética para desenvolver mesmo o mais simples dos ciclos. [...] O problema levantado por reações que não prosseguem rápido o suficiente para tornar um ciclo prático é usualmente o menor de dois problemas para qualquer ciclo, exceto os mais simples de primeira ordem. Em quase qualquer ciclo complexo, são possíveis reações alternativas que complicariam ou interromperiam o ciclo.”

O problema de reações que não prosseguem rápido o suficiente é justamente uma das dificuldades que surgiu no estudo mencionado mais acima. Um dos ciclos interligados, o do malonato, leva 24 horas para se completar. É uma dificuldade proveniente do fato de que não se podem utilizar enzimas em um ciclo protometabólico em um ambiente prebiótico.

Outra dificuldade é que a temperatura entre as etapas diferentes desses ciclos precisa ficar variando entre 23 oC e 50 oC, várias vezes em etapas sucessivas. Em um laboratório, esse cenário é viável, mas não é provável que isso acontecesse no ambiente natural. Lembrando que o ciclo precisa ficar se repetindo e a temperatura variando sempre nas etapas corretas, com o valor correto.

Enfim, às vezes parece que as pesquisas sobre origem da vida seguem a máxima de que “situações desesperadoras exigem medidas desesperadas”.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)