O
blog inovação tecnológica publicou um questionamento (confira)
levantado por Jayant Narlikar, professor do Centro Inter-Universitário de
Astronomia e Astrofísica em Pune, na Índia, sobre o status do atual modelo cosmológico padrão. Infelizmente, Narlikar
parece ter familiaridade bastante limitada com temas pertinentes à Cosmologia.
De fato, existem muitas especulações nessa área, bem como evidências fracas,
fortes e teorias bem fundamentadas. Infelizmente, aos olhos do público leigo,
assim como aos olhos de Narlikar, todas essas coisas parecem ser componentes de
uma única teoria: a do Big Bang.
Na
verdade, muito pouco do que ele menciona tem a ver diretamente com modelos de
Big Bang. Ele menciona, por exemplo, a falta de evidências em favor do que ele
pensa serem pressupostos básicos do Big Bang, a saber: matéria escura não bariônica,
inflação e energia escura. Essa é talvez a principal dica de que Narlikar não
faça ideia do que seja realmente o modelo do Big Bang. Tentaremos explicar
rapidamente o que são essas coisas e por que o modelo mais aceito do Big Bang
não depende delas.
O que é matéria escura
não bariônica?
Primeiro,
precisamos entender o que são bárions. Trata-se de uma família de partículas
subatômicas capazes de interagir por meio de uma das quatro forças fundamentais
conhecidas: a interação nuclear (forte). Os dois exemplos mais conhecidos são
prótons e nêutrons. Nós, juntamente com toda a matéria que nos cerca, somos
feitos de matéria bariônica, já que a massa dos átomos que nos compõem é quase
toda devida a prótons e nêutrons em seus núcleos. Elétrons, que formam o corpo
de cada átomo, também possuem massa, mas muito menor, quase insignificante
comparada com a dos prótons e nêutrons.
Matéria
escura não bariônica seria composta de um tipo de partícula hipotética, não
prevista nos modelos matemáticos, que praticamente não interage com a matéria
normal. De onde veio essa ideia? Do fato de que as órbitas das estrelas em
torno de suas galáxias sugerem que há muito mais matéria compondo essas
galáxias do que podemos ver (ver, por exemplo [1]), ou que a gravidade tem um
comportamento diferente do esperado em certas circunstâncias. Por alguma razão,
a hipótese da matéria escura acabou sendo preferida em relação à outra
hipótese.
A
hipótese da matéria escura surgiu muitas décadas após a publicação do modelo do
Big Bang.
O que é inflação?
Nesse
contexto, não se trata de economia. Trata-se de uma suposta expansão acelerada
do espaço logo após sua criação. Essa hipótese [2] também surgiu muitas décadas
após a publicação do modelo do Big Bang e foi apenas uma tentativa de fazer um “puxadinho”
no modelo para explicar o excesso de homogeneidade do Universo. Aliás, esse é
um ponto importante que vale a pena ser mencionado.
A
Cosmologia possui uma vantagem interessante em relação a outras áreas que usam
informações sobre o passado: tudo o que vemos ao observar o Universo é o
passado. Na Geologia e na Paleontologia, por exemplo, só podemos imaginar o
passado com base em pistas. Em Cosmologia, podemos ver o passado com os
próprios olhos graças à velocidade finita da luz e às grandes distâncias entre
objetos visíveis no Universo. Quando olhamos para a constelação de Órion, por
exemplo, não vemos o que acontece lá agora, mas o que acontecia há mais de 1.300
anos. Quando vemos fenômenos em andamento na vizinha galáxia de Andrômeda,
testemunhamos eventos que ocorreram há mais de 2,5 milhões de anos, pois esse é
o tempo que as imagens que recebemos agora demoraram para chegar até nós.
Quando
dirigimos nossa atenção ao limite do que podemos observar, vemos o Universo
logo após seu nascimento. Ele era extremamente homogêneo, exceto por pequenas
variações na medida exata para formar galáxias e aglomerados de galáxias.
Para
quem crê que o Universo foi planejado, isso faz todo o sentido. Porém, para
quem crê que o Universo nasceu de uma espécie de acidente, essa homogeneidade
não faz sentido, pois o Universo não teria tempo de se tornar homogêneo logo
após sua criação, a menos que já nascesse homogêneo, o que seria uma
coincidência incrível. Buscam-se então possíveis mecanismos que poderiam,
talvez, explicar tamanha homogeneidade. Uma das hipóteses propostas é a da
inflação.
O que é energia escura?
Uma
propriedade do espaço que faz com que ele tenda a se expandir com o tempo, mais
ou menos como a superfície de um balão ao ser inflado. Esse também não é um
pressuposto do modelo do Big Bang.
Quando
deduzimos a equação que rege a gravidade e o comportamento do espaço-tempo (a
equação da Relatividade Geral), a mesma que usamos como base para o software que faz o GPS funcionar, emerge
desses cálculos uma entidade que chamamos de constante de integração (quem está
familarizado com cálculo integral reconhecerá essa expressão) chamada de
constante cosmológica. Tanto a equação quanto a constante são consequência da
combinação de duas coisas: a lei da conservação de energia e um teorema da
Geometria Diferencial. O ponto da equação onde aparece essa constante tem o
comportamento de energia escura.
Assim,
a energia escura não é exatamente uma hipótese para explicar algo, mas uma
decorrência natural de leis bem conhecidas e testadas. Ainda assim, ela não faz
parte das hipóteses usadas na fomulação do modelo do Big Bang.
Outros fenômenos
O
que o modelo do Big Bang nos diz sobre a formação de estrelas, galáxias e
outras estruturas do Universo? Nada. Esse não é o assunto do modelo. E sobre o
surgimento da vida? Nada. Isso está ainda mais longe do escopo do modelo.
O que é o modelo do Big
Bang?
É
um sistema de equações deduzido por Georges Lemaître[3] e outros a partir das
seguintes premissas:
A
Relatividade Geral é suficientemente exata.
As
leis da Termodinâmica são válidas.
O
universo é aproximadamente homogêneo em uma escala suficientemente grande.
Combinando-se
matematicamente esse sistema de hipóteses, obtemos um sistema de equações cujas
soluções nos mostram um Universo que foi criado (pelo menos a forma como o
conhecemos hoje) e passou a expandir-se desde então. Expansão aqui se refere à
expansão do próprio espaço, independentemente da matéria contida nele.
Lemaître
era um religioso católico e cria que o Universo foi criado por Deus, mas
ateve-se somente a leis conhecidas e à hipótese da homogeneidade aproximada do Universo
para gerar o modelo.
Há
quem imagine o Big Bang como uma grande explosão desorganizada que teria dado
origem a tudo, até a vida. Isso é um disparate! Em primeiro lugar, Big Bang é
um modelo que parte de algo que parece ser uma criação muito organizada do Universo
(como vimos acima) e então trata da expansão do espaço ao longo do tempo.
Apenas isso.
Causas de controvérsia
Os
resultados do Big Bang foram tratados inicialmente com muito ceticismo. Graças
a uma cultura materialista, acreditava-se que a matéria fosse eterna, que o Universo
sempre existiu. O fato de que o Big Bang sugeria fortemente uma criação foi
visto como um problema.
Durante
décadas houve grande resistência no mundo acadêmico, mas as evidências
tornaram-se cada vez mais abundantes. A primeira foi a do avermelhamento de
aglomerados de galáxias em função da distância, previsto pelo modelo. Depois, a
radiação cósmica de fundo (um resultado da Física Nuclear no contexto do
modelo) foi confirmada e tinha exatamente o formato previsto. Essa radiação
demonstrou também a alta homogeneidade do Universo logo após sua criação.
Depois foram detectados sinais de ondas gravitacionais exatamente como esperado
no universo primordial. Com o tempo, o conjunto de evidências combinado com o
melhor entendimento do modelo levaram a uma maior aceitação do modelo. Ainda
assim, continua sendo uma pedra no sapato da qual o mundo acadêmico gostaria de
se livrar na primeira oportunidade.
Curiosamente,
apesar de o Big Bang ser um aliado do criacionismo, muitos cristãos têm
trabalhado arduamente para desacreditá-lo. Há grupos que procuram
desesperadamente falhas no modelo para usá-las em argumentos de que o modelo
está totalmente errado. O principal motivo parece ser a crença de que o Universo
possui apenas de 6 a 10 mil anos de idade e que o modelo do Big Bang afirma que
possui cerca de 13,8 bilhões de anos.
Dois
dos principais problemas com essa ideia são os seguintes:
1.
Não é possível provar pela Bíblia que o Universo é jovem sem violar regras de
exegese e hermenêutica. Pelo contrário, a Bíblia dá indicações de que o Universo
é mais antigo do que a Terra, embora não especifique sua idade.
2.
O modelo do Big Bang por conta própria não estabelece a idade do Universo. Ele
apenas fornece meios de estimá-la com base no que se observa. Quem diz que o Universo
é antigo são as observações, não o modelo do Big Bang.
O
Big Bang faz parte do cenário imaginado atualmente pela maioria dos
cosmologistas, mas não é o cenário todo. Quanto à resistência contra o modelo,
amenizou nas últimas décadas, mas permanece o desconforto causado por ele por
não se encaixar na cosmovisão de muitas pessoas.
(Eduardo Lütz é físico e
engenheiro de software)
Referências:
1.
Rubin, Vera C.; Ford, W. Kent, Jr. (February 1970). “Rotation of the Andromeda
Nebula from a Spectroscopic Survey of Emission Regions.” The Astrophysical Journal. 159: 379–403.
Bibcode:1970ApJ...159..379R. doi:10.1086/150317.
2.
Guth, Alan H. “Inflationary Universe: A possible solution to the horizon and
flatness problems.” Physical Review
D. 23 (2): 347–356. Bibcode:1981PhRvD..23..347G. doi:10.1103/PhysRevD.23.347.
3.
Lemaître, G. (1927). “Un univers homogène de masse constante et de rayon
croissant rendant compte de la vitesse radiale des nébuleuses extragalactiques.”
Annalsof the Scientific Society of Brussels (em francês).
47A: 41