segunda-feira, outubro 15, 2012

SCB 40 anos: em defesa do princípio

A história da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), que completou 40 anos em abril, remonta ao fim de 1971, quando a família do engenheiro Ruy Carlos de Camargo Vieira foi especialmente tocada por Deus para abraçar uma missão. Ele, a falecida esposa Jandyra, os filhos, Rui e Pedro Henrique, a mãe, Berta – com o apoio de Francisco Batista de Mello, Nahor Neves de Souza Júnior, Humberto Ricci e de outros adventistas de São Carlos, SP – deram os primeiros passos para a criação da instituição.

Essas quatro décadas de história da SCB se confundem com a trajetória e pioneirismo de seu presidente-fundador, Dr. Ruy, 82 anos. Ele não teve educação religiosa no lar e estudou até o nível universitário sob a forte influência do agnosticismo e mesmo do ateísmo. Ruy conta que só foi conhecer o cristianismo,“como experiência pessoal, pela providência de Deus”, já no fim de seu curso de Engenharia Mecânica-Eletricista na USP, em 1953.

A ideia de se organizar uma entidade criacionista, no fim de 1971, está diretamente ligada à realização de uma semana cultural organizada no ano anterior, em São Carlos, pelo pastor Leondenis Vendramin, então distrital naquela cidade. Nesse evento, vários palestrantes, na maioria professores do antigo Instituto Adventista de Ensino (hoje Unasp, campus São Paulo), foram convidados a expor assuntos de interesse cultural e científico, cabendo ao Dr. Ruy falar sobre o dilúvio bíblico.

Mas foi nesse evento que entrou em cena outra figura importante, o matemático Orlando Rubem Ritter, homenageado pela SCB como o pioneiro do criacionismo no Brasil, em agosto de 2011, em Curitiba. Na semana cultural de 1970, o professor Ritter apresentou uma palestra sobre a datação com carbono radioativo. No fim de sua fala, ele indicou bibliografia crítica sobre o assunto, fazendo menção à Creation Research Society, entidade criacionista norte-americana, fundada havia cerca de dez anos, e que vinha publicando sua revista trimestral com artigos muito bem fundamentados.

Para Orlando Rubem Ritter, que lecionou ciência e religião por 42 anos, é preciso investir em pesquisa de campo e na capacitação dos docentes das escolas adventistas

O impacto desse contato do professor Ritter com os hoje editores da Revista Criacionista os inspirou a publicar, inicialmente, traduções em português dos artigos daquele periódico dos Estados Unidos. “Dessa forma”, conta o Dr. Ruy, “com o influxo inicial proporcionado pelo professor Ritter, e com o subsequente apoio da Creation Research Society, que autorizou a tradução dos artigos, foi possível estabelecer informalmente a Sociedade Criacionista Brasileira.”

Mas o início das atividades da SCB ocorreu apenas em abril de 1972, com o lançamento dos 500 exemplares do primeiro número da Folha Criacionista. Essa publicação, durante muitos anos, foi a viga-mestra das atividades da SCB, dadas as limitações de tempo e as dificuldades para expandir seu âmbito de atuação para abranger, por exemplo, a edição de livros e de recursos audiovisuais, bem como a realização de palestras em igrejas e universidades. Aos poucos, a SCB foi conquistando a simpatia e o apoio de numerosas pessoas, que passaram a prestar sua colaboração voluntária para o desenvolvimento das atividades da entidade.

De pai para filho: o idealismo do Dr. Ruy Vieira inspirou o filho Rui a abraçar a causa criacionista. A família Vieira, com o auxílio de doações e a venda de materiais da SCB, tem mantido a entidade há 40 anos

Evolução – Atualmente, além de publicar a Revista Criacionista (antiga Folha Criacionista), a entidade produz a série em revista De Olho nas Origens, destinada a crianças do ensino básico; Ciências das Origens, para estudantes de nível médio e superior; e séries de vídeos direcionadas ao público em geral.

No início da década de 1990, a sede da SCB foi transferida do interior paulista para Brasília, mudança que marcou uma fase de muitos avanços da entidade. Além dos aprimoramentos na Revista Criacionista, começaram a ser publicados vários livros, produzidos vídeos e elaborados kits e cartazes didáticos. Nesse período, também, teve início uma série de palestras de divulgação do criacionismo em várias capitais brasileiras, seminários que foram intitulados “A Filosofia das Origens”.

Em 2000, a SCB foi formalizada como entidade jurídica sem fins lucrativos, com 59 associados-fundadores. Alguns anos depois, foi inaugurada sua sede administrativa em sala própria e, em 2004, foi cortada a fita inaugural de seu Centro Cultural, em Brasília. Atualmente, a SCB conta com aproximadamente 500 associados regulares e estudantes.

A ideia de um centro cultural criacionista surgiu, inicialmente, devido à necessidade de organizar um espaço para abrigar o volumoso acervo bibliográfico (livros, periódicos, publicações avulsas, cartazes e painéis) formado ao longo de mais de 30 anos, bem como expor as coleções de rochas, minerais, gemas, fósseis, objetos e artefatos de interesse arqueológico, etnológico e antropológico. Assim, o centro cultural funciona como museu e biblioteca e possui infraestrutura de multimídia para a realização de palestras e cursos em um auditório, além de teleconferências e educação a distância. O prédio com a mobília e as coleções custou mais de um milhão de reais, investimento feito pela família Vieira na causa criacionista.

Centro Cultural da SCB

Entre os planos da SCB, estão a continuação dos seminários “A Filosofia das Origens”, procurando atender todas as capitais e grandes cidades do Brasil e, gradualmente, visitar países sul-americanos que ainda não têm sociedades criacionistas. Além disso, há o plano de se publicar a nova edição do livro Estudos Sobre o Criacionismo, de Frank Lewis Marsh (atualizando-o com notas de rodapé específicas), em reconhecimento ao papel importante por ele desempenhado nos primórdios da SCB, e a apostila escrita pelo professor Ritter (Estudos em Ciência e Religião), em nova formatação, em reconhecimento ao seu valor histórico.

Desafios – É com grande satisfação que o professor Ritter vê o fortalecimento da defesa do criacionismo em terras tupiniquins. Formado em Matemática pela USP e com mestrado em Educação pela Andrews University (EUA), Ritter lecionou por 42 anos sobre ciência e religião no atual Unasp, campus São Paulo, inclusive para o seminário teológico. Foi nos Estados Unidos que ele teve maior acesso a materiais criacionistas produzidos pelas sociedades científicas de lá. Para Ritter, uma das maiores contribuições da SCB foi “a coragem de enfrentar o intelectualismo evolucionista”. Cultura acadêmica que, segundo ele, ainda reage fortemente ao criacionismo. “Se não tem importância, por que apontar o dedo para o criacionismo?”, questiona.

Apesar do preconceito, Ritter afirma que há mais espaço para discutir o tema em universidades. Ele mesmo teve a oportunidade de, já em 1984, falar sobre evolução e entropia para alunos do prestigiado ITA, em São José dos Campos, SP. Segundo Ritter, por causa daquela palestra um professor de matemática se tornou criacionista e adventista. Hoje aposentado, o professor de 87 anos mora em Campo Grande e continua a dar palestras. Quanto aos desafios da causa, ele acredita que é preciso investir mais em pesquisa de campo, aplicando tempo e recursos para isso. E que os professores das escolas adventistas participem de programas de educação continuada a fim de abordar com precisão o tema em sala de aula. Seu conselho faz sentido. Afinal, seu gosto pelo criacionismo começou na adolescência por influência de um professor de física.

Quem recentemente gravou videoaulas sobre criacionismo para professores da rede educacional adventista foi o geólogo Dr. Nahor Neves de Souza Jr. Acostumado a participar de capacitações no contexto denominacional, nos últimos dez anos, Nahor tem atuado também em debates em universidades públicas e programas de TV. Somente no segundo semestre de 2011, foram quatro visitas a universidades federais. Geralmente convidado por estudantes cristãos e diretórios acadêmicos, em alguns casos Nahor chegou a dar minicursos sobre a controvérsia com direito a certificados de extensão das próprias universidades seculares.

Profundo admirador e divulgador do trabalho da SCB, Nahor diz que é difícil imaginar as conquistas do criacionismo brasileiro sem a contribuição da entidade. Ele mesmo foi beneficiado pelo trabalho da instituição quando estudante de geologia na Unesp e USP. É por isso que, há 17 anos, Nahor se dedica ao ensino sobre ciência e religião no Unasp, campus Engenheiro Coelho. Além de professor da instituição, desde 2007 ele é o representante do Geoscience Research Institute no Brasil (www.evidenciasonline.org), entidade mantida pela sede mundial da Igreja Adventista nos Estados Unidos (www.grisda.org), mas com escritórios em várias regiões do mundo. “Mesmo nossos jovens que cresceram na igreja não estão preparados para enfrentar o evolucionismo na universidade. Muitos acabam perdendo a fé”, alerta Nahor para a necessidade de maior divulgação das evidências científicas da Criação.

Possibilidades – Nas universidades seculares, a divulgação dá sinais de mais abertura. É o que pensa o professor Wellington Santos Silva, 45 anos, doutor em Genética Humana e professor de ciência e religião do curso de Teologia da Faculdade Adventista da Bahia. Ele acredita que os alunos de instituições não confessionais estão mais curiosos e receptivos ao tema. “As pessoas não estão mais satisfeitas com uma visão hegemônica da realidade”, avalia. Talvez, esse novo anseio seja fruto do advento do paradigma pós-moderno, que questiona as explicações totalitárias e irrefutáveis e promove o relativismo e o pluralismo de visões.

O professor acrescenta que o debate sobre a origem da vida não é só uma questão da consistência de uma teoria, mas de variáveis do contexto histórico e dos interesses que estão por trás da promoção de um modelo. Por isso, Wellington pondera que, apesar de a pós-modernidade favorecer um ambiente de questionamento ao evolucionismo, o mesmo ceticismo pode ser dirigido ao criacionismo, quando se entende que esse modelo tem a intenção de ser também a explicação única da realidade.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos das Origens (NEO) e professor do Unasp, Dr. Marcos Natal de Souza Costa, 52 anos, o contexto cultural e histórico também pesa na explicação sobre o forte preconceito dos cientistas brasileiros para com o criacionismo. No Brasil, a tradição católica é mais propensa ao sincretismo entre evolucionismo e cristianismo, o que acontece em menor escala nos países de formação protestante, como os Estados Unidos, que dão mais atenção para as incompatibilidades da teoria da evolução com a teologia bíblica.

Reverter completamente esse quadro no país, na opinião do geólogo, é improvável, mas é possível minimizá-lo. O caminho é dar talvez o maior e mais importante salto do criacionismo brasileiro: investir em pesquisa séria de campo, especialmente nas áreas de geologia, paleontologia e biologia. “Para dialogar com a comunidade científica é preciso fazer pesquisa criacionista avançada. Não repetir chavões de 20 anos atrás ou ficar apenas atirando pedras no evolucionismo. É necessário construir um modelo alternativo”, explica Marcos. Nesse sentido, até aqui a SCB tem dado grande contribuição, publicando materiais de peso e estimulando a pesquisa e discussão séria sobre o tema em seus eventos. Resta saber se a Igreja, estudantes e pesquisadores beneficiados pelo trabalho da entidade, contribuirão para que as próximas páginas da história do criacionismo brasileiro sejam escritas com avanços ainda maiores.

Evolução da SCB

Diferentemente da coluna geológica evolucionista que propõe períodos de milhões de anos para a história da vida, nossa linha do tempo é bem mais sucinta, e procura destacar as datas e fatos mais importantes dos 40 anos da SCB.

1972. É fundada a Sociedade Criacionista Brasileira, em São Carlos, SP, e começa a ser publicado seu periódico, Folha Criacionista.

1990. A entidade muda do interior paulista para Brasília, DF.

1995. A SCB passa a lançar livros traduzidos e produções nacionais. Os quase 40 títulos publicados nos últimos 17 anos são divididos em quatro coleções: “Criacionismo e Origens”, “Planeta Terra”, “Advento” e “Idiomas”.

1998. É lançado o site www.scb.org.br, criado e mantido também pelo membro associado da entidade, Marcus Vinícius de Paula Moreira. Hoje, esse site se desdobra em quatro: sobre os seminários (filosofiadasorigens.org.br); artigos (revistacriacionista.com.br); filmes e DVDs produzidos pela SCB (tvorigens.com.br) e um específico para as crianças (deolhonasorigens.com.br).

2000. A SCB é formalizada como entidade jurídica sem fins lucrativos, seu estatuto é registrado em cartório e a loja virtual passa a funcionar.

2002. São lançadas as importantes obras Evolução – Um Livro-Texto Crítico, traduzido do alemão, e Em Busca das Origens – Evolução ou Criação?, do espanhol. A SCB passa a publicar a revista De Olho nas Origens, voltada para os alunos do ensino fundamental e médio e a Folha Criacionista passa a ser chamada Revista Criacionista, com novo projeto gráfico. É realizado o primeiro seminário “A Filosofia das Origens”, no Rio de Janeiro, em setembro. A 12ª edição do encontro acadêmico foi realizada em maio deste ano, em Cochabamba, Bolívia.

2003. O programa “De Olho nas Origens” passa a ser exibido na antiga Adsat, hoje TV Novo Tempo.

2004. O Centro Cultural da SCB é inaugurado em Brasília, DF. O espaço serve de museu, biblioteca e centro de treinamento.

2005. A partir do número 73, a Revista Criacionista passa a ser disponibilizada apenas em CD-ROM. O periódico está na 85ª edição.

2007. Publicação do livro Criação: Criacionismo Bíblico, traduzido do alemão.

(Michelson Borges é editor de livros na Casa Publicadora Brasileira; Wendel Lima é editor de Notícias da Revista Adventista e editor da revista Conexão)