Despoluição mental |
Desde
que entramos em uma escola Waldorf, fomos alertados sobre os muitos efeitos
negativos que a televisão causa nas crianças. Hiperatividade, incentivo ao
consumo, informações precoces, enfim, comecei a dosar a quantidade de televisão
em casa. Mas quando entramos na escola Waldorf aqui em Miami, a coisa foi um
pouco diferente. Tivemos que assinar um contrato dizendo que nossos filhos não
iriam assistir televisão. Com aquele gingado brasileiro, assinamos, mas não
estávamos pensando em levar aquilo assim tão ao pé da letra. Se é que você me
entende. Acontece que logo que conheci o professor do João, fiquei muito
encantada com a seriedade e o comprometimento dele. Ele veio à nossa casa nos
conhecer antes do início das aulas. Como de cara não viu nenhuma televisão,
demonstrou tranquilidade ao falar: “Ah, vocês não têm televisão?” E nós
respondemos com o rabo entre as pernas: “É... na verdade temos. Mas eles
assistem pouco.” E o professor falou: “Eu peço para que o João assista apenas
nos fins de semana. Porque o cérebro da criança precisa do sono para assimilar
o aprendizado. Se, durante o dia, houve o estímulo da televisão com suas cores,
informações, sons, imagens e mensagens muito fortes, o cérebro vai usar a noite
para assimilar isso, não o aprendizado da escola.”
E
isso para mim fez todo o sentido. Me lembrei das várias vezes em que o João
acordou no meio da noite falando sobre o filme que tinha assistido, ou acordou
com pesadelos relacionados às histórias dos filmes. Então essa frase do
professor foi suficiente para eu não precisar ler as três páginas de estudos de
Harvard que a escola distribuiu comprovando a relação direta entre excesso de
televisão e déficit de atenção, dificuldade de aprendizado e descontroles
emocionais e na visão, devido à exposição à telinha. Respirei fundo, e como
regra você tem que falar uma vez só e seguir em frente, com muito medo de
fracassar, disse com toda certeza: “A partir de hoje, televisão só no fim de
semana.”
Estamos
há quase seis meses sem televisão nos dias de semana. E de lá para cá a vida
mudou muito por aqui. Fiquei mais cansada, mas até aí tudo bem, afinal, cuidar
deles é meu trabalho agora. Mas eles ficaram mais calmos e agora têm tempo para
brincar. Aqueles brinquedos no armário não são mais meras peças decorativas.
Incentivo
que façam o mesmo. Estabeleçam uma rotina. De 2h às 4h brincar livre. (E eles
que se virem para achar graça em alguma coisa, se for para ficar com tédio,
fica. Que problema tem isso?) De 4h às 4h30, lanche. De 4h30 às 5h30, colorir,
pintar, desenhar, fazer um cartão para a vovó, fazer biscoito, enfim, trabalhar
com as mãos. Depois é banho, jantar e história para dormir. (Sim, sem a TV, o
sono chega mais cedo.) E pode variar, claro. Segunda e quarta, de 2h às 4h, é
dia de passeio. Pode ser com a babá ou avó, não importa. O que importa é a
rotina. Criança adora sentir que não está “solta”. Lembra aquele paninho
(cueiro) de enrolar bebê, em que eles ficam supercalminhos? Pois a rotina dá
essa sensação para os grandinhos também.
E
quando a televisão fica seletiva, você percebe como a maioria do que passa ali
é inadequado para as crianças. Excesso de barulho, excesso de efeitos
especiais, excesso de gírias, ironia, muitas vezes excesso de bullying e excesso de publicidade.
Aliás, até os próprios filminhos incentivam o consumo. Um dia eu vi a Barbie
falando: “Amigas, esse vestido está fabuloso, ou está muito last week [semana passada]?” Fala sério!
Inclusive, no que sua filha vai sair ganhando em ter a Barbie como influência
para o que quer que seja?
Acredite.
Sua vida vai mudar muito quando a televisão deixar de ser a protagonista da
história da sua casa. As crianças param de pedir o tempo inteiro para você
comprar o que viram ali e a imaginação volta para o lugar onde precisa estar:
dentro delas.
Ah,
e agora eles têm mais tempo para ajudar nas tarefas de casa. Molhar as plantas
é uma delas.
(Cris Leão, Antes que Eles Cresçam)