Desinformação e preconceito |
Em
uma página (ou, mais precisamente, duas colunas e meia de texto) A revista Veja desta semana expõe tanto
preconceito e tanta maçaroca de temas que consegue apenas desinformar e
confundir, praticando um jornalismo às avessas. A página seguinte da matéria “Macacos
me mordam” (p. 76, 77) é desperdiçada com fotos enormes e meramente
ilustrativas (como a do menino olhando para dois chimpanzés, numa tentativa não
tão sutil de sugerir um parentesco), quando o espaço seria mais bem utilizado
com esclarecimentos e detalhamentos do assunto. O subtítulo da reportagem torna
explícita a intenção do texto: “Congressista americano propõe lei contra o
ensino da teoria da evolução no Missouri e reacende a birra dos criacionistas
contra as conquistas do darwinismo.” Vamos por partes...
Quando
se diz que os Estados Unidos são o país mais avançado em pesquisas científicas
e que, no entanto (mas não apesar
disso), têm uma das populações mais cristãs do planeta, os ateus e darwinistas
resmungam e dizem que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tudo bem. Pode
ser. Mas quando um congressista propõe uma lei questionável, aí a culpa é de
todos os criacionistas, aquele pessoal birrento que vive criando caso. Aí, sim,
uma coisa tem tudo a ver com a outra. Mas não foram os criacionistas que
propuseram a tal lei. Foi um político, talvez apoiado por um grupo de
religiosos que não têm mais o que fazer. E eles não me representam!
Outra
coisa: Como assim conquistas do darwinismo?
Não seriam conquistas da biologia, da medicina, da bioquímica? Que conquistas
seriam essas inspiradas numa hipótese quem nem comprovação científica tem (e
aqui me refiro à macroevolução)? Do jeito que se escreve, dá-se a impressão de que
a ciência quase depende do pensamento darwinista para existir. Então por que
não há prêmios Nobel em biologia evolutiva? Se o darwinismo é, como dizem
alguns, a base da biologia e esta a base da medicina, o que dizer de muitos
avanços reais na ciência médica que foram feitos por cientistas que nem sequer aceitavam
a teoria da evolução? Por exemplo, a crença de Louis Pasteur de que, na
natureza, a vida só poderia vir de outra vida, o que levou à formulação da lei
da biogênese, refutando, assim, a crença evolucionista da geração espontânea.
As descobertas “criacionistas” de Pasteur serviram de base para invenções como
a pasteurização e a vacina contra a raiva e o carbúnculo. Outros criacionistas proeminentes
na área da medicina foram Joseph Lister (pioneiro na promoção dos
princípios da cirurgia antisséptica) e o Dr. Raymond Damadian (inventor
do scanner de ressonância magnética).
O Dr. David Menton, que foi professor na
escola de Medicina da Universidade de Washington, disse certa vez: “Os professores [de
medicina] não podem perder muito tempo com a teoria da evolução, uma vez que
eles têm verdadeiro conhecimento médico para passar aos estudantes, e perder
tempo com especulações evolutivas é um desperdício. Se removermos a teoria da
evolução do nosso estudo, não há nada no domínio da ciência empírica
que não possa ser feito de forma progressiva.”
Aliás, medicina e evolução se tornam até termos
quase que mutuamente excludentes, já que a evolução sustenta a sobrevivência do
mais apto/forte e a medicina procura ajudar justamente os “fracos”... O próprio
Darwin destacou isso em seu livro The
Descent of Man (2ª ed., 1887, p. 133, 134):
“Com
os selvagens, os fracos de corpo e mente são rapidamente eliminados; e aqueles
que sobrevivem normalmente exibem um vigoroso estado de saúde. Por outro lado,
nós, homens civilizados, fazemos tudo o que é possível para limitar o processo
de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os mutilados e os doentes;
instalamos leis para os pobres; e nossos homens dentro da medicina fazem todos
os esforços para salvar a vida de todos, até ao último momento.
“Existem
razões para acreditar que a vacinação preservou milhares com vida que, devido a
sua fraca constituição, teriam sucumbido à varíola. Devido a isso, os membros
mais fracos das sociedades civilizadas propagam o seu tipo.
“Qualquer
pessoa que já participou na criação de animais domésticos saberá que isso [a
preservação dos mais fracos da sociedade por meio da medicina] deve ser
altamente prejudicial para a raça humana. É surpreendente como a necessidade de
cuidados, ou cuidados mal direcionados, leva à degeneração das raças
domésticas; mas, excetuando o caso do ser humano, ninguém é tão ignorante para
permitir que seus animais mais defeituosos se reproduzam.
“A
ajuda que nós sentimos necessidade de disponibilizar para os mais desamparados
é em grande parte um resultado incidental no nosso instinto de simpatia,
originalmente adquirido como parte dos instintos sociais, mas posteriormente
prestados na maneira indicada previamente e de modo mais terno e mais
amplamente difundida. Além disso, não podemos controlar nossa simpatia sem
deteriorar a parte mais nobre da nossa natureza. [...] Temos, portanto, que
suportar os inquestionáveis maus efeitos da sobrevivência e a propagação dos
mais fracos.”
Voltando
ao texto da Veja... A autora se
refere aos “princípios” da teoria da evolução e às “teses” e “doutrinas”
criacionistas, numa clara tentativa de induzir o leitor a pensar que evolução é
ciência amparada em princípios (quem sabe leis)
e que o criacionismo se trata apenas de religião. Ela poderia ter usado o
espaço de uma foto da página seguinte para, pelo menos, explicar que há
aspectos da teoria da evolução que são puramente especulativos e que há argumentos
criacionistas amparados pela ciência, e que ambas as cosmovisões apresentam
evidências científicas permeadas de pensamento filosófico. Mas pra que explicar
isso, quando a intenção é blindar uma teoria e “detonar” a outra, usando generalizações
injustas? Explico: não conheço um criacionista (pelo menos do meu círculo, aqui
no Brasil) que defenda o fim do ensino da evolução nas escolas ou que queira se
meter em brigas judiciais para defender seus pontos de vista. Mas a repórter
quis ouvir algum desses? Não. Preferiu o jornalismo de gabinete que depende de
informações das agências de notícias e de uma boa dose de interpretação à
distância. Faltou “gastar sola de sapato”, como diria Gay Talese.
Veja
tenta sutilmente ridicularizar os personagens bíblicos Adão e Eva e a criação
deles. Mas depois cita a tese macroevolutiva “segundo a qual evoluímos de
animais inferiores, dos primeiros protozoários do mar e, depois, do macaco”. Se
você pudesse se despir de sua cosmovisão e de seus preconceitos, sinceramente,
qual versão das origens lhe pareceria mais absurda? (1) A versão segundo a qual
informação complexa e específica e sistemas irredutivelmente ultracomplexos (como
as máquinas moleculares) dependem de uma fonte
informante e um planejador, ou (2) a versão segundo a qual elementos inorgânicos
teriam casualmente se juntado, tornando-se orgânicos e vivos, e informação
genética teria surgido também por acaso e adquirido a capacidade de se replicar
e se tornar cada vez mais complexa, a ponto de possibilitar o surgimento de
novos planos corporais e órgãos essenciais? Qual lhe soa mais “fictícia”?
Há
um parágrafo na matéria que eu simplesmente não entendi: “Se os criacionistas
fossem mesmo completamente fiéis a suas ideias, seria o caso de recusarem
tratamento com remédios testados em experiências com primatas, dada a
semelhança genética deles com a nossa (99,4% dos DNA humano é igual ao do
chimpanzé).” Deixando a baboseira dos 99% de semelhança (assunto já desmentido, embora Veja ignore), que história é essa de que criacionistas deveriam
recusar remédios testados em animais? Não são os criacionistas que consideram
os macacos parentes. Para os criacionistas, macacos são animais. Eles podem até
recusar esse tipo de medicamento por outras razões (crueldade com os bichos,
por exemplo), mas não por causa da alegada semelhança genética na qual não
acreditam. Se alguém deveria recusar esses remédios são os evolucionistas,
afinal, os testes são feitos nos parentes deles.
Depois
a matéria requenta o famoso “julgamento do macaco”, de 1925 (e gasta mais da
metade do texto nisso), em que um promotor sem conhecimento científico falou
algumas bobagens e um juiz não muito correto deu ganho de causa para o “criacionismo”
(sim, entre aspas, porque novamente esse pessoal não me representa). De lá para
cá, os evolucionistas usam essa história ad
nauseam como exemplo de intolerância e estreiteza mental dos “criacionistas”.
E
a matéria termina assim: “Da recente proposta do parlamentar americano, e
daquele episódio de 1925, brota uma conclusão: quem procura lógica entre os
religiosos radicais está procurando no lugar errado.” E eu poderia parafrasear
dizendo que quem procura informação correta sobre os meandros dessa
controvérsia entre criacionistas e evolucionistas deveria procurar noutra fonte
que não a Veja.
Michelson Borges