quinta-feira, fevereiro 13, 2014

Sobre dentes, altruísmo e muita imaginação

Muita história baseada em dentes
Dentes sempre foram um grande sucesso entre peritos criminais e paleontólogos, pois costumam ser a melhor pista sobre algo que aconteceu no passado, como um crime com um corpo carbonizado, ou, no caso destes cientistas que estudam a evolução humana, no passado bem, bem mais distante: cerca de 1,77 milhão de anos atrás [segundo a cronologia evolucionista]. Por isso, a comunidade que xereta a vida dos mais antigos ancestrais humanos ficou particularmente excitada com uma recente análise de fósseis de mandíbulas provavelmente pertencentes a membros do gênero Homo erectus achados em Dmanisi, na Geórgia, com essa longeva idade. Uma delas pertencia a um precoce usuário de palito de dentes. Ele era tão fã da coisa que isso afetou sua mandíbula, deixando o dano visível aos cientistas quase dois milhões de anos depois. Já outra pertencia a um senhor (ou senhora) de idade, quase banguela, e que conseguiu sobreviver muitos anos apesar da sua péssima dentição.

O usuário de palito é basicamente uma curiosidade científica, um antigo exemplo dessa prática nada elegante, mas disseminada pelo planeta há milênios. Já a pessoa sem dentes prova algo mais interessante: já nesse época, seres humanos cuidavam uns dos outros. Ele (ou ela) só pôde sobreviver porque outros membros do grupo pré-mastigavam a comida para ele (ou ela), ou davam outro jeito de torná-la mais mole e comestível.

Foi uma prova antiga do começo do altruísmo entre seres humanos, segundo os autores do estudo, publicado no periódico PNAS.

A pesquisa deixa, contudo, uma grande dúvida [só uma?]. Está claro que os indivíduos achados na Geórgia são da mesma espécie. Mas diferenças como as que eles mostram entre si já foram usadas para identificar novas espécies de humanos ancestrais. Aliás, muitas espécies de hominídeos foram praticamente descritas apenas com base em poucos dentes e ossos. [Admissão interessante...]


Nota: Deixando de lado a tremenda imaginação dos pesquisadores, chama atenção também a falta de referência à fonte original da matéria (que está aqui). Como me disse um amigo biólogo: “É impressionante o malabarismo que é preciso fazer para encontrar o documento original que dá origem a uma matéria dessas. E o mais grave: produzirem uma reportagem falando algo que não está na fonte original. Se a ciência já anda fantasiando, imagine os ‘jornalistas’.” Ele se refere aos seguintes trechos do artigo científico original: “A marked gap exists between the mesial root of the RM2 and the surrounding alveolar bone. Because this is the only gap between a tooth root and its alveolar socket, it likely indicates a local marginal periodontitis related to the toothpick use. [...] The pattern of tooth loss and alveolar bone resorption in D2600 and D3900 is similar to the breakdown sequence reported in modern humans (15, 51) and Neanderthals (52), indicating similar mechanisms of dentognathic failure in Pleistocene Homo and modern humans. The alveolar bone resorption pattern of D3444/D3900 indicates that this individual survived without functional teeth for several years (28, 45). This suggests that behavioral compensatory strategies such as tool-mediated preparation of soft food might have played a crucial role in extending the life expectancy of hominins beyond the functional lifetime of the dentognathic system. The breakdown sequence described here thus likely represents a shared pattern of dentognathic wearout in hominins, hominoids (53, 54), and even some nonanthropoid primates, such as ring-tailed lemurs (55). Culturally mediated food processing as a behavioral compensatory mechanism after complete breakdown, however, seems to be a unique hominin feature. Dmanisi mandible D2735 adds to the growing evidence for habitual use of toothpicks in early Pleistocene Homo.” [MB]