Interesse financeiro em primeiro lugar |
Pesquisa
da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com 300 médicos que assistem pacientes
com o vírus HIV no Estado de São Paulo revela que 64% desses profissionais de
saúde tiveram alguma relação com empresas farmacêuticas. O estudo do professor
Mário Scheffer analisou a interação entre médicos e empresas produtoras de
medicamentos antirretrovirais (ARVs) no contexto de uma política pública
universal de tratamento do HIV e da aids. O pesquisador defende maior
divulgação das diretrizes clínicas do Ministério da Saúde para orientar os
médicos de forma mais adequada na escolha dos medicamentos. O trabalho é
descrito em artigo publicado na revista São Paulo Medical Journal, editada pela Associação Paulista de
Medicina. Foram realizadas entrevistas estruturadas, por meio telefônico, em
amostra probabilística de 300 médicos de uma população de 2.361 profissionais
que assistem pacientes com HIV e aids no Estado de São Paulo. “Aproximadamente
218 mil pessoas estavam em tratamento com ARVs na rede pública de saúde no Brasil
no fim de 2013 e, em média, são identificados 38 mil novos casos de infecção
pelo HIV por ano, o que gera aumento progressivo do número de pessoas que
passarão a receber ARVs”, afirma o professor do Departamento de Medicina
Preventiva. “Em 2013 foi lançada nova política que prevê a antecipação do
tratamento. Calcula-se que pelo menos mais 100 mil pacientes iniciem
tratamento.”
De
acordo com Scheffer, o programa público brasileiro de tratamento da aids deve
considerar o potencial de influência das empresas farmacêuticas na prescrição
dos médicos. “Isso é ainda mais necessário em um momento de ampliação do uso de
antirretrovirais, com a política de antecipação do tratamento para todos as
pessoas diagnosticadas HIV-positivas e diante do potencial uso dos medicamentos
na prevenção (profilaxia pré e pós-exposição)”, ressalta.
O
grande consumo de ARVs no Brasil, inserido em uma política pública de acesso
universal, faz com as empresas farmacêuticas acionem as mais variadas
estratégias de promoção, atividades informativas e de persuasão com o objetivo
de induzir à prescrição, dispensação, aquisição pelo poder público e utilização
de seus medicamentos. “Nesse sentido, o médico prescritor de ARV, que conta com
o auxílio de diretrizes clínicas produzidas pelo programa governamental, mas
também goza de autonomia profissional no momento da prescrição, passa a ser
alvo prioritário do marketing
promocional das empresas”, afirma o professor da FMUSP.
Cerca de dois terços (64%) dos médicos que prescrevem ARVs declararam que tiveram alguma relação com empresas farmacêuticas, sendo mais frequentes o recebimento de publicações (54%), visita de propagandistas (51%) e de objetos de pequeno valor (47%). Com menor expressividade, declararam receber almoços ou jantares (27%), viagens para congressos nacionais (17%) e internacionais (7%), convites para participar ou conduzir pesquisa clínica (15%). “A oferta e o recebimento de benefícios são mais expressivos conforme aumenta o tempo de experiência do médico com o tratamento de HIV e aids, o volume de pacientes e a idade”, conta o pesquisador. “Também são mais significativos entre os médicos especialistas em infectologia.”
No
Brasil os medicamentos ARVs não são comercializados no mercado, integram um
programa público de distribuição gratuita no SUS e estão inseridos em
diretrizes clínicas atualizadas periodicamente e aceitas pela comunidade
médica. “Por outro lado, os ARVs dependem de prescrição médica, vários desses
medicamentos concorrem na mesma indicação terapêutica e constantemente são
lançados novos produtos de marca patenteados, fazendo com que as empresas
produtoras lancem mão de todos os recursos disponíveis para a conquista do
mercado”, diz Scheffer.
O
professor ressalta que no Brasil é incipiente o debate sobre os valores éticos
que permeiam a relação entre os médicos e as empresas que fabricam e
comercializam medicamentos. “Também são tímidas as iniciativas na direção do
aprimoramento da regulação da interação entre prescritores e indústria
farmacêutica. O Código de Ética Médica, atualizado em 2010, as resoluções do
Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) são insuficientes”, alerta.
“A
maior divulgação e implementação das diretrizes clínicas do Ministério da Saúde
para prescrição de ARVs é um dos caminhos para a garantia de que os médicos
tomarão decisões exclusivamente de acordo com as credenciais científicas dos
medicamentos, as recomendações padronizadas por um programa de saúde pública e
as necessidades de saúde do paciente”, conclui Scheffer. O trabalho foi
realizado no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da
USP (FMUSP) e contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade Auxílio à Pesquisa.
Nota:
Será que isso só acontece com os ARVs?...