Cadê a linha divisória? |
Dá
para ser evangélico e curtir o Carnaval? Igrejas mais tradicionais costumam
chiar. A praxe, afinal, é enviar seus fiéis para retiros bem afastados dos
pecados da carne purpurinada. Outras aproveitam a multidão para pregar a
palavra – caso de uma igreja metodista carioca que já estendeu na fachada um
cartaz para os foliões do bloco Sovaco de Cristo, no Jardim Botânico, bairro
aos pés do Cristo Redentor: “Não fique só no sovaco! Conheça Cristo por
inteiro!” A Bola de Neve Church preferiu cair no samba. No domingo (12), levou
à sua sede de Guarulhos (SP) a Batucada Abençoada, bateria da igreja famosa por
usar pranchas de surf como púlpito. Com abadás à venda por R$ 30 (dinheiro) ou
R$ 35 (cartão), dezenas de fiéis entoam adaptações evangelizadoras de sambas e
também de hits pop. Em “Pelados em Santos”, do Mamonas Assassinas, não é mais a
mina do corpão violão que enlouquece o cara. “Jesus me deixa doidããããão”, diz o
refrão reformulado.
Há
também versão para “Seven Nation Army”, o rock
do White Stripes que virou hino de torcidas organizadas. É delas que vieram 80%
dos batuqueiros da Bola, calcula o corintiano Rodney Lopez, 35. Ele era da
Gaviões da Fiel antes de se converter e entrar no primeiro time da bateria, em
2006. “Quando conheci Deus, algo fazia falta. Queria fazer o que fazia no
mundo, mas dentro da igreja.”
O
Carnaval evangélico, com muito batuque e zero álcool e azaração, ganha força
nas ruas do país. Santos instituiu, via lei municipal de 2014, o Dia do
Evangelismo de Carnaval Bola de Neve. Todo sábado desse feriado, a bateria da
igreja percorre cerca de 10 km da orla santista. Atraiu em 2016, segundo o
Corpo de Bombeiros, 18 mil pessoas.
A
arena deste ano, no dia 25, terá food
truck, palco com música eletrônica e 12 camarotes para 14 pessoas (R$ 3.000
cada espaço), diz o pastor Eric Viana, 40, idealizador da Batucada Abençoada. No
sermão, brinca com a plateia: “Quem é solteiro aqui? Então compra logo dois
[abadás]!” À Folha ele
conta por que começou a bateria: não fazia sentido se isolar num retiro
enquanto cidades eram tomadas por “toda a negatividade do Carnaval mundano”.
Cita como reveses gravidez indesejada, motoristas alcoolizados, latinhas de
cerveja na rua, namoros que terminam.
“A
gente se sentiu bastante egoísta em viver a alegria de Deus refugiado disso
tudo”, diz Viana, um ex-fã de cocaína e Iron Maiden que vendeu o cabelo
comprido na Galeria do Rock, em São Paulo, para comprar um terno ao encontrar
Jesus, 25 anos atrás. “Só depois percebi que a transformação não era por fora.”
Ele agora combina jeans com blusa
justa no muque e usa expressões como “os pastores são top mesmo”.
Salvador
também tem seu bloco evangélico, organizado no Pelourinho pela Igreja Batista
Missionária da Independência. Para 2017, a novidade é o funkeiro gospel Tonzão,
do hit “Passinho do Abençoado” (“Invés de dançar igual homem / Ele deu uma
reboladinha / Que isso, varão vigia / Ele vai pra igreja de olho nas irmãzinhas
/ Que isso, varão vigia”). [...]
Também
convidados: o pagodeiro Waguinho, ex-Os Morenos, e Lázaro, ex-Olodum. No “abadeus”
(abadá) do Sal da Terra, o mote: “Jesus é a nossa alegria.” No Rio, a Igreja
Batista Atitude desfila o bloco Sou Cheio de Amor desde 2013, na orla do
Para
igrejas mais tradicionais, unir fé e folia gera mais polêmica do que bênção.
Olinda (PE), por exemplo, anunciou um polo gospel em seu Carnaval, um dos
maiores do Brasil. Uma semana depois cancelou a novidade, a pedido dos
próprios organizadores, que ficaram sob fogo amigo de colegas de credo.
A
bancada evangélica da Assembleia Legislativa pernambucana não aprovou – o
deputado estadual Adalto Santos (PSB) disse que conversaria com o prefeito (que
é da mesma fé) sobre o “prejuízo espiritual” do evento.
Para
o teólogo Marcelo Rebello, 44, “o cristão não pode ser um alienado”. E, uma vez
no Carnaval, tem que prevalecer o bom senso: “O crente não tem que ir para o
meio do povo e dizer que [os que bebem e se pegam] vão pro inferno.” Fora os “pecados
da carne”, a festa “muito atrelada a candomblé e umbanda” também incomoda o
segmento, diz Rebello, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Profissionais
Evangélicos. O crente, afirma, “serve a um Deus único”, e as múltiplas
entidades (como os orixás) seriam uma afronta a evangélicos.
Em
2016, um dos patronos do Império Serrano declarou ao jornal O Dia que cairia fora se a escola de
samba carioca apostasse num enredo ligado a religiões afrobrasileiras. “Já fui
espírita e não tenho nada contra, mas me encontrei na palavra do Deus vivo. O
dia em que o Império quiser falar sobre o espiritismo, cabe a mim querer ficar
ou não. Mas certamente, eu não ficarei”, disse Rildo Seixas, da Igreja Batista.
Procurada
pela Folha, a assessoria de
imprensa da agremiação respondeu que “a determinação é para não falarmos mais
nesse assunto, pois já causou muito mal-estar para a nossa comunidade”.
Nota:
Quanto mais se afastam da Bíblia e do Deus da Bíblia, mais os cristãos perdem a
noção da linha divisória entre o sagrado e o profano. Esquecem-se das palavras
enfáticas de Paulo: “Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que
têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as
trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o
descrente? Que acordo há entre o templo de Deus e os ídolos? Pois somos
santuário do Deus vivo. Como disse Deus: ‘Habitarei com eles e entre eles
andarei; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo.’ Portanto, ‘saiam do meio
deles e separem-se’, diz o Senhor. ‘Não toquem em coisas impuras, e Eu os
receberei” (2 Coríntios 6:14-18). Jesus nos salva do pecado e não no
pecado. Ele nos propõe uma nova forma de viver, muito superior à que antes
tínhamos, e deseja que sejamos testemunhas vivas de que esse tipo de vida plena
é a melhor, e que nossa vida de santidade atraia as pessoas até Ele. Se formos
em tudo iguais aos que vivem sem Deus, que diferença haverá? Cristãos têm que
ser sal da terra; têm que se misturar com as pessoas, mas de forma sábia,
levando sua “atmosfera” até elas e não absorvendo a “atmosfera” em que elas
vivem. Jesus vivia entre pecadores, mas, quando Ele chegava aos locais aonde
ia, o ambiente mudava. Se os cristãos não forem capazes de mudar o mundo ao seu
redor, tornam-se sal sem sabor. E o inimigo de Deus vence a batalha. [MB]