quarta-feira, setembro 09, 2009

Projeto Atlanta 2010: O paraíso da serpente

Depois de ter conseguido a bicicleta no penúltimo dia antes da largada, no último momento, na última oração, obtive grande confiança nos favores e proteção de Deus para arrancar rumo a Atlanta. Se você não leu as primeiras informações deste desafio, saiba que ele consiste em correr e pedalar desde Boa Vista, em Roraima, até a Geórgia, nos Estados Unidos, onde pretendo chegar para a 59ª Sessão da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Meu alvo é rodar com minha “gorduchinha” (a bicicleta que ganhei) pelas ruas de Atlanta no dia 18 de junho de 2010, cinco dias antes de começar a abertura dessa importante reunião mundial da Igreja Adventista. Esse evento vai de 23 de junho a 3 de julho de 2010. Para chegar lá pedalando, terei que percorrer os seguintes países a partir de Boa Vista: Venezuela, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Guatemala, México e Estados Unidos. A previsão é correr e pedalar 13.850 km.

Então, após ganhar a bicicleta do Senhor Antonio Araújo, dono do Mercadão das Bicicletas, só necessito de fé e disposição física para dar a largada. Esta ocorreu sem muita pomba no dia 12 de agosto de 2009, quarta-feira, do centro de Boa Vista, após uma entrevista concedida à TV Roraima, ao repórter Luciano Abreu.

Desde o centro até a BR-174, que é a rodovia que liga o Brasil à Venezuela, fui acompanhado pelo Janus e seu filho, Gabriel, meus guias para chegar pelo caminho mais curto à estrada. Ainda antes da largada, por volta das 11h30, fui almoçar em um restaurante vegetariano, sendo essa refeição e todas as que fiz em minha estada em Boa Vista custeadas por Janus e a esposa dele, Ivonete.

Após uma oração sob um sol capaz de me fazer derreter, despedi-me do homem de Deus que me tratou com fineza e amor cristão. Acelerei a “Atlanta” (nome que dei à bicicleta), tendo Pacaraima como destino inicial. São 220 km e sabia ser impossível alcançar essa cidade saindo de Boa Vista às 12h30.

Pedalei 45 km antes de fazer a primeira parada, em uma pequena lanchonete. Tomei dois refrescos e comprei um frasco de mel. A pista desde o centro de onde larguei até essa parada está boa. Apenas o asfalto está velho e rachado em alguns pontos, necessitando de reparos, mas é possível pedalar com certo conforto. Apesar do calor, a natureza em volta encanta a vista. São quilômetros e quilômetros de uma região do Brasil pouco explorada. Tanto é que os rios que encontro sob as pontes são cristalinos e cheios de peixes. Assim que cheguei à primeira ponte com um rio corrente debaixo, pensei em tomar um banho. Todavia, minha disposição foi freada quando olhei por entre as folhagens pedaços de árvores escuros caídos no fundo do lago que se formou junto à ponte. Fiquei sob a sombra de uma linda palmeira, mirando com atenção o leito cristalino do rio, a ver se uma jiboia ou sucuri se mexia por entre as folhas. Isso durou meia hora e nada encontrei, apenas uns peixes grandes listrados de amarelo que se deliciavam com seus filhotes subindo a correnteza. Um ecossistema perfeito, equilibrado, no qual me faltava coragem para me integrar. Desejava dar um mergulho profundo (até carrego óculos de natação para esse fim).

Meu corpo pedia um banho relaxante. Já havia pedalado 65 km até aquele pequeno paraíso e, se pudesse imergir naquela banheira natural, que fosse por uns 10 minutos, minhas energias seriam restauradas. No entanto, estava sem coragem, uma vez que já quase fui engolido por uma piraíba (peixe que chega a uns cinco metros de comprimento), quando fui atravessar o rio Guaporé, em Rondônia, na cidade de Costa Marques. Também, noutra ocasião, nadando em rios do Amazonas, quase fui comigo por piranhas.

Por essas lembranças, estava desistindo de dar o mergulho encantado. Dizia para mim: “Bom, pelo menos esfriei o corpo sob a sombra de uma frondosa palmeira e meus olhos se deliciaram vendo a harmonia no mundo aquático deste pedaço do planeta.”

Estava quase para juntar as coisas e sair, quando parou um carro velho. Havia dois homens dentro dele. Um desceu, chegou sem cerimônia, tirou a camisa e se jogou dentro do lago. Ele fez exatamente o que pensei fazer: mergulhar ate o fundo daquele paraíso. Logo saiu da água. Aproveitei para lhe perguntar sobre o perigo das piranhas e sucuris.

– Neste rio não tem piranhas. Pode haver sucuris ou jiboias. Observe se elas estão deitadas, enroladas no fundo. Caso as veja assim, não tem perigo. Mas se observar alguma com a cabeça fora d’água, saia imediatamente porque ela está com fome e agarra a primeira presa que encontrar.

Deu-me a dica, colocou a camisa, entrou no carro e foi-se embora.

Então, tirei a camisa, cheguei à beira do lago e preparei-me para dar meu primeiro mergulho em águas roraimenses nesta viagem. Antes, observei se havia alguma cobra enrolada no fundo. Não vi coisa alguma. Então, tchibum! Lá fui eu com meus óculos de nadador para ver de perto aqueles cardumes de peixes coloridos.

Vi peixes lindíssimos. Vi folhagens retorcidas e belas. Vi um recanto aquático maravilhoso. Enquanto mergulhava mais e mais fundo, me esquecia das cobras e meu corpo se refrescava, relaxava e recuperava a forca dos músculos das pernas. Meus tendões, ligamentos e veias estavam se reestruturando para prosseguir na viagem até o por do sol.

Mas me achei muito ousado. Este não é o meu habitat. Não sou um peixe, apesar de nadar como muitos deles. Recuperei o bom senso e resolvi sair da água. O encanto das águas frescas do lago me atraíam perigosamente. Tanto é que quando fui sair, a apenas dois metros da margem, avistei uma cobra. Ela havia saído do mato e entrara na água. Fiquei gelado. Parei. Tranquei a respiração. Lembrei-me de estar sozinho e uma mordida - outra vez - de cobra, longe de qualquer auxilio, seria algo desastroso. Poderia comprometer meu projeto.

O complicado é que a cobra preta com listras brancas (não tive coragem de lhe perguntar se era venenosa) estava bem no lugar onde eu teria que passar para sair do lago. Então, resolvi ficar imóvel e deixar que Deus me guardasse, pois já havia me livrado do encontro com ela no fundo do lado.

Assim ocorreu. A cobra passou esgueirando-se a alguns centímetros de minha perna e, dando voltas com seu corpo reluzente, foi sumindo por entre as folhagens do lago e desapareceu.

Depois que o susto passou, pulei para fora do lago e, quando já estava rodando com a “gorducha”, a “Atlanta”, minha bike, dei glórias a Deus por ter me permitido refrescar o corpo e compartilhar o lago de cobras sem sofrer acidentes.

Como disse, vamos rumo à Atlanta. Venha comigo, porque Deus está aqui.

(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)