O tempo tem sido um assunto importante na maioria das controvérsias relacionadas à fé e à ciência, desde que, no princípio do século 19, foram propostos os primeiros modelos não-bíblicos para a origem da Terra. Geólogos e naturalistas como Hutton, Lyell e outros divisavam longos períodos de tempo em muitas características do registro geológico, incluindo o resfriamento das rochas ígneas, a deposição das camadas sedimentares e a sucessão da flora e da fauna em tempos passados. Darwin e Wallace foram aparentemente bem-sucedidos em conectar as linhagens evolutivas de organismos a longos períodos de tempo, durante os quais a morte do mais fraco e a sobrevivência do mais apto abriram caminho para organismos mais complexos, intrincados e adaptados. Se as alterações (tanto no âmbito biológico como no geológico) ocorreram segundo a velocidade que presenciamos hoje, então a Terra e a vida devem ser muito antigas para que as mudanças acumuladas produzissem novas formas. Esse círculo vicioso é reiterado na breve sentença: “O presente é a chave para o passado.” As longas eras foram apoiadas posteriormente pelo desenvolvimento de técnicas radiométricas, em meados do século 20, que permitiram o cálculo de taxas de desintegração dos elementos instáveis presentes nas rochas ígneas.
Uma imensidade de tempo?
Nas últimas cinco décadas, foram aprimoradas diversas técnicas, as quais resultaram em idades consistentes de centenas de milhares ou milhões de anos. O Carbono 14 (C-14) é amplamente conhecido como levantando idades que vão desde centenas até 50.000 anos, apesar de ser altamente discutida a validade da precisão de datas mais remotas. Séries de elementos instáveis e seus derivados tais como K/Ar (Potássio/Argônio), U/Pb (Urânio/Chumbo) e Rb/Sr (Rubídio/Estrôncio), são comumente utilizadas na datação de rochas mais antigas e seus fósseis.
A datação radiométrica é um problema para quem acredita no relato da Criação segundo Gênesis, porque ela ajusta o relógio para muito antes do tempo registrado nas genealogias de Gênesis 5 e 11, bem como nas declarações de Ellen White, que indicam que a humanidade existe na Terra há cerca de 6.000 anos. De fato, a datação radiométrica é o principal desafio que os criacionistas partidários da posição de uma Terra jovem enfrentam como cientistas, e muitos crêem que a evidência científica é forte o suficiente para desafiar a validade das afirmações bíblicas relativas à Criação e, portanto, escolhem acreditar em modelos alternativos como a criação progressiva ou a evolução teísta.[1] Muitos vão além e questionam a validade das declarações do Novo Testamento sobre a Criação, incluindo as do próprio Jesus, de Paulo e Pedro. Consequentemente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem demonstrado interesse especial em pesquisas bíblicas e científicas que apoiem o relato da Criação e do Dilúvio. Grande número de cientistas e eruditos bíblicos procura desvendar os mistérios do tempo conservados nas rochas e nas genealogias bíblicas, para lançar luz sobre a atual controvérsia entre a ciência e a Bíblia.
Apesar de as datas radiométricas serem comumente aceitas pelos geólogos como confiáveis em toda a coluna geológica das bacias oceânicas e dos continentes, também é verdade que às vezes elas são inconsistentes com outras evidências geológicas e paleontológicas. Os intervalos de tempo obtidos mediante o uso de isótopos instáveis podem ser muito maiores do que o tempo real necessário para a deposição dos leitos sedimentares ou para a formação e preservação dos fósseis. As camadas sedimentares que indicam a rápida deposição de sedimentos e fósseis de tartarugas na Formação Bridger, no Wyoming, EUA, são um exemplo desse fato. Supõe-se que essas tartarugas foram acumuladas e sepultadas ao longo de enormes períodos de tempo, num ambiente lacustre afetado por ocasionais precipitações de cinza vulcânica. Entretanto, pesquisas efetuadas pelo paleontólogo Leonard Brand e outros, da Universidade de Loma Linda, mostraram que mais provavelmente as tartarugas foram soterradas rapidamente por enchentes e cinzas vulcânicas, em curto espaço de tempo.[2]
Tempo para as baleias
Outro exemplo disso é a presença de baleias fósseis em vasas diatomáceas e arenitos da Formação Pisco, no Sul do Peru. Nela foram descobertos milhares de cetáceos fósseis em camadas sedimentares jacentes numa antiga enseada marinha de baixa profundidade, localizada a cerca de 30 quilômetros do litoral. Esses fósseis estão sendo estudados por uma equipe multidisciplinar de geólogos e paleontólogos dos EUA, da Espanha, Peru e Itália, que descobriu múltiplas camadas de bem preservados fósseis de barbatanas de baleias, golfinhos, leões marinhos, tartarugas, pinguins e outras criaturas. Porém, antes de entrarmos em detalhes sobre esses fósseis, precisamos dizer algumas palavras sobre os processos que as baleias de hoje sofrem após a morte.
As baleias são mamíferos marinhos que respiram e nadam ativamente, e possuem alto conteúdo de gordura. Quando uma baleia morre, seu corpo pode afundar imediatamente (no caso de espécies detentoras de menor teor gorduroso) ou flutuar durante certo tempo (espécies com alto teor gorduroso), submergindo depois até o solo oceânico. Logo após sua morte, inicia-se a decomposição bacteriana e a ação dos necrófagos na carcaça, removendo a carne e a gordura até que os ossos fiquem expostos. Esses processos podem prolongar-se por vários meses, dependendo do tamanho da baleia e de seu volume de gordura. Uma característica particular de muitas baleias é que os seus ossos são ricos em gordura (o que ajuda na flutuabilidade do cetáceo), e que essa gordura (também chamada de graxa) ainda permanece como fonte alimentar por muito tempo após a carne ter sido removida dos ossos. Observações atuais de esqueletos de baleias existentes no solo oceânico mostram que eles são colonizados por abundante e diversificada comunidade de invertebrados incrustados, como mariscos, caramujos, vermes, crustáceos, que se fixam sobre os ossos e também no solo oceânico adjacente. Eles escavam os sedimentos do solo em busca de nutrientes que vazaram da carcaça degradada, e perfuram os ossos para se alimentarem da gordura. Acredita-se que esses esqueletos submersos podem abrigar durante muitos anos grande comunidade de pequenos invertebrados marinhos.[3] Os ossos dessas baleias usualmente encontram-se corroídos, desarticulados e, às vezes, deslocados pela ação de correntes marinhas ou de necrófagos. Se o esqueleto for arrastado para a praia, é provável que os ossos sejam bastante dispersos pela ação das ondas e das tempestades.
Em comparação com os exemplos atuais, o que vemos nas baleias fósseis da Formação Pisco é um quadro totalmente diferente, embora com algumas similaridades. Alguns esqueletos aparecem parcial ou totalmente desarticulados, como acontece com os modernos espécimes, mas os ossos se apresentam associados e agrupados, indicando ter ocorrido pequena perturbação no arcabouço ósseo após o soterramento. Os esqueletos, em grande número, encontram-se inteiramente articulados, com os ossos na posição que tinham quando em vida. Essa característica indica claramente um rápido sepultamento. Caso os sedimentos tivessem sido depositados no solo oceânico de águas rasas (profundidades menores que 100 metros) durante muitos anos, moluscos, crustáceos e vermes em quantidade teriam perfurado os ossos na tentativa de se alimentarem da gordura interna. As correntes marítimas também poderiam ter movido alguns ossos. Em vez disso, a preservação dos ossos é excelente, sem quaisquer evidências de danos causados por correntes marinhas, perfuração ou necrofagia por invertebrados. Além do mais, não existem evidências de quaisquer invertebrados sepultados junto com os ossos das baleias. Parece não ter havido tempo para que os invertebrados colonizassem os ossos frescos e deixassem neles suas marcas.
Ainda mais impressionante é a preservação das barbatanas (o dispositivo de filtragem) e, em alguns casos, a mineralização da medula espinhal, pois ambas são tecidos moles que tendem a se destacar e degradar muito mais rapidamente que os ossos. As barbatanas são constituídas de queratina (o mesmo tipo de proteína insolúvel que compõe o cabelo humano e suas unhas), e não se enraízam nas mandíbulas da baleia, estando apenas aderidas a elas através da gengiva. Sabe-se mediante as observações atuais que as barbatanas se destacam da mandíbula superior em questão de poucas horas ou dias após a morte, tornando extremamente improvável a preservação do esqueleto juntamente com o dispositivo de filtragem, a não ser que ocorra sedimentação muito rápida. Surpreendentemente, numerosas baleias fósseis foram encontradas na Formação Pisco, com suas barbatanas preservadas e muitas delas conservando o dispositivo de filtragem na posição que tinham em vida. Essas características das baleias fósseis sugerem sepultamento e fossilização rápidos.
Várias outras linhas de evidências sugerem que as taxas de sedimentação na Formação Pisco foram muito maiores do que as observadas em qualquer local nos tempos atuais, e consideravelmente maiores do que as inferidas a partir da datação radiométrica disponível para aquele local.[4] As datações radiométricas obtidas com isótopos K-Ar indicam um intervalo entre 10 e 12 milhões de anos para a sedimentação dos depósitos que contêm baleias, as quais apresentam espessura de até 1.000 metros.[5] Calculando-se 10 milhões de anos para a deposição de uma sequência total de 500 metros de espessura, seriam necessários 20.000 anos para acumular um metro de espessura de sedimentos sobre o piso oceânico local. Estudos efetuados em vários ambientes oceânicos indicam que as atuais taxas de deposição de sedimentos similares aos da Formação Pisco se situam no intervalo entre 2 a 260 centímetros para cada 1.000 anos (com médias entre 15 a 50cm/1.000 anos, e 2 a 16 cm/1.000 anos para a plataforma marinha peruana), que estão acima da ordem de grandeza apurada pelas medições mediante radiometria.
Portanto, mesmo com uma taxa média anual de sedimentação de 40cm/1.000 anos, levaria um milênio para soterrar completamente um compacto esqueleto de baleia com 40 cm de altura, e evitar qualquer desarticulação ou deterioração óssea originada da ação de correntes marinhas, necrófagos ou reações químicas. Não parece razoável pensar que um grande esqueleto pudesse repousar num piso oceânico de águas rasas durante tantos séculos, sem ter sido perturbado por agentes físicos e biológicos causadores de desarticulação, perfuração e remoção dos ossos. Mesmo que os ossos e a barbatana tivessem sofrido mineralização rápida após a morte do animal, é improvável que sua carcaça durasse tanto tempo sem qualquer deterioração, e a barbatana se conservasse na posição que tinha quando o animal vivia.
A implicação dos valores das taxas de deposição de sedimentos finos sobre o leito oceânico é dupla. Por um lado, a excelente preservação das baleias fósseis indica que, na Bacia Pisco, os sedimentos acumularam-se muito mais rapidamente no passado do que no presente, sob características geológicas semelhantes (como as águas rasas oceânicas ao longo da costa peruana, que é um bom exemplo dessa espécie de ambiente sedimentar). Certamente os sedimentos contendo fósseis de baleias devem ter sido depositados muito rapidamente. Quanto mais esse tipo de evidência se acumula, maior o questionamento da datação radiométrica, pois não existe suficiente atividade sedimentar para preencher um período de tempo tão extenso.
Por outro lado, a existência desses fósseis bem preservados traz à luz as sérias deficiências da hipótese comumente aceita pelos geólogos evolucionistas, de que “o presente é a chave para o passado”. Se, como vimos com as baleias atuais, a taxa com que ocorrem os processos hoje (isto é, a sedimentação e o sepultamento em oceanos e lagos) não explica satisfatoriamente a fato dos fósseis excelentemente preservados, temos de concluir que, de algum modo, o passado deve ter sido muito diferente.
Mais pesquisas e estudos são necessários para averiguar por que os métodos de datação radiométrica indicam idades muito antigas, em oposição às rápidas mudanças catastróficas inferidas das muitas características paleontológicas. A geologia evolucionista atual explica o registro fóssil como resultado de processos e mudanças lentas ocorrendo ao longo de extensos períodos de tempo. Entretanto, um crescente número de formações rochosas e ocorrências de fósseis anteriormente explicadas em conformidade com essa estrutura conceitual evolucionista deve ser reinterpretada como resultado de processos rápidos e até catastróficos, operantes numa escala de tempo diferente.
As coisas podem ter sido diferentes no passado.
(Raúl Esperante, Ph.D. pela Loma Linda University, é paleontólogo do Geoscience Research Institute, em Loma Linda, Califórnia, EUA)
Referências:
1. Esses dois modelos são, de fato, similares em suas pressuposições. Enquanto os evolucionistas teístas acreditam que Deus criou as primeiras moléculas orgânicas, as células, ou os organismos simples, deixando-os evoluir naturalmente para se tornarem seres mais complexos, os criacionistas progressivos sugerem que Deus esteve ativo criando novas formas de vida através dessa longa trajetória evolutiva.
2. Leonard R. Brand, 2003. Personal communication.
3. P. A. Allison, C. R. Smith, H. Kukert, J. W. Deming, e B. A. Bennett, “Deep-water Taphonomy of Vertebrate Carcasses: A Whale Skeleton in the Bathyal Santa Catalina Basin”, Paleobiology 17 (1991), p. 78, 89.
4. L. R. Brand, R. Esperante, C. Carvajal, A. Chadwick, O. Poma e M. Alomia, “Fossil Whale Preservation Implies High Diatom Accumulation Rate, Miocene/Pliocene Pisco Formation, Peru”, Geology 32 (2004) 2:165-168.
5. R. B. Dunbar, R. C. Marty, e P. A. Baker, “Cenozoic Marine Sedimentation in the Sechura and Pisco Basins, Peru”, Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology 77 (1990), p. 235-261.