terça-feira, novembro 23, 2010

Provinhas de “mintira”

Saiu na Folha de S. Paulo de 18/11/2010: “Alunos de escola top de SP boicotam Saresp [...]. Os 200 alunos, 100% dos matriculados no 3º ano do ensino médio da Escola Técnica Estadual de São Paulo, Etesp, considerada a melhor escola estadual paulista, boicotaram ontem a prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar (Saresp). A Etesp é a mais bem colocada dentre todas as estaduais paulistas. O ingresso se dá por vestibulinho e o boicote foi organizado pelo grêmio estudantil.” É de se lamentar o boicote, mas vale lembrar que foi promovido por estudantes de alto desempenho, cujo senso crítico foi despertado. E pela atitude deles somos forçados a admitir algumas verdades. Infelizmente, desde quando foi instituído o Saresp, a educação de São Paulo pouco melhorou. Na verdade, teve avanços mesquinhíssimos em Capacidades de Leitura e Interpretação, e retrocessos em Raciocínio Lógico e conhecimentos matemáticos. Também temos que levar em conta que na parte de Leitura e Interpretação muitas vezes os textos apresentados foram facilitados.

Além disso, as escolas estaduais de São Paulo apresentaram um aumento significativo da reprovação, da falta de docentes ao trabalho, da violência no ambiente escolar e, principalmente, da evasão escolar. O mesmo se pode falar da Prova Brasil e do Enem. Nenhuma medida séria foi tomada para melhorar a educação básica e o ensino médio. O Enem a cada ano traz uma trapalhada, erros em provas, sumiço de provas, cola disseminada, extravio de documentos, erros na elaboração e a maior delas é a de desrespeitar o sábado bíblico, forçando pessoas que o guardam a ficar trancadas em salas até a noite, para então fazer a prova. Ao contrário disso, há mais de 30 anos os Estados Unidos têm o SAT (Standard American Test), e você não vê imposições desconfortáveis associadas à aplicação dessa prova.

Veja as reclamações de alguns dos estudantes da Etesp contra o Saresp, mas que podem ser estendidas ao Enem e à Prova Brasil.

1. A não aplicação de remédios sugeridos pelo diagnóstico, deixando tudo exatamente como está. “Segundo o estudante Daniel, 16, os alunos da Etesp, no Bom Retiro (centro de SP), não são contra as avaliações periódicas. “Mas isso tem de ser acompanhado por melhorias efetivas na educação. Do jeito que está, é só uma prova sem função alguma.”

2. Fazer politicagem com o tempo pedagógico dos jovens e crianças para causar falsa calma na opinião pública. “Bruno, 16, acredita que o Saresp ‘visa apenas a dar uma satisfação à opinião pública, descontente com os resultados pífios da educação pública paulista’. É um ‘me engana que eu gosto. Eles fazem o Saresp ao mesmo tempo em que entregam livros didáticos que mostram o continente americano com dois Paraguais. Isso é sério?’, pergunta o estudante (refere-se ao episódio ocorrido em 2009, quando a Secretaria Estadual da Educação distribuiu livro de geografia com mapa errado da América do Sul).” [Sem contar, evidentemente, os livros de Biologia que ainda trazem “evidências” desacreditadas sobre a evolução – MB.]

Esse último argumento é significativo, pois desde 1996, quando foi instituído o Saresp, o Estado de São Paulo caiu em seu desempenho, perdendo para Estados mais pobres como o Acre, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia, para citar alguns. A medida de fornecer material didático se demonstrou uma fonte de desentendidos, desvios de verbas e retrocesso, como assinalamos no artigo “Descumprindo a lei para cercear a liberdade”, publicado no Observatório da Imprensa, em 24/3/2009.

Considerando que o País tem índice de desemprego que beira os 7%; que temos imensa massa de desempregados que trabalham como camelôs e ambulantes sem qualquer garantia profissional decente; que temos imensa massa de profissionais trabalhando em condições difíceis por não ter qualificação; que muitas multinacionais abrem montadoras aqui, mas a produção e criação de tecnologia é feita fora, o que tira lucros do País; que estamos perdendo o mercado externo por falta de produto com alto valor agregado (produtos de alta tecnologia feitos aqui, são poucos); que o desempenho nos testes internacionais como o PISA continuam vergonhosos e mesmo assim as autoridades em geral só têm um blá-blá-blá sem medidas sérias – isso tudo nos faz pensar que esses estudantes foram ousados e corajosos e que a causa deles faz sentido. As atitudes ditatoriais dos governantes, no quesito educação, é que são sem sentido.

(Silvio Motta Costa, professor da rede pública em Campinas, SP)