terça-feira, outubro 22, 2013

Autor de ficção fala de criacionismo mas escreve conto

Macroevolução é ficção
Está em andamento, aqui no Brasil, mais uma tentativa de dar um verniz de respeitabilidade científica ao velho criacionismo, a ideia de que os seres vivos da Terra não evoluíram de forma natural, mas foram magicamente criados pelo Deus judaico-cristão-islâmico. Nas redes sociais, volta e meia pipocam convites para eventos, em escolas e universidades, com palestrantes comprometidos com a tese. Para evitar confronto direto, no caso de instituições públicas, com as leis que proíbem o uso de recursos do Estado para a promoção de ideias religiosas – e, também, para mais facilmente seduzir os incautos – os organizadores costumam evitar menções explícitas ao criacionismo, a Deus ou à religião em seu material de divulgação, mas as entrelinhas sempre revelam o verdadeiro objetivo: promover o ideário criacionista como uma “alternativa científica” à Teoria da Evolução.

Em termos espirituais, é claro que cada um é livre para crer no que quiser. Mas quando ideias religiosas tentam se passar por ciência, um pouco de ceticismo vem a calhar. Em ciência, uma “teoria” é um conjunto articulado de explicações bem testadas que dá conta de uma ampla série de fenômenos. Por exemplo, a Teoria da Relatividade Geral explica coisas como o movimento dos planetas em torno do Sol e a expansão do universo.

No parágrafo acima, é importante dar ênfase especial à expressão “bem testadas”: toda teoria nasce como hipótese – uma proposta de explicação para algum fato conhecido – e se consolida à medida que permite entender coisas que, para as hipóteses concorrentes, são mistérios; e também à medida que faz previsões que se confirmam.

A Evolução das Espécies é um caso clássico de teoria bem consolidada: ela não só dá conta dos fatos tal como eram conhecidos no tempo de seus autores, Darwin e Wallace – por exemplo, a adaptação das espécies a seus ambientes – como ainda permitiu entender fenômenos sem explicação clara naquela época, como extinções. E previu, certeira, não só que a Terra deveria ser muito mais velha do que se imaginava no século 19, como também que todos os seres vivos têm um ancestral comum, algo magistralmente confirmado mais de cem anos depois, graças aos avanços da biologia molecular no século 20.

Em comparação, o criacionismo, quaisquer que sejam seus méritos como doutrina religiosa, funciona muito mal como hipótese científica: ou ele não prevê nada (afinal, supõe-se que Deus pode fazer o que quiser do jeito que quiser, enquanto que a ciência, para prever, pressupõe causas naturais amarradas por leis e limitações) ou só faz previsões fracassadas (como a de que a Terra teria surgido há poucos milhares de anos).

A vacuidade científica da tese criacionista leva seus cultores a atacar a evolução. É uma manobra típica de quem, sabendo que não tem nada a oferecer, tenta dar a impressão de que o adversário também é vazio, estabelecendo, assim, uma falsa equivalência.

Mas a evolução não é uma hipótese vazia: é uma teoria bem consolidada, que sobreviveu a inúmeros testes e que, se estivesse errada, teria sido desmentida, nos últimos 150 anos, pela geologia, pelo registro fóssil, pela biologia molecular. Só que não foi.

(Carlos Orsi, Galileu)

Nota: Carlos Orsi é conhecido entre os leitores de ficção científica (lembro-me dele dos tempos da Isaac Asimov Magazine) e contos de terror. Os anos se passaram e, pelo jeito, ele continua ligado à ficção – o texto acima parece exatamente isto: uma peça de ficção científica. É impressionante como, em tão poucos parágrafos, ele consegue escrever tantas impropriedades e reforçar estereótipos repetidos ad nauseam pelos evolucionistas mal informados. Vamos por partes:

1. Dizer que o Universo e a vida teriam surgido de forma “natural” (informação a partir do nada, vida da não vida, matéria da ausência de matéria, etc.) não equivale a dizer que tudo surgiu de forma “mágica”? Sinceramente, não vejo diferença.

2. Orsi pinta um quadro sombrio (ao estilo “terror”) dos criacionistas, como “agentes obscuros” defensores de ideias medievais e que procuram se infiltrar aqui e ali para disseminar suas crendices e fazer discípulos. Sinceramente, não me vejo dessa maneira (será que sou tão míope a ponto de não perceber?). Orsi caricaturiza os criacionistas e, mesmo que um ou outro por aí seja meio “doido” (e “doidos” há em todos os lugares, sob todas as “bandeiras”), ele erra ao tomar o todo pela parte. Os criacionistas que eu conheço e com os quais convivo são amantes da ciência, do conhecimento e da verdade. Tudo o que querem é ser respeitados, não a despeito de suas crenças, mas exatamente porque creem de forma racional e razoável, e essa sua subjetividade não os impede de fazer boa ciência, muito pelo contrário, os motiva – como aconteceu com os “pais da ciência” Newton, Galileu, Copérnico e outros.

3. Os criacionistas não estão preocupados em “promover o ideário criacionista como uma ‘alternativa científica’ à Teoria da Evolução”. Isso não existe. Já disse aqui e repito: a Sociedade Criacionista Brasileira não defende que se ensine criacionismo nas escolas públicas. Por quê? Porque dificilmente se poderiam conseguir professores capacitados a expor devidamente (e equilibradamente) as ideias dos dois modelos, e porque o criacionismo é um modelo científico-teológico (se posso dizer assim), portanto, não adequado para ser ensinado em escolas laicas. O que se deseja é que o evolucionismo seja ensinado de forma crítica e não como uma verdade incontestável, como vem sendo apresentado a alunos incapazes ainda de enxergar a realidade por si mesmos.

4. Orsi diz que, “quando ideias religiosas tentam se passar por ciência, um pouco de ceticismo vem a calhar”. Um pouco de ceticismo sempre vem a calhar, até mesmo – e principalmente – quando alguém tenta dizer que uma coisa é de um jeito que não é. Não conheço nenhum criacionista bem esclarecido que confunda ciência com “ideias religiosas”. Conheço, sim, muitos evolucionistas – como Orsi – que confundem ciência com cientificismo e com naturalismo filosófico. É com esse tipo de confusão que surgem as “peças de ficção científica”. O naturalismo é uma cosmovisão que não pode ser submetida ao método científico, no entanto, os evolucionistas (especialmente os ateus) a priori a abraçam avidamente como se fosse a única “explicação” possível para a origem de tudo.

5. O ficcionista explica que teoria “é um conjunto articulado de explicações bem testadas que dá conta de uma ampla série de fenômenos”, e então menciona a Teoria da Relatividade Geral (curiosamente, ele não mencionou a gravidade, como é mais comum), que explica coisas como o movimento dos planetas em torno do Sol. Ok, mas o que isso tem a ver com o conceito de macroevolução? O movimento dos planetas nós podemos observar todos os dias, in loco (pois moramos no sistema solar), mas e a origem da vida? E o processo de “transformação” de uma barbatana em pata ou do surgimento de novos órgãos complexos, cujo processo nem consta no registro fóssil? Comparar a Relatividade Geral e a gravidade com a macroevolução é um absurdo total; é mais “forçação de barra” do que muitas ficções por aí.

6. Num único parágrafo, Orsi transita de um conceito a outro, numa confusão típica entre evolucionistas (por má intenção ou desconhecimento?). Ele diz que “a Evolução das Espécies é um caso clássico de teoria bem consolidada”, depois menciona “a adaptação das espécies a seus ambientes” e o “fato” de “que todos os seres vivos têm um ancestral comum”. É mais uma evidência de que o termo “evolução” pode ser usado a torto e a direito, dependendo do interesse de seu usuário. Quando fala em “evolução das espécies”, Orsi não esclarece a que está se referindo. Depois ele muda o discurso para tratar especificamente da diversificação de baixo nível (chamada por alguns de “microevolução”), sim, porque “adaptação das espécies a seus ambientes” se trata exatamente disso. E todo mundo sabe (ou deveria saber, se os evolucionistas deixassem) que adaptações (assim como mutações) não “criam” informação necessária para que houvesse o surgimento de novos planos corporais e/ou órgãos complexos. Adaptações são apenas isto: adaptações. Em seguida, o ficcionista muda de novo o discurso para transformar a palavra “evolução” em macroevolução, ao dizer que “todos os seres vivos têm um ancestral comum”. Cadê as provas disso? Aliás, novas pesquisas parecem mostrar que a realidade é bem outra (confira).

7. Ao contrário do que Orsi quer, “os avanços da biologia molecular no século 20” têm é mostrado que a ideia de complexidade irredutível de Behe é fato, e que se Darwin dispusesse dos equipamentos (como o microscópio) e dos conhecimentos de hoje, talvez a história de sua teoria fosse outra.

8. Orsi diz que o criacionismo ou não prevê nada ou só faz previsões fracassadas. Falso. Os criacionistas previram que o registro fóssil apresentaria lacunas e não transições graduais às milhares. Confirmado. Previram que os organismos do passado seriam maiores, mais fortes e complexos que seus descendentes. Confirmado. Previram que quanto mais a ciência avançasse, mais se perceberia que a complexidade da vida aponta para um design inteligente. Confirmado (a menos que se neguem os fatos). Previram que seriam encontradas evidências de uma grande catástrofe hídrica que extinguiu quase que completamente as formas de vida do mundo de então (incluindo aí os dinossauros). Confirmado. Etc. Etc.

9. Muito mais poderia ser dito sobre esse “conto” de Orsi, mas concluo com esta pérola dele: “A vacuidade científica da tese criacionista leva seus cultores a atacar a evolução.” Negativo. O que leva a maioria dos criacionistas (pelo menos os que eu conheço) a “atacar” a evolução é a doutrinação materialista que procura forçar os estudantes a aceitar um pacote ideológico (filosófico) como se fosse ciência empírica. O que leva os criacionistas a “atacar” a evolução é o desejo de que se compreenda o que é ciência e o que é naturalismo filosófico; que se perceba que há um grupo de ateus tentando usar essa “teoria” como alavanca para mover Deus para o lado e defender sua descrença; que se evidencie o fato de que o evolucionismo se transformou numa verdadeira religião e que seus defensores são tão fanáticos quanto o estereótipo de criacionista que eles criaram.

De qualquer forma, é bom saber que a revista Galileu agora também publica contos de ficção científica travestidos de ciência. Não faltava mais nada mesmo... [MB]