Qual o gosto da felicidade? |
Ao criar a vida, especificamente a vida humana, Deus nos
dotou de sentidos e boas sensações para que experimentássemos concretamente toda
a realidade de Sua diversificada criação. Pela experiência dos sentidos, o
Criador Se chegaria a nós de várias maneiras, proporcionando-nos a alegria do
prazer mais profundo e extasiante que um ser perfeito poderia usufruir. Por
isso, Ele nos dotou da visão por onde as belas imagens do mundo exterior, sem a
mancha do feio, seriam captadas pelos olhos, cuja complexidade deixa qualquer
cientista intrigado e maravilhado. Concedeu-nos a audição, a fim de que
recebêssemos os sons mais agradáveis – a música dos anjos, o cântico dos
pássaros, a voz de toda a natureza, as mensagens humanas e as palavras divinas.
Deu-nos também o olfato, para sentirmos as mais agradáveis fragrâncias e os
odores espalhados pelo ambiente. Presenteou-nos igualmente com o tato, e com
ele veio o abraço, o toque carinhoso, a aproximação que acontece quando o afeto
genuíno e puro se manifesta. Por fim, Deus criou em nós o quinto sentido: o paladar,
a via sensitiva dos sabores – talvez o mais forte de todos os sentidos. Assim, visão,
audição, olfato, tato e paladar são as expressões plenas e abundantes da vida física
de uma pessoa. Quem perde um desses sentidos é um ser incompleto e limitado,
ainda que consiga por outros meios superar a deficiência. Portanto, se você
possui intactos seus cinco sentidos, agradeça a Deus.
Criando o paladar, o Senhor deu uma advertência e uma ordem
aos pais da humanidade: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da
árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela
comeres, certamente morrerás” (Gn 2:16, 17). O paladar tornou-se, dessa forma, um
teste de lealdade para o ser humano. Não sabemos por que Deus escolheu o
paladar como uma prova de obediência. A Bíblia só registra que por meio dele o
tentador conseguiu acesso ao ser humano, tornando-o pecador. Consequentemente,
os sabores deliciosos de todas as demais árvores do jardim do Éden,
especialmente o da árvore da vida, os quais simbolizavam a experiência e a
comunhão com Cristo e o mundo celestial, foram substituídos por outro: o sabor
da ciência do bem e do mal. Com isso, houve uma alteração: a humanidade mudou
radicalmente de gosto, passando a apreciar os manjares e iguarias do pecado e
desprezando o sabor de Jesus, considerado dali em diante inferior, insípido e
indesejado. Entretanto, foi concebido um plano para restaurar o “paladar” humano.
Aqueles que aceitassem tal plano teriam de volta o verdadeiro sabor da vida – o
“gostinho” da obediência por amor, da relação com o Eterno.
Para a maioria das pessoas modernas, provar Jesus parece ser
algo tão insípido quanto comer chuchu cozido em água. Os que experimentam os “frutos
proibidos” do mundo (sim, porque há vários, para todos os gostos) olham para os
cristãos como pessoas sem paladar, pois estão convictos de que o cristianismo
nega os prazeres sensitivos e intelectuais, trazendo à vida um tom cinzento e
descolorido. Para eles, tudo na religião cristã resume-se num amontoado de
nãos: proibições irracionais de um Deus arbitrário, sendo a noção de pecado uma
neurose exacerbada da mente religiosa. Foi mais ou menos assim que Nietzsche,
um dos maiores críticos do cristianismo, considerou a fé cristã. Para ele, o
cristianismo é uma “singular tentativa de negar o mundo” – um fruto sem gosto e
mesmo apodrecido. Nesse sentido, algumas das declarações mais ácidas e
contundentes atribuídas a Nietzsche são:
“O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da
humanidade, por ter desprezado o corpo.”
“A decisão cristã de considerar que o mundo é feio e mau fez
ao mundo feio e mau.”
“No céu, todas as pessoas interessantes estão ausentes.”
“O cristianismo defendeu tudo quanto é fraco, baixo, pálido,
fez um ideal da oposição aos instintos de conservação da vida potente.”
“Escreverei esta acusação eterna contra o cristianismo em todas as paredes, em toda parte onde houver paredes – tenho letras que até os cegos poderão ler...”
“Escreverei esta acusação eterna contra o cristianismo em todas as paredes, em toda parte onde houver paredes – tenho letras que até os cegos poderão ler...”
Em lamento, Swinburne, poeta do século 19, expressou-se
também: “Tu venceste, ó pálido Galileu; o mundo tornou-se cinzento com o Teu
fôlego.” Teriam razão o filósofo alemão e o poeta antirreligioso nas suas marteladas
contra a religião cristã? Viver na dimensão de Jesus é experimentar uma vida destituída
de sabor? Estaríamos nós cristãos dando margem para o mundo nos considerar
“pálidos”, “carrancudos”, “sem graça”, “anti-intelectuais”, etc.? Jesus não
concordaria nem com Nietzsche nem com Swinburne, pois Ele mesmo declarou: “Eu
vim para que que vocês tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10:10). Mas
foi o próprio Nietzsche quem também fez uma afirmação bastante interessante, na
qual devemos refletir: “Os cristãos, se fossem realmente remidos, deviam
parecer mais alegres.” Porventura o filósofo se deparou com cristãos infelizes?
Por que muitos ainda, mesmo entre os religiosos, consideram o cristianismo um
estilo de vida negativista, sem sal e sem cor?
Da conhecida escritora
Ellen White veio um dos pensamentos mais realistas sobre a vida cristã. Ela
disse: “Se representamos a Cristo, faremos com que Seu serviço se mostre mais
atrativo, como na realidade é. Cristãos que acumulam sombras e tristezas em seu
coração, que reclamam e se queixam, estão dando aos outros uma falsa ideia de
Deus e da vida cristã. Dão a impressão de que Deus não Se alegra em ver Seus
filhos felizes, dando assim um falso testemunho do nosso Pai celestial”. E acrescenta:
“Muitos possuem uma ideia errônea da vida e do caráter de Cristo. Pensam que
Ele não mostrava calor e animação, que era sério, áspero, melancólico. Em
muitos casos, toda a experiência religiosa se resume num colorido sombrio por
causa dessa visão. Fala-se muitas vezes que Jesus chorou, mas que jamais foi
visto sorrindo. Nosso Salvador foi, efetivamente, um Homem de dores,
experimentado nos trabalhos, pois abria o coração a todos os sofrimentos
humanos. Mas, se bem que Sua vida fosse cheia de abnegação, dificuldades e
cuidados, Ele não Se abatia. Sua fisionomia não expressava desgosto ou
descontentamento, mas sempre mostrava inalterável serenidade. Onde quer que
fosse, levava descanso e paz, contentamento e alegria. O Salvador era
profundamente sério e intensamente zeloso, mas nunca Se mostrava sombrio ou
enfadado. A vida dos que O imitam deve se revestir de propósitos fervorosos.
Eles revelarão profundo sentimento de responsabilidade. Não serão levianos; não
demonstrarão alegria barulhenta, nem farão gracejos de mau gosto. Entretanto, a
religião de Jesus proporciona muita paz. Não extingue o brilho da alegria; não
restringe o prazer, nem oculta uma fisionomia radiante e sorridente” (Caminho a Cristo, p. 120).
Uma vez que não podemos concordar com Nietzsche na sua
avaliação sobre o cristianismo, fruto de uma análise parcial da realidade e de
experiências deformadas com a fé de seus dias, por outro lado devemos nos
questionar acerca da espécie de vida cristã que estamos tendo, a qual pode
levar muita gente a achar desinteressante ser cristão. Afinal, o outro lado tem
seus atrativos; a concorrência é forte. Contudo, se o mundo é tão “gostoso”
assim, por que então a vida com Cristo teria mais sabor?
Devemos ser realistas inconformados. O apóstolo Paulo
conclama: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela
renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2). Ora, está claro que precisamos
renovar nosso “paladar” para uma autêntica e prazerosa “experiência gustativa”,
provando as coisas de Deus. Isso não é fácil para ninguém, pois como seres caídos
temos inclinação para sentar à mesa do pecado e experimentar as tentadoras “delícias”
do mundo, causadoras de grande mal estar. Todavia, o estímulo que Deus coloca
diante de nós supera (e muito!) o colorido do mal. Basta dizer que há um contraste
muito grande entre os sabores de Cristo e os sabores do pecado. A vida com
Cristo tem o sabor:
1. da fé: que, ao contrário da incredulidade e da dúvida
teimosa, nos firma em Deus e amplia nossa capacidade para ver o invisível,
permitindo-nos compreender o incompreensível e a viver uma existência mais
profunda.
2. da esperança: que nos leva a aguardar o cumprimento de
todas as promessas de restauração, as quais nos garantem “um novo céu uma nova
Terra”, bem como uma vida imortal.
3. da obediência aos absolutos divinos: fonte de segurança e
certeza diante de um mundo relativista que não apresenta nenhum fundamento
seguro sobre o qual possamos firmar nossos pés.
4. da alegria no Espírito: sentimento nobre promotor da
autêntica felicidade, presente mesmo diante de tragédias e sofrimentos. Vem do
Consolador e é permanente em nós. Ao contrário, as alegrias prometidas pelo
mundo apenas distraem, passando rapidamente e deixando uma sensação de tédio, frustração
e incompletude.
5. da paz que excede todo o entendimento: inexplicável paz
que nos faz sentir calmos e tranquilos em meio às tormentas de um mundo turbulento
e inquieto.
6. da salvação: que nos tira o senso de culpa e as
consequências mortais impostas pelo pecado, livrando-nos do peso de uma
consciência transgressora.
7. da vida eterna: a maior recompensa para aquele que voltar
a provar do fruto da árvore da vida; a vitória sobre a morte e a finitude. Na
presença dEle, nos sentiremos infinitos.
Quem disse que gosto não se discute? A primeira batalha sobre
o paladar ocorreu no Jardim do Éden. Lá fomos convencidos pelo tentador a mudar
de gosto. Agora Jesus nos persuade a voltar. No paraíso, comer da árvore da
vida significava alimentar-se de Jesus. Hoje o sabor de Cristo, apesar de muito
melhor, tem sido rejeitado pela maioria que prefere o prazer alternativo de uma
existência longe de Deus. Diante de tantos gostos, a proposta divina permanece:
“Mude seu paladar! Venha à Minha mesa e prove do Meu manjar. Eu vim para que
tenham vida abundante, feliz, alegre. Porque a vida com Cristo tem sabor muito
mais real e prazeroso. Experimente, filho!”
(Frank de Souza Mangabeira é membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE, e servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)