Evolucionismo + Bíblia = ? |
Em
seu blog no site da editora Ultimato, Guilherme de Carvalho escreveu o artigo “Dez questões sobre o Teste da Fé: uma resposta inicial aos críticos”, no qual aborda
algumas polêmicas relacionadas com o livro recém-lançado. Segundo ele, o
propósito do projeto “Teste da Fé Brasil” é reabrir a conversação sobre a
relação entre ciência moderna e fé evangélica. No segundo tópico de seu texto (“O Teste da Fé é uma defesa do Evolucionismo
Teísta?”), Guilherme admite que o projeto tem uma atitude positiva em relação à
evolução biológica. No tópico 3 (“Como o projeto ‘Teste da Fé Brasil’
interpreta a Bíblia?”), ele tenta estabelecer a diferença entre “literal” e “literalista”:
“A interpretação ‘literal’ não é o mesmo que a interpretação ‘literalista’. Interpretar
literalmente a Escritura é interpretar cada texto de acordo com a intenção
do seu autor e à luz de toda a Escritura Sagrada. Isso significa que precisamos
dar atenção ao gênero e à estrutura de cada texto, para determinar sua
intenção. Se um texto é, por exemplo, uma prosa, seus elementos narrativos
devem ser tomados literalmente (é o caso, por exemplo, do evangelho de Lucas);
se é uma parábola, sua narrativa pode ser puramente fictícia (como as parábolas
de Jesus). Literalismo é a prática de tratar toda a Escritura de um modo
uniforme, mesmo quando o gênero nos sugere outra leitura.”
“No
caso de Gênesis 1”, prossegue Guilherme, “temos uma mistura inusitada, descrita
por muitos como ‘prosa exaltada’. Não é nem poesia nem prosa pura, mas uma
combinação das duas. Gênesis 2 também apresenta esse traço, mas de um modo
completamente diferente. Por isso, muitos exegetas evangélicos concordam, hoje,
que o próprio texto não foi escrito para ser lido literalmente, em todos os
seus detalhes [...]. Se isso estiver correto (e creio que está), a leitura
literal de Gênesis 1 é a de um relato poetizado, ou uma ‘prosa metafórica’, e a
leitura literalista seria tão não literal quanto uma leitura alegórica. (Quanto
a essa questão, vale a pena ler o texto de Jacques Doukhan, “A response to a
John H. Walton’s Lost World os Genesis 1” [clique aqui] e o artigo de Richard Averbeck [clique aqui].)
Guilherme
diz mais: “A outra questão em jogo é a leitura das Escrituras com a finalidade
de construir teorias científicas a partir delas. Isso é o que chamamos, às
vezes, de ‘presunção enciclopédica’. Há muitas evidências de que a Bíblia não
apresenta um ponto de vista científico. Um exemplo comum é o emprego do ponto
de vista pré-científico, como quando o livro de Josué nos diz que o Sol parou
no céu em Gibeom (Js 10:12, 13). Cristãos geocentristas atacaram Galileu
Galilei alegando que isso seria evidência de que o Sol gira em torno da Terra,
e não o contrário; mas hoje todo cristão heliocentrista entende perfeitamente
que não se tratava de uma afirmação científica abstrata. A verdade no relato
não estava na explicação científica do fenômeno, mas, sim, unicamente na
factualidade do fenômeno (que o Sol parou do ponto de vista do observador, o
dia foi mais longo, e Josué venceu a batalha).”
Guilherme
reproduz a história corrente de que teriam sido “cristãos geocentristas” os culpados
pela condenação de Galileu. Nada mais falso, conforme já demonstrei aqui. E o relato de Josué é tão “anticientífico” quanto os
cientistas que usam a expressão “pôr do sol” para se referir ao fenômeno em que
a Terra gira ocultando o Sol da nossa visão. É apenas uma forma de se referir
ao fenômeno do ponto de vista do observador. Cobrar linguagem científica no
caso bíblico é tão injusto quanto dizer que astrônomos que falam “pôr do sol”
são ignorantes. E mais injusto ainda é culpar a Bíblia pelo pensamento
geocentrista de alguns (na verdade, opositores da religião é que têm se valido
dessas falácias para desacreditar os criacionistas, conforme demonstrei aqui).
É
curioso como Guilherme defende a inerrância bíblica ao
mesmo tempo em que afirma que ela pode conter imprecisões científicas pelo fato
de refletir conceitos “científicos” da época em que foi escrita. A verdade é
que, ao contrário do que defende Guilherme (embora ele tenha certa razão, em
alguns aspectos), a Bíblia se antecipou em muitos séculos a certas descobertas
científicas, conforme demonstro no vídeo abaixo:
Guilherme
chega a colocar em dúvida o fato de que a Bíblia possa ser uma fonte primária
para uma teoria paleoantropológica. E diz mais: “Ela não implica, por exemplo,
que a criação do homem foi necessariamente especial, nem nos diz se Deus fez o
homem a partir de um ancestral, ou se havia pré-adamitas (entre os quais Caim
foi habitar e se casou).”
É
curioso ver um inerrante relativizando afirmações bíblicas categóricas. Como
assim ancestral do homem? A Bíblia é
muito clara em afirmar que Adão foi o primeiro homem criado, e ele era
perfeito. Os escritores posteriores a Moisés volta e meia confirmam isso. O próprio
Jesus Se referiu ao primeiro homem como real e histórico, não dando margem para
qualquer alegorização do relato da criação. Se Adão e Eva tiveram ancestrais,
seriam eles menos humanos, como sustentam os evolucionistas (embora nem eles saibam como explicar essa história)? A
vida poderia, então, ter começado numa “sopa primordial” com um ser unicelular?
Quando os evolucionistas teístas vão perceber que tentar fundir teoria da
macroevolução com a Bíblia acaba criando um “ser epistemologicamente aberrante”
(conforme demonstro aqui)? Como diz meu amigo
químico Marcos Eberlin, evolucionismo teísta é
uma mistura de má ciência com péssima teologia. E eu assino embaixo.
Voltemos
ao texto do Guilherme: “Eu diria aos meus irmãos ‘criacionistas-da-terra-jovem’
que, na minha opinião, eles estão lendo a Bíblia de forma errada, e com isso
estão forçando um conflito inexistente com a ciência moderna.” E eu diria ao
Guilherme e aos meus irmãos evolucionistas teístas que sempre que a igreja
tentou fazer concessões à pseudociência, teve que retroceder com o rabo entre
as pernas, admitindo que errou ao se colocar ao lado de homens (e suas ideias mutáveis)
e não ao lado da imutável e infalível Palavra de Deus (Atos 5:29). Não podemos
fugir do conflito. O cristianismo sempre lidou bem com ele, uma vez que entende
que o “mundo jaz no maligno” (1 João 5:19) e que há os que defendem uma “falsamente
chamada ciência” (1 Timóteo 6:20). Adotar hipóteses que não se sustentam sob o
escrutínio do método científico apenas para “ficar bem na fita” com os
evolucionistas? Isso vale a pena? Claro que não. Devemos seguir a verdade (bíblica
e científica) e os fatos, levem aonde levar, custe o que custar.
Mais
adiante, Guilherme se define assim: “Como eu [...] acredito que uma
singularidade (ou um ‘milagre’) seria necessário para produzir a primeira forma
de vida, sou frequentemente considerado um ‘criacionista progressivo’. Mas eu
mesmo me descrevo como criacionista evolucionário, [...] corretamente
compreendida, a teoria da evolução é meramente uma teoria biológica, e não
uma cosmovisão.”
Quem
dera fosse assim... Ocorre que os evolucionistas não conseguem restringir sua
visão de mundo a aspectos biológicos factuais. Fosse assim, eu mesmo seria um “evolucionista”.
Explico: geralmente se apresentam como “provas” da evolução coisas como a
aquisição de resistência a antibióticos por parte das bactérias ou as adaptações
sofridas por animais como os tentilhões (variações de plumagem, tamanho, bico).
São, na verdade, evidências de diversificação de baixo nível (que alguns chamam
de “microevolução”) e não dão suporte (a menos que se “force a barra”) à ideia
da macroevolução, uma extrapolação filosófica sem evidências sólidas (já discuti isso aqui). Outrossim, uma teoria que é
utilizada para “explicar” o comportamento dos adúlteros
e coisas assim, digamos, pitorescas só pode se tratar de cosmovisão,
embora Guilherme tente negar.
Finalmente,
Guilherme aponta o canhão para os criacionistas por excelência (afinal, esse povo insiste em guardar o sábado
exatamente por ser ele o memorial da criação [Gênesis 2:2, 3; Êxodo 20:8-11;
Apocalipse 14:6, 7]): “Foi em 1923 que o geólogo amador George McCready Price,
membro da Igreja Adventista do Sétimo dia, escreveu um livro para defender a
posição adventista sobre geologia, e essa obra acabou influenciando Henry
Morris e John Withcomb, [não adventistas] fundadores do Criacionismo Científico
após a Segunda Guerra Mundial. Poucos cristãos evangélicos sabem que as bases
para o moderno Criacionismo Científico foram construídas por adventistas, cuja
leitura do Antigo Testamento era notavelmente literalista não apenas quanto ao
Gênesis, mas quanto à aplicação de ordenanças da Lei na Nova Aliança [você percebe
que o quarto mandamento – o sábado – acaba se tornando por tabela ponto
nevrálgico na discussão?]. A história toda foi contada em detalhes no livro de
um ex-adventista que está hoje entre os maiores historiadores do mundo no campo
da ciência e religião: Ronald Numbers (The
Creationists: from Scientific Creationism to Intelligent Design, Harvard
University Press). A vinculação do Criacionismo Científico com uma igreja
heterodoxa, às margens da identidade evangélica, não é prova isolada contra
essa posição, mas no mínimo deveria nos levar à reflexão.”
É
lamentável ver um cristão – que deveria defender a Bíblia acima do pensamento
humano e ser fiel aos mandamentos de Deus –
pendendo mais para o lado dos naturalistas/evolucionistas do que para o lado
daqueles que procuram seguir a Palavra de Deus. Os adventistas creem no Deus triúno;
creem na salvação pela fé; creem na volta de Jesus; creem no batismo por
imersão; creem nos dons espirituais; enfim, creem nas doutrinas bíblicas que
são defendidas pela grande maioria da cristandade. Por que, então, estariam “às
margens da identidade evangélica”? Por que, então, seriam “heterodoxos”? Simplesmente
por que guardam o sábado? Por que procuram imitar a conduta do próprio Jesus também
nesse aspecto (Lucas 4:16)? Por que procuram semanalmente celebrar o “aniversário
da criação” reservando um dia para a adoração do Criador que descansou no
sétimo dia e o abençoou e santificou? Por que procuram pautar a vida pelos dez
mandamentos, lei eterna de Deus, escrita pelo próprio dedo dEle (Êxodo 31:18)?
Guilherme
afirma ainda que “a Bíblia é a autoridade máxima em nossa vida e pensamento,
mas não é a autoridade máxima em matemática, pois as propriedades associativas
dos números são realidades objetivas, independentes da nossa interpretação da
Bíblia. E na medida em que apreendemos as leis matemáticas, as empregamos na
leitura da própria Bíblia. A Bíblia também não é a autoridade máxima em
gramática da língua portuguesa. Pelo contrário, precisamos aprender gramática com
outras pessoas e outros livros, e então conseguimos ler a Bíblia”.
Aqui
ele erra ao tentar igualar matemática e gramática com filosofia evolucionista
(que, infelizmente, ele confunde com aspectos biológicos realmente científicos).
A
verdade é que, ou ficamos com a Bíblia, seus autores e o próprio Jesus (que
afirmaram a literalidade/historicidade de relatos como a criação em seis dias e
o dilúvio universal), ou abraçamos o revisionismo dos evolucionistas teístas
que mais se parecem com a “turma do deixa disso”, dispostos a evitar a
controvérsia e promover a boa convivência com a atitude de abaixar a guarda (e
a cabeça). E se, para ser bíblico, passarei a ser visto como heterodoxo e à
margem da identidade evangélica, que assim seja. Em Seu tempo, Jesus também foi
visto como estando à margem da ortodoxia vigente.
A
verdade é que cada vez mais fica clara a polarização entre aqueles que guardam
os mandamentos de Deus (todos) e proclamam sua crença no Deus Criador
(Apocalipse 14:6, 7) e aqueles que defendem qualquer coisa diferente disso, seja
a descrença absoluta ou o relativismo travestido de religião.
Michelson Borges
Em tempo: Guilherme também parece concordar com a versão "clássica" e generalista do conceito de "criacionismo da Terra jovem", conforme explicada em certo blog ateu evolucionista: "Criacionismo da Terra Jovem, ou Bíblico, isto é, a visão de que o Universo, a Terra e todas as formas de vida nela, incluindo o ser humano, teriam sido criados há cerca de 6 mil anos mais ou menos como são hoje, ao longo de 6 dias de 24h, conforme descrito no livro Gênesis, da Bíblia." A verdade é que neste ponto não há consenso entre os criacionistas. Há os que creem que o Universo é muito mais antigo que a Terra (a maioria dos criacionistas, creio - entre os quais me incluo); os que creem que a Terra e a vida contida nela tenham cerca de seis mil anos; e os que creem que a Terra possa ser muito mais antiga do que a vida. O consenso está na crença de que a vida na Terra remonta há alguns milhares de anos. Caracterizar todos os criacionistas como defensores de um universo recente é generalização simplista e, talvez, uma tentativa de ridicularizar todos os criacionistas. Além disso, criacionistas bem informados não são fixistas, como tentam fazer parecer os evolucionistas. [MB]
Em tempo: Guilherme também parece concordar com a versão "clássica" e generalista do conceito de "criacionismo da Terra jovem", conforme explicada em certo blog ateu evolucionista: "Criacionismo da Terra Jovem, ou Bíblico, isto é, a visão de que o Universo, a Terra e todas as formas de vida nela, incluindo o ser humano, teriam sido criados há cerca de 6 mil anos mais ou menos como são hoje, ao longo de 6 dias de 24h, conforme descrito no livro Gênesis, da Bíblia." A verdade é que neste ponto não há consenso entre os criacionistas. Há os que creem que o Universo é muito mais antigo que a Terra (a maioria dos criacionistas, creio - entre os quais me incluo); os que creem que a Terra e a vida contida nela tenham cerca de seis mil anos; e os que creem que a Terra possa ser muito mais antiga do que a vida. O consenso está na crença de que a vida na Terra remonta há alguns milhares de anos. Caracterizar todos os criacionistas como defensores de um universo recente é generalização simplista e, talvez, uma tentativa de ridicularizar todos os criacionistas. Além disso, criacionistas bem informados não são fixistas, como tentam fazer parecer os evolucionistas. [MB]