terça-feira, novembro 29, 2011

Bióloga que propôs célula “mestiça” morre aos 73

A ciência perdeu nesta semana a mulher que ajudou a mostrar [ou teorizou a respeito] como pessoas, árvores e outros seres vivos complexos são criaturas híbridas, tão improváveis quanto centauros ou sereias. Trata-se da bióloga americana Lynn Margulis, da Universidade de Massachusetts em Amherst. Em comunicado oficial [...] a universidade informa que Margulis morreu em casa, na última terça, aos 73 anos. Durante toda a sua carreira científica, Margulis foi a principal defensora da teoria da simbiogênese, a ideia de que grandes transições da evolução envolveram a fusão de dois ou mais seres vivos completamente diferentes - daí a analogia com centauros e sereias do parágrafo acima.

Parece uma maluquice, mas pistas de que isso realmente ocorreu começaram a surgir quando cientistas verificaram que certas estruturas das células possuem DNA próprio, distinto do material genético “principal” que a célula guarda em seu núcleo.

Isso foi em meados do século passado, quando começou a ficar claro que o DNA era a molécula da hereditariedade, ou seja, a substância responsável por transmitir as características dos seres vivos de pais para filhos. O DNA independente achado no interior das mitocôndrias (os “pulmões” das células, responsáveis pela respiração celular) e dos cloroplastos (estruturas das células vegetais que comandam a fotossíntese) sugeria uma hereditariedade à parte. [O tom factual do primeiro parágrafo agora muda para “sugestão”, depois de passar pela palavra “ideia”.]

As coisas estavam nesse pé quando Margulis, nos anos 1960, propôs que a explicação mais provável era uma fusão simbiótica. No passado remoto, dois micróbios totalmente diferentes um do outro, com estrutura parecida com a das bactérias atuais, teriam se fundido. Um deles passou a ser o que consideramos como a célula “principal”, enquanto o outro passou a levar uma vida semi-independente dentro da célula maior (o que seria o caso das mitocôndrias e dos cloroplastos). [Curiosamente, não houve rejeição ou destruição de um organismo pelo outro.]

Dessa forma, a célula maior ganharia a energia produzida pelos seus novos parceiros internos, enquanto a menor ficaria mais protegida de predadores microscópicos, por exemplo. Hoje, poucos biólogos discordam da ideia, porque a comparação entre o DNA “normal” das células e o encontrado nas mitocôndrias e cloroplastos mostrou que, de fato, eles têm muito pouco a ver um com o outro. [A pouca discordância, como sempre, limitou pesquisas/teorias que pudessem apontar outras explicação/suposições para entender a diferença entre os DNAs.]

Mais importante ainda: o material genético dos dois lembra muito o de certas bactérias (no caso dos cloroplastos, com o DNA de bactérias que fazem fotossíntese). Margulis participou da elaboração de outra ideia famosa, que também enfatiza a cooperação entre organismos: a hipótese Gaia, que vê a Terra como um superorganismo. [A despeito da importância dessa cientista, note que ela se notabilizou por propor ideias/suposições.]

Ela foi a primeira mulher do célebre astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan (1934-1996) e mãe de dois dos filhos do pesquisador.

(Jornal da Ciência; publicado originalmente na Folha de S. Paulo)

Nota: A Folha de S. Paulo omitiu intencionalmente o fato de que Lynn Margulis, apesar de ser evolucionista, foi uma crítica ferrenha da Síntese Evolutiva Moderna, e por razões científicas, não filosóficas. Clique aqui para ler o que a Folha escondeu de seus leitores.[MB]