“Nossa vida pode ser perfeita em cada fase de desenvolvimento, contudo haverá progresso contínuo, se o propósito de Deus se cumprir em nós. A santificação é obra de toda uma vida” (Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 65).
Certa vez, um adventista de nascimento que defende a cristologia pós-lapsariana (segundo a qual Jesus teria a natureza de Adão após a queda, com as tendências herdadas para o pecado – embora não com as tendências cultivadas) discutia o assunto com outro adventista pré-lapsariano. A certa altura, o primeiro disse: “Você não compreende esses assuntos porque bebe Coca-Cola. Deve estar com a mente embotada.” O segundo, então, respondeu: “Na verdade, depois que me tornei adventista, nunca mais bebi Coca-Cola e sempre procurei ser temperante.” Este diálogo mais ou menos fictício (e bem minimalista) mostra um fenômeno interessante (mas que não pode ser generalizado): indivíduos que nasceram em lar adventista e, infelizmente, tiveram maus exemplos por parte de alguns adventistas próximos, quando conhecem a mensagem do reavivamento e da reforma (especialmente no que tange às mudanças alimentares) – e começam a vivê-la – pensam algo mais ou menos assim: “Agora eu descobri o verdadeiro adventismo.” Isso não é necessariamente ruim, desde que se trate de uma conversão genuína. O problema é quando essas pessoas começam a olhar de cima para seus irmãos, como se eles não estivessem vivendo a mensagem. Outros ainda passam a se dedicar ao estudo de um assunto apenas, até que este se torne praticamente sua única bandeira, o tema todo-absorvente de suas pesquisas e pregações. Consideram-se donos de uma luz especial que os demais não conseguem ver. Esquecem-se de que Deus conduz um povo, não ramificações, e desconfiam de todos os que não vivem à altura do padrão adotado por eles.
Satanás é especialista em dividir para conquistar. Quando consegue utilizar uma necessidade real e importante (como a reforma) para causar divisão, melhor ainda para ele. Os extremos dessa questão são perigosos: por um lado, (1) desconsiderar o apelo ao reavivamento e à reforma (que tem que ver com todos os aspectos da vida, não apenas com a dieta), por outro (2) distorcer a ideia da reforma, a ponto de considerar as mudanças no estilo de vida como uma credencial para o Céu.
Convido-o a analisar com cuidado e atenção o seguinte texto inspirado: “Era possível a Adão, antes da queda, formar um caráter justo pela obediência à lei de Deus. Mas deixou de fazê-lo e, devido ao seu pecado, nossa natureza se acha decaída, e não podemos tornar-nos justos. Visto como somos pecaminosos, profanos, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa. Não possuímos justiça em nós mesmos com a qual pudéssemos satisfazer às exigências da lei de Deus. Mas Cristo nos proveu um meio de escape. Viveu na Terra em meio de provas e tentações como as que nos sobrevêm a nós. Viveu uma vida sem pecado. Morreu por nós, e agora Se oferece para nos tirar os pecados e dar-nos Sua justiça. Se vos entregardes a Ele e O aceitardes como vosso Salvador, sereis então, por pecaminosa que tenha sido vossa vida, considerados justos por Sua causa. O caráter de Cristo substituirá o vosso caráter, e sereis aceitos diante de Deus exatamente como se não houvésseis pecado” (Ellen White, Caminho a Cristo, p. 62; grifos meus).
Vamos pontuar:
1. Antes da queda, portanto com sua natureza humana perfeita, Adão poderia formar caráter justo pela obediência à lei de Deus. Logo, após a queda, isso não mais é possível.
2. Depois do pecado, nossa natureza se acha decaída e somos incapazes de nos tornar justos.
3. Somos pecaminosos, profanos e, por isso, não podemos obedecer perfeitamente a uma lei santa, porém, “se está no coração obedecer a Deus, se são feitos esforços nesse sentido, Jesus aceita esta disposição e esforço como o melhor serviço do homem, e supre a deficiência, com Seu próprio mérito divino” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 382).
4. Cristo, que possuía a natureza moral de Adão antes da queda (não, porém, a física), viveu uma vida sem pecado e cumpriu perfeitamente a lei de Deus.
5. Cristo Se oferece para nos tirar os pecados e dar-nos Sua justiça. Assim somos considerados justos.
6. Quando aceitamos Jesus como Salvador (justificação), o caráter dEle substitui o nosso, e somos aceitos diante de Deus como se não houvéssemos pecado.
Outro texto para sua consideração: “Os serviços religiosos, as orações, o louvor, a penitente confissão do pecado, sobem dos crentes fiéis, qual incenso ao santuário celestial, mas passando através dos corruptos canais da humanidade, ficam tão maculados que, a menos que sejam purificados por sangue, jamais podem ser de valor perante Deus. Não ascendem em imaculada pureza, e a menos que o Intercessor, que está à mão direita de Deus, apresente e purifique tudo por Sua justiça, não será aceitável a Deus. Todo o incenso dos tabernáculos terrestres tem de umedecer-se com as purificadoras gotas do sangue de Cristo. Ele segura perante o Pai o incensário de Seus próprios méritos, nos quais não há mancha de corrupção terrestre. Nesse incensário reúne Ele as orações, o louvor e as confissões de Seu povo, juntando-lhes Sua própria justiça imaculada. Então, perfumado com os méritos da propiciação de Cristo, o incenso ascende perante Deus completa e inteiramente aceitável” (Ellen White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 344).
Nem o que de melhor possamos oferecer – nossas orações, o louvor e as confissões – é considerado imaculado diante do Deus santo – imagine a guarda do sábado, a fidelidade, o estilo de vida, etc. Seres humanos imperfeitos jamais poderão prestar obediência perfeita, no entanto, Jesus nos diz: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos” (João 14:15). Nossa motivação para a obediência deve ser o amor. Quem ama, procura agradar ao objeto de seu amor e aceita por amor aquilo que Cristo coloca à sua disposição. E, quando reconhecemos que Deus somente visa ao nosso bem (a ponto de ter morrido por nós), entendemos que a obediência aos mandamentos dEle, na verdade, nos serve de proteção. É sempre o melhor para nós.
Ellen White também diz que “a salvação é inteiramente um dom gratuito. A justificação pela fé está fora de controvérsia. E toda essa discussão estará terminada logo que seja estabelecida a questão de que os méritos do homem caído, em suas boas obras, jamais poderão obter a vida eterna para ele” (Fé e Obras, p. 20). Agora pense: se Jesus tivesse as tendências para o pecado (ainda que somente as herdadas), as boas obras dEle não serviriam nem para salvá-Lo; imagine para nos salvar...
É preciso entender que a perfeição bíblica se resume no amor desinteressado, conforme descrito em Mateus 5:43-48. Devemos ser perfeitos em nossa esfera (relativa) como Deus o é na dEle (absoluta).
“Aquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós; para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).
“Sabeis também que Ele Se manifestou para tirar os pecados, e nEle não existe pecado” (1 João 3:5).
O texto a seguir é muito claro. Alguns dos ditos “perfeccionistas” de visão extremada dizem que, quanto mais avançarmos na santificação, menos precisaremos nos arrepender. No segundo parágrafo, Ellen White diz exatamente o contrário disso: “A santificação não é obra de um momento, de uma hora, de um dia, mas da vida toda. [...] Enquanto reinar Satanás, teremos de subjugar o próprio eu e vencer os pecados que nos assaltam; enquanto durar a vida não haverá ocasião de repouso, nenhum ponto a que possamos atingir e dizer: ‘Alcancei tudo completamente.’ A santificação é o resultado de uma obediência que dura a vida toda. [...]
“Quanto mais nos aproximarmos de Jesus, e quanto mais claramente distinguirmos a pureza de Seu caráter, tanto mais claramente veremos a excessiva malignidade do pecado, e tanto menos nutriremos o desejo de nos exaltar a nós mesmos. Haverá um contínuo anelo da alma em direção a Deus, uma contínua, sincera, contrita confissão de pecado e humilhação do coração perante Ele. A cada passo para frente em nossa experiência cristã, nosso arrependimento se aprofundará” (Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 560, 561).
Outro texto para se considerar cuidadosamente: “Seja cuidadoso, extremamente cuidadoso, ao tratar da natureza humana de Cristo. Não O apresente perante as pessoas como um homem com propensões para o pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado como um ser puro, sem pecado nem mancha alguma de pecado sobre ele; era a imagem de Deus. Poderia cair, e de fato caiu ao transgredir. Por causa do pecado, sua posteridade nasceu com inerentes propensões para a desobediência. Mas Jesus Cristo era o Filho unigênito de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todas as coisas como a natureza humana é tentada. Ele poderia ter pecado; poderia ter caído, mas por nem um momento sequer houve nEle uma má propensão” (Ellen White, Carta 8, 1895).
Até a glorificação (na segunda vinda de Jesus), jamais poderei dizer que não existe pecado em mim. Mas em Cristo – nosso amado Substituto – há poder para vencer o pecado (atos e pensamentos). E Deus, somente Ele, seja louvado por isso!
Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia
Leia também: “É possível ao cristão ser perfeito?”, “Perfeccionismo: a versão satânica da doutrina da salvação” e Atos dos Apóstolos (de Ellen G. White), página 561