quarta-feira, abril 25, 2012

Negro, branco ou pardo?

Conforme matéria publicada no site Consultor Jurídico e assinada por Rodrigo Haidar, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá no dia 25/4, quarta-feira próxima, sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das cotas raciais adotadas por universidades públicas brasileiras. Duas ações foram ajuizadas, sendo que em uma delas o DEM, em sede de Arguição de Preceito Fundamental (ADPF), questiona a reserva de 20% das vagas oferecidas pela Universidade de Brasília a partir de critérios étnicos-raciais. Na outra ação, um candidato que se sentiu prejudicado no processo seletivo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul contesta o sistema de cotas raciais adotado pela instituição de ensino, mediante Recurso Extraordinário (RE no 597.285).[1]

Segundo o professor emérito da Universidade de Stanford, Thomas Sowell, igual oportunidade – perante as leis e as políticas públicas – requer que indivíduos sejam julgados segundo suas qualificações como indivíduos, sem consideração à raça/etnia, ao sexo ou à idade. Ações afirmativas requerem que as pessoas sejam julgadas por pertencerem a certos grupos, recebendo, por isso, tratamento preferencial ou compensatório. Esse notável intelectual afrodescendente demonstra que os direitos civis nos Estados Unidos foram desvirtuados: “From equal opportunity to affirmative action.”[2]

Sowell, após minucioso estudo, escreveu inúmeros livros demonstrando os efeitos contraproducentes das ações afirmativas.

Adoção de cotas raciais nos vestibulares é inconstitucional, porquanto a Constituição de 1988 estabelece que o “ensino será ministrado com base”, dentre outros, no princípio da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, art. 206, I, da CF. Assim, o único critério válido nos processos seletivos é o da meritocracia.

Além de injustas e inconstitucionais, as cotas raciais se prestam apenas para dividir a sociedade segundo a cor da pele de seus cidadãos, propiciando assim a criação de um regime de apartheid. Existem efeitos colaterais deletérios à medida que o cidadão deve declarar a tonalidade de sua pele, como observa Demétrio Magnoli. Ao adotar critérios raciais para a reserva de vagas, a universidade pública obriga o candidato a se definir racialmente pela primeira vez na vida. Assim, o jovem tem que declarar sua “raça”: branco, negro, ou pardo.

Segundo diversos autores, a autodeclaração racial pode levar a uma perigosa racialização ou divisão do Brasil segundo a dicotomização da cor/raça.[3]

Curiosamente, Luiz Flávio Gomes publicou anos atrás o artigo “Na dúvida, condena-se o réu mais feio”.[4] Esse interessantíssimo trabalho se baseia em estudo divulgado pela BBC de Londres segundo o qual os feios têm mais chances de ser condenados criminalmente do que os bonitos. Se a ponderação da razoabilidade fosse completamente afastada e houvesse uma banalização das affirmative actions, não haveria limites para a instituição de cotas preferenciais nas universidades e no mercado de trabalho. Assim, deveríamos também admitir cotas para os gagos, gordos, feios e disléxicos. Em alguns desses casos com alguma razão, pois certamente as pessoas mais feias ficam em desvantagem, por exemplo, no momento da entrevista para se conseguir emprego. Deveríamos tratá-las de forma desigual? Certamente não é o caso de se justificar a adoção de cotas raciais discriminatórias com a aplicação da regra de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam, difundida entre nós por Rui Barbosa.

Nesse caso, é flagrante a violação da lógica do razoável. Assim, essa regra do tratamento desigual entre desiguais não pode ser aplicada. Em outros casos, todavia, seria razoável admitir sua aplicação. Consideremos apenas o seguinte caso, que, aliás, é baseado no exemplo de Recaséns Siches, autor mexicano, que brilhantemente desenvolveu a doutrina da lógica do razoável. Tratar diferenciadamente pessoas cegas, permitindo sua entrada no supermercado sob a guia de seus cães é evidentemente razoável, pois não restringe o direito das demais pessoas de forma importante por não poderem entrar com seus cães de companhia. Observa-se que, apesar do tratamento desigual, ambos os grupos podem exercer igual direito de entrar na loja, sem qualquer prejuízo significativo. Por outro lado, não se pode sustentar a lógica do razoável nas discriminações fundadas em cotas raciais nas quais os desiguais são tratados de forma desigual, pois é notório o prejuízo para os desprivilegiados – vestibulandos ou aspirante a cargos públicos – que são barrados no processo seletivo em razão da cor de sua pele, aparentemente destoante do grupo favorecido. Isso não é outra coisa senão discriminação racial.

Discriminações raciais são más, intrinsecamente consideradas, e não podem ser purgadas ou mesmo justificadas sob o pretexto de se reparar erros históricos ou discriminações que ocorreram no passado. Cotas raciais, no entanto, são inconstitucionais, violam o princípio da igualdade e não passam pelo crivo da lógica do razoável. Assim, tais discriminações raciais são absolutamente injustificáveis.

(Aldir Guedes Soriano é advogado, pós-graduado em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca)


Notas:

1. Haidar, Rodrigo, “STF decide sobre cotas raciais na quarta-feira”. In: Consultor Jurídico. http://www.conjur.com.br/2012-abr-21/stf-decide-cotas-raciais-universidades-quarta-feira.
2. Sowell, Thomas, Civil rights: rhetoric or reality. New York: Quill, 1984, p. 38-60.
3. Cf. Fry, Peter; Maggie, Yvonne e outros, Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
4. Gomez, Luiz Flávio, “Na dúvida, condena-se o réu mais feio”. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br (6 de junho de 2007): http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2007060610153140


Mensagens publicadas no Twitter do professor e doutor Nilson Lage: 


Quotas seriam admissíveis como medida temporária, enquanto se reformasse o péssimo ensino público de segundo grau, a cargo dos estados.” “Mas não há razão para minha filha, que é mulata, ter oportunidades negadas a moças brancas e pobres. Para meu orgulho, ela as rejeitou.” “A política de quotas raciais, ao afirmar a injustiça objetiva como critério, alimenta o ódio entre raças que alega combater.” “Ao contrário das cotas sociais, que têm justificativa em oportunidades desiguais, cotas raciais implicam admitir que há etnias ‘inferiores’”

“A beleza é branca e loura, segundo o velho, estúpido, mentiroso e sórdido etnocentrismo anglogermânico.”  (confira aqui)