História com muitas lições |
A
verdadeira história em torno de Galileu Galilei não se trata de um cientista
iluminado perseguido pela mesquinha Igreja Católica, visto que essa história
é (em grande parte) um mito. Não é também a história de um grande gênio
científico, embora ele tenha sido (em grande medida) isso mesmo. Não é também a
história de alguém reencarnado com a alma do antigo astrônomo, tal como se ouve
na canção das Indigo Girls, de 1992, que eu julguei ser (em grande medida)
profunda. (Devo ressalvar também que não é a história verdadeira, mas, sim, uma
que teve suas origens em outras fontes.) Mas como todas as boas histórias, ela nos
disponibiliza uma lição (em grande medida) valiosa. Nos dias de Galileu, a
visão predominante na astronomia era o modelo inicialmente proposto por
Aristóteles e desenvolvido mais tarde por Cláudio Ptolomeu, em que o Sol e os
planetas giravam em torno da Terra. O sistema ptolomaico foi o paradigma
dominante durante mais de 1.400 anos, até que um cônego da Igreja Católica chamado
Nicolau Copérnico publicou sua obra pioneira, com o nome De revolutionibus orbium coelestium (Da
revolução de esferas celestes).
Convém
notar que a teoria heliocêntrica de Copérnico não era exatamente nova nem era
somente baseada nas observações empíricas. Embora ela tenha tido um impacto
enorme na história da ciência, sua teoria foi mais um reflorescimento do
misticismo de Pitágoras do que um novo paradigma. Tal como todas as grandes
descobertas, ele apenas pegou uma ideia antiga e deu-lhe novas roupagens.
Embora
os colegas eclesiásticos de Copérnico o tenham encorajado a publicar seu
trabalho, ele atrasou a publicação durante vários anos, devido aos seus receios
de ser ridicularizado pela comunidade científica. A essa altura, o mundo acadêmico
pertencia aos aristotélicos e eles não tinham planos de deixar esse absurdo
passar pelo seu processo de “revisão por pares” (peer review).
Foi
então que chegou Galileu, o protótipo do homem da Renascença – cientista,
brilhante, matemático e músico. E embora ele fosse inteligente, encantador e
espirituoso, era também argumentativo, debochado e vaidoso. Pode-se dizer que
ele era um homem complexo. Seu colega astrónomo Johannes Kepler escreveu-lhe
uma carta dizendo que havia se convertido à teoria de Copérnico. Galileu
escreveu-lhe de volta dizendo que também ele havia se convertido a essa teoria,
e que havia anos que já assinava embaixo dela (embora todas as evidências
revelem que isso não era verdade). Seu ego não lhe permitiria que fosse suplantado
por pessoas que não eram tão inteligentes como ele; e, para Galileu, isso
incluía praticamente todas as pessoas.
Em 1610, Galileu usou seu telescópio para fazer
algumas descobertas surpreendentes que colocaram em cheque a cosmologia aristotélica.
Embora suas descobertas não derrubassem propriamente o paradigma dos seus dias,
elas foram bem recebidas pelo Vaticano e pelo papa Paulo V. No entanto, em vez
de dar seguimento aos seus estudos científicos e à solidificação das suas
teorias, Galileu deu início a uma campanha de descrédito da visão aristotélica
da astronomia. (Nos dias de hoje, isso seria o mesmo que tentar destronar a
teoria da evolução). Galileu sabia que estava certo e queria se certificar de que
todos soubessem que os aristotélicos estavam errados.
Tudo
o que Galileu conseguiu quando tentou forçar o copernicanismo pela garganta
abaixo dos seus colegas cientistas foi desperdiçar a boa vontade que havia
sido estabelecida dentro da Igreja. Galileu estava tentando forçar os
outros a aceitar uma teoria que, por aquela altura, ainda não estava provada.
Graciosamente, a Igreja ofereceu-se para considerar o copernicanismo como
uma hipótese razoável, embora uma hipótese superior ao sistema ptolomaico, até
que mais evidências fossem disponibilizadas.
Galileu,
no entanto, nunca chegou a apresentar mais evidências para apoiar sua teoria.
Em vez disso, continuou a provocar guerras com seus colegas cientistas, embora
muitas das suas conclusões estivessem sendo refutadas pelas evidências (por exemplo,
a tese de que os planetas orbitam em torno do Sol em círculos perfeitos).
Os erros de Galileu –
O primeiro erro de Galileu foi o de transladar a luta do campo da ciência para
dentro da interpretação Bíblica. Num ataque de arrogância, Galileu escreveu
a “Carta a Castelli”, de modo a explicar que sua teoria não era
incompatível com a adequada exegese bíblica. Com a Reforma Protestante ainda
fresca na mente, as autoridades da Igreja não estavam com vontade de ter
outra figura perturbadora tentando interpretar as Escrituras por conta própria.
Mas,
para crédito da Igreja Católica, eles não reagiram de forma inadequada.
A “Carta a Castelli” foi por duas vezes apresentada à Inquisição como
um exemplo da heresia do astrónomo, e por duas vezes as acusações foram
rejeitadas. No entanto, Galileu não estava satisfeito e deu continuidade aos
seus esforços de forçar a Igreja a conceder que o sistema de Copérnico era um assunto de verdade irrefutável.
Em
1615, o cardeal Robert Bellarmine educadamente apresentou a Galileu uma
opção: evidências ou boca fechada. Como por essa altura ainda não haviam
sido apresentadas evidências de que a Terra orbitava em volta do Sol, não havia
motivo para que Galileu andasse um pouco por todo o lado tentando alterar a
leitura aceita das Escrituras. Mas se ele tinha algum tipo de evidências, a
Igreja estaria disposta a reconsiderar sua posição. A resposta de Galileu foi a
de apresentar a teoria de que as marés dos oceanos eram causadas pela rotação
da Terra. A ideia não só estava cientificamente errada, como era tão ridícula
que foi rejeitada até pelos seguidores de Galileu.
Farto
de ver suas alegações rejeitadas, Galileu regressou a Roma para apresentar seu
caso ao papa. O pontífice, no entanto, meramente passou o assunto ao
Santo Ofício, que emitiu a opinião de que a doutrina copernicana era
“ridícula e absurda, filosoficamente e formalmente herética, visto que
contradizia de modo expresso a doutrina da Santa Escritura em muitas
passagens”. O veredito foi rapidamente anulado por outros cardeais da Igreja.
Galileu,
no entanto, não estava com disposição para abandonar as coisas, e, para
irritação geral, voltou a forçar o assunto. O Santo Ofício educadamente, mas
firmemente, disse-lhe para se calar em torno do assunto copernicano e proibiu-o
de adotar a teoria ainda não provada. Claro que isso era mais do que ele estava
disposto a fazer.
Quando
seu amigo finalmente tomou conta do trono papal, Galileu pensou que por fim
teria um ouvido simpático. Ele discutiu o assunto com o papa Urbano VIII,
um homem com conhecimento nas áreas da matemática e da ciência, e tentou
usar sua teoria das marés para convencer Urbano da validade da sua teoria. O papa
não ficou convencido com a tese de Galileu, e chegou até a dar-lhe uma
resposta (embora inválida) que refutou a noção.
Depois
disso, Galileu escreveu Dialogo sopra i
due massimi sistemi del mondo (Diálogo sobre os dois principais
sistemas do mundo), no qual ele iria apresentar os pontos de vista de
Copérnico e o de Ptolomeu. Três personagens estariam envolvidos: Salviati, o Copernicano;
Sagredo, o Indeciso; e Simplício, o Ptolomaico. (O nome “Simplício” escolhido
com o propósito de implicar “simplório”).
E
foi nessa ocasião que o nosso herói cometeu seu maior erro: Galileu pegou nas
palavras que o papa Urbano tinha usado para refutar sua teoria das marés, e
colocou-as na boca de Simplício. O papa não gostou nem um pouco disso.
Galileu,
que era agora velho e doente, foi mais uma vez chamado perante a Inquisição, e
ao contrário da maioria das pessoas acusadas de heresia, ele foi tratado
de uma forma surpreendentemente boa. Enquanto esperava pelo julgamento,
Galileu foi alojado num apartamento luxuoso com vista para os jardins do
Vaticano, e foi colocado ao seu dispor um criado pessoal.
Na
defesa que ele mesmo fez durante o julgamento, Galileu tentou usar uma tática
peculiar: tentou convencer os juízes de que ele nunca havia mantido nem
defendido a opinião de que a Terra gira em torno do Sol, e de que o Sol
está imóvel, e que, na verdade, ele havia demonstrado o oposto, mostrando que a
hipótese copernicana estava errada. O Santo Oficio, sabendo que essa linha
de defesa era uma forma de tomar por tolos os membros do Santo Ofício,
condenou-o por ser “altamente suspeito de heresia”, uma decisão claramente
injusta, levando em conta que o copernicanismo nunca havia sido considerado
herético.
A
sentença de Galileu foi a de renunciar à sua teoria e viver o resto da sua vida
numa agradável casa de campo, perto de Florença. Claramente, o exílio fez-lhe bem
porque foi aí, sob os cuidados da sua filha Maria Celeste, que ele continuou suas
experiências e publicou seu melhor trabalho científico: Discorsi e dimostrazioni matematiche,
intorno à due nuove scienze. Por fim, Galileu morreu tranquilamente com a
idade madura de 77 anos.
Tal
como o filósofo Alfred North Whitehead escreveu: “Numa geração que viu a Guerra
dos Trinta Anos, e se lembrou [do Duque] de Alva na Holanda, a pior coisa
que aconteceu a um homem da ciência foi que Galileu sofreu uma detenção
honrada e uma repreensão suave antes de morrer em paz na sua própria cama.”
Tal
como diria Paul Harvey, agora sabemos o resto da história.
Momento de aprendizagem
–
O que se pode reter da história envolvendo Galileu? O que se pode aprender é
que ela providencia lições diferentes para grupos diferentes:
-
Para os cientistas, essa história demonstra que se você esta de acordo com a
maior parte dos seus colegas, quase com certeza será esquecido ao mesmo tempo
que a história se lembrará de um rabugento qualquer.
-
Para os proponentes de posições não consensuais (por exemplo, céticos do
aquecimento global, teóricos do Design Inteligente, etc.), ela ensina que
alegar que a sua teoria está correta não é substituto para a apresentação
de experiências e dados (mesmo que se esteja certo).
-
Para as pessoas agressivamente autoconfiantes, a lição a aprender é que às
vezes ser persistente e acreditar no que se diz pode causar problemas.
-
Para os católicos, a história de Galileu ensina que não se deve insultar o papa
(muito menos quando existe uma Inquisição).
Desconfio
que muitas outras lições podem ser aprendidas dessa história, mas acho que a
verdadeira moral não é tanto aquela que se encontra dentro dela, mas, sim, no
fato de ela precisar ser contada. Embora eu tenha ouvido essa história
pela primeira vez quando me encontrava na escola primária, só muito depois de
me ter licenciado é que finalmente aprendi a verdade.
Sem
dúvida que há pessoas que estão agora mesmo conhecendo dos detalhes da história
pela primeira vez. Como isso é possível? Desconfio que seja porque, durante
muitos séculos, pessoas tais como Bertrand Russell, George Bernard Shaw, Carl
Sagan, Bertolt Brecht e as Indigo Girls têm passado o mito de geração em
geração. Não acredito que alguns deles estivesse mentindo intencionalmente.
De
fato, tenho sérias duvidas de que algum deles se tenha dado ao trabalho de
investigar os fatos. Eles nem tinham necessidade de fazer isso, visto que a
história oficial estava de acordo com o que eles já acreditavam – que a ciência
e a religião são inimigos naturais –, e isso é tudo o que eles precisavam saber.
Seria
bem fácil desfrutar tal credulidade e preguiça intelectual, mas a verdade é que
muito provavelmente eu também sou culpado do mesmo com relativa frequência.
Talvez seja pelo fato de eu ser jornalista (mais ou menos) e estar mais
disposto a acreditar na versão mais interessante da história. Como editor de um
jornal, favoreci Davi sobre Golias, mesmo quando o poderoso Filisteu era
mais crível que a pessoa a atirar as pedras. “Rapaz pastor mata gigante poderoso” sempre
é um título melhor de jornal.
No
entanto, como cristão, não tenho a opção de favorecer a posição que irá vender
mais jornais. Em vez disso, minha obrigação é me colocar do lado da verdade.
Quando me deparo com uma história que se ajusta com os meus planos, é meu dever
investigar todos os fatos relevantes antes de aceitá-la como um evangelho.
Nem
sempre posso ter a certeza absoluta sobre em que lugar a verdade se encontra,
mas uma coisa é certa: é aí que Deus estará.
(First Things, via
Darwinismo)