sexta-feira, agosto 01, 2014

O templo da Universal e seu “judaísmo” contraditório

O templo custou R$ 680 milhões
Por que os neopentecostais são apaixonados pelo que os cristãos chamam de “Velho Testamento”? O termo, recusado pelos judeus, que usam “Tanach” para o cânone hebraico, ou “Bíblia Hebraica”, no rastro do crítico literário judeu americano Harold Bloom, reúne o conjunto de textos que vem antes do Novo Testamento. Neste, Jesus, o Messias dos cristãos, anuncia a “nova aliança” do Deus de Israel com a humanidade, diferente da “antiga aliança”, que seria apenas com o povo eleito, os hebreus. Salomão foi um dos mais importantes reis hebreus. A diferença de terminologia para se referir a esse conjunto de textos não é mero detalhe de um obcecado por estudos bíblicos, mas encerra em si um equívoco, do ponto de vista judaico, do que significa a chamada “eleição do povo de Israel”. De certa forma, grande parte do cristianismo compreende a eleição de Israel de um modo equivocado. A eleição é uma responsabilidade, um peso, não a escolha de um caçulinha mimado fadado ao sucesso. Aqui nasce o equívoco e, ao mesmo tempo, a paixão neopentecostal pelo Velho Testamento.

O “Templo de Salomão” construído pela Igreja Universal do Reino de Deus, é uma peça de fé, não uma reconstrução arqueológica, nem precisa ser, uma vez que estamos falando de religião, instituição que nada tem a ver com as demandas de uma ciência como a arqueologia.

O templo original, supostamente construído [sic] pelo rei Salomão, filho do rei Davi, no século 9º antes de Cristo, teria sido destruído por volta 586 a.C. Pesquisas arqueológicas situam os fragmentos encontrados no Monte do Templo, que poderiam ser da primeira sede do culto hebraico antigo, cerca de 3.000 anos atrás, o que coincide com a vida do personagem bíblico em questão.

Mas, de onde vem essa paixão? Vem do fato de que os neopentecostais (que se diferenciam dos seus “antepassados” pentecostais pelo forte caráter de “espetáculo para as massas” nos cultos) leem a relação entre o Deus de Israel e seu povo eleito numa chave mágica. Os fatos narrados no “Tanach” (Velho Testamento) indicam uma forte presença de Deus nos destinos do povo, alterando círculos naturais, criando forças a favor do povo, enfim, fundando um mundo de “milagres”.

Daí que, revivendo o Templo de Salomão, supostamente, a Igreja Universal dá um importante passo simbólico no sentido de dizer que seus fiéis revivem a relação de povo eleito com seu Deus, Rei do Universo (“Melech HaOlam”). A imagem é forte, temos que reconhecer. Mas, aqui reside a chave da interpretação equivocada que leva a paixão dos neopentecostais por todos os signos veterotestamentários.

O equívoco está no fato de que o mundo mágico [sic] do Velho Testamento é apenas uma pequena parte da eleição de Israel. Mas os neopentecostais parecem crer que essa “mágica israelita” é a base para o sucesso, a felicidade, e, finalmente, para a teologia da prosperidade que marca o movimento neopentecostal. Dito de forma direta: quem vive com o Deus de Israel fica rico e feliz.

Ledo engano, basta ver a história dos judeus e os jornais atuais. A eleição do povo de Israel, para os judeus, significa muito mais que o povo é um povo de sacerdotes, que leva a mão de Deus sobre si, num mundo de agonias, que recusará e odiará esse povo justamente por isso. Não é por outra razão que se chama o massacre de judeus na Segunda Guerra de “Holocausto”. O povo é “um animal do sacrifício”, e cada vez que Deus quiser, Ele o lança ao fogo para “falar” com o mundo.

A eleição de Israel é muito mais um peso do que um ticket para o sucesso. Tem mais a ver com o conflito israelo-palestino, através do qual muitos odeiam Israel, do que com ficar rico e feliz. Se perguntarmos a muitos judeus religiosos em Israel e no mundo, dirão que o desespero que passa Israel hoje, o medo do ódio do mundo e da destruição do Estado de Israel, é mais uma marca da sofrida eleição.

Por isso, não é difícil encontrar judeus que pediriam a Deus, assim como profetas o fizeram, que escolha outro povo para ser Seu eleito, porque Israel já cansou.

(Luiz Felipe Pondé, Folha de S. Paulo)

Macedo e suas indumentárias judaicas; a Lei como enfeite

Nota: Embora não concorde com tudo o que o Pondé escreveu acima, não deixa de ser uma análise interessante. Outra análise que me chamou a atenção foi publicada no Blog do Morris. Vale ler toda, mas destaquei aqui apenas um ponto:

“Por que a indumentária judaica? Não só a Universal como outras igrejas neopentecostais resgatam uma tendência judaizante. Os pentecostais estão muito mais próximos do judaísmo que os católicos. É uma forma de se diferenciarem do arcabouço católico romano que formou a nação brasileira nestes primeiros 500 anos. E o ritual judaico é riquíssimo, ele dá uma liga. O Antigo Testamento é extremamente simbólico e, afinal, constitui aproximadamente ¾ da Bíblia. A Universal utiliza muitos elementos do judaísmo em suas campanhas. Por exemplo, tem a campanha da Pedrinha de Davi, na qual o fiel vai lá na frente, faz uma oferta e ganha uma pedrinha simbolizando Davi. Essa pedrinha supostamente serve para ser usada na hora das dúvidas. O fiel é orientado a pegá-la na mão e orar, em busca de uma solução. Segundo a Bíblia Davi destruiu o inimigo filisteu representado pelo gigante Golias, com apenas três pedrinhas.

“Por que decidiram chamar esse complexo religioso de Templo de Salomão? O cristianismo sai do judaísmo. São muito próximos no começo. Salomão é filho de Davi. O Templo de Salomão foi o primeiro grande templo judaico (o Muro das Lamentações, em Jerusalém, é o que sobrou dele). Segundo a Bíblia, no templo original, havia uma arca de aliança toda de ouro com querubins em cima, e dentro três elementos: as duas tábuas da lei que Moisés recebeu, a vara de Arão (irmão de Moisés), e o maná – o pão que descia do céu durante a travessia no deserto. Isso se perdeu, após a destruição do templo. Mas no templo da Universal, vai ter uma réplica dessa arca.”

Templo de Salomão, para mim, remete também à riqueza acumulada pelo famoso rei de Israel. Seria alguma metáfora do império construído pelo “bispo” Edir Macedo, tantas vezes acusado de falcatruas financeiras (há, inclusive, denúncia de irregularidades no alvará de construção do megatemplo)? Bem, deixemos isso de lado. O fato é que o neojudaísmo da Universal é, no mínimo, contraditório. Eles se apropriam de histórias e símbolos do Antigo Testamento para promover suas “campanhas” invariavelmente ligadas à arrecadação de dinheiro dos fiéis. E agora constroem um templo que contém a arca da aliança. E dentro da arca, o que havia? As tábuas da lei. E nelas, o que estava escrito? Os Dez Mandamentos. E esses, os líderes da Universal vão obedecer e ensinar? Não creio. Assim, a inauguração do “Templo de Salomão” mostra, mais uma vez, que é sempre mais fácil viver de aparências do que ser realmente fiel à Palavra do Deus que expulsou do antigo Templo os vendilhões que haviam transformado o culto em mero espetáculo e negócio abjeto. [MB]