domingo, agosto 03, 2014

O repórter que leu pouco

Repórter: Vocês são sempre lembrados por “Ana Julia”, né?
Amarante: Nem sempre.
Repórter: Te incomoda ser sempre lembrado por “Ana Julia”?
Amarante: Não, porque nem sempre.
Repórter: Porque sempre quando tem “Ana Julia”, tem referência: “Los Hermanos, Ana Julia”...
Amarante: Hã?
Repórter: Sempre tem essa relação, “Ana Julia, Los Hermanos”...
Amarante: Ah, é uma música nossa, né? Por isso tem relação... Você queria saber o que mesmo?
Repórter: Se incomoda vocês serem sempre lembrados por “Ana Julia”.
Amarante: Não, porque não é sempre que a gente é lembrado por “Ana Julia”. Você vai ver, hoje a gente não vai tocar “Ana Julia”.
Repórter: Mas sempre a galera pede.
Amarante: Não.
Repórter: Não pede?
Amarante: Não... Você já foi no show do Los Hermanos?
Repórter: Não.
Amarante: Ah... e esse “sempre” vem da onde?
Repórter: Do que eu li.
Amarante: Ah...
Repórter: Então, pelo jeito, incomoda!
Amarante: Não. O que incomoda é o jornalismo - como é que eu vou dizer? - preguiçoso, assim, de não saber o que perguntar, e perguntar qualquer coisa. “Ah, incomoda...?”, um Jornalismo baseado na polêmica, sabe? É muito comum hoje em dia a polêmica ser a tônica do jornalismo. Eu, particularmente, acho que o trabalho do jornalista é muito importante, é assim, como o trabalho de uma pessoa pública, do governo, do Estado. Tem uma responsabilidade, um papel importante. As pessoas leem ou ouvem o que vocês fazem e tomam como verdade, como uma coisa feita com critério. E isso influencia a opinião das pessoas por aí. Então, esse tipo de pergunta assim, leviana, sem uma profundidade, acaba levando as pessoas a terem uma impressão errada, que é essa, de que incomoda a gente a “Ana Julia”. Pelo contrário: a gente adora a música, tem tocado em muitos festivais e nunca tivemos problemas com isso. Só que é comum as pessoas acharem que fazer sucesso é uma coisa ruim, negativa. Porque “ah, não, se faz sucesso então não deve ser bom”. E isso é uma ingenuidade, tanto da imprensa, quanto das pessoas, de achar que se tornar público ou ser muito conhecido é uma coisa ruim. Acho que é ruim para quem é fraco e tem medo de perder isso. A gente nunca teve isso. A gente faz música com o coração, da forma como a gente sabe fazer. Então, “Ana Julia” foi feita da mesma forma, a gente adora a música. As pessoas se incomodam é com a gente ter feito sucesso, isso sim.
Repórter: Minha pergunta é assim... não é nada contra, nunca assisti o show, mas é pelo fato de eu já ter lido sobre isso.
Amarante: Eu acho que você leu... pouco. Desculpa a sinceridade.

Nota: Não “curto” o estilo de música dessa banda, mas gostei muito da resposta do cantor ao repórter superficial. Essa entrevista, realizada em uma coletiva de imprensa no Festival de Inverno de Vitória da Conquista, é ilustrativa de outros tipos de cobertura, como a da controvérsia entre criacionismo e evolucionismo, por exemplo, em que os repórteres e editores deixam claros seus preconceitos, não leem o suficiente e não fazem as perguntas certas. [MB]