Grande esforço para negar o óbvio |
[A
propósito da entrevista com o ateu militante Sam Harris, publicada no site da revista Veja, o amigo Frank Mangabeira escreveu o texto as seguir para este blog.] Se um
ateu, um agnóstico ou qualquer pessoa indiferente a assuntos religiosos pudesse
fazer uma oração, talvez seria esta: “Deus, que Tu existas!” É a impressão que
me vem à mente neste clima de “morte de Deus”, tão hegemônico na academia e nos
círculos intelectuais ateus. Foi também a sensação que tive ao ler O Espírito do Ateísmo, do filósofo André
Comte-Sponville – pequena obra em que o conhecido autor discorre acerca de uma
espiritualidade não religiosa, uma “mística ateia”. Essa é a nova proposta de “transcendência”
que surge como um tipo de consolação amenizadora da cinzenta e fria visão de
mundo propugnada pelo “espírito do ateísmo”. Satisfaz? É a pergunta. Acho meio
difícil. Que os ateus (como o radical Sam Harris e cia, ou os mais “espiritualizados”
e tolerantes, à maneira de Sponville e Alain de Botton) o digam. A prova da
experiência terá a palavra final.
Conforme
o conceito de Rahner, “em cada ser humano existe uma carência pelo existencial
sobrenatural e esse é o princípio fenomenológico da fé. Nessa concepção, há um
vazio com a forma de Deus no coração dos seres humanos. Quando esse vazio não é
preenchido por Ele, a tendência é preenchê-lo com elementos alternativos que
não satisfazem cabalmente a necessidade humana”. Ou na expressão do escritor
russo Dostoievski: “O homem não pode viver sem se ajoelhar. Não o poderia
suportar. Ninguém seria capaz disso. Se rejeita Deus, ajoelhar-se-á diante de
um ídolo de lenho ou de ouro, ou um ídolo imaginário.”
O
Homo sapiens, essencialmente Homo religiosus, parece sentir
“saudades” do Ser, ao mesmo tempo em que foge dEle. Como diria uma amiga
filósofa: “Eu acho graça dos ateus que buscam sentido para suas reflexões na
repetição deste mantra: ‘Deus não existe.’ Eles são semelhantes à criança que,
no final do passeio no parque, no meio da multidão, larga a mão do pai; e ao
ser questionada por outro adulto: ‘Cadê seu pai?’, ela mente dizendo: ‘Estou só.’
No entanto, não consegue se entregar às brincadeiras, pois perde tempo se
esgueirando para não se encontrar com o pai, ao mesmo tempo em que tem medo de
perdê-lo de vista para não ficar realmente só.”
A
meu ver, ateísmo nada mais é do que uma fuga do Absoluto sobrenatural, mas, ao
mesmo tempo, uma forma estranha de não se fugir dele. As afirmações enfáticas
sobre a inexistência de Deus não são mais do que sintomas dessa maneira
paradoxal de buscá-Lo, negando-O. Os ateus, por meio da transcendência da
consciência, deveriam reconhecer nessa “voz” a presença ignorada de Deus.
Alguns já reconheceram; outros continuam lutando contra, largando a mão do Pai.
“DEle
fugi, noites e dias adentro;
DEle fugi, pelos arcos dos anos;
DEle fugi, pelos caminhos dos labirintos
De minha própria mente; e no meio de lágrimas
DEle me ocultei, e sob riso incessante.
Por sobre esperanças panorâmicas corri;
E lancei-me, precipitado,
Para baixo de titânicas trevas de temores
abissais,
Para longe daqueles fortes Pés que seguiam,
seguiam após mim.
Mas com desapressada perseguição,
E com inabalável ritmo,
Deliberada velocidade, majestosa urgência,
Eles marcavam os passos – e uma Voz insistia
Mais urgente que os Pés –
‘Todas as coisas traem a ti, que traíste a Mim.’
[...]
Meu
Deus, Tu não sabes
O
quão pouco digno de qualquer amor Tu és!
A
quem encontrarás que Te ame, ignóbil,
Salva-me,
salva só a mim?
[...]
Tudo
o que tirei de ti, obstante tirei,
Não
por tuas injúrias,
Mas
para que tão somente pudesses buscá-lo em Meus
braços...
Levanta-te,
segura a Minha mão, e vem!”
(Francis Thompson)