Não foi uma boa ideia |
Em
13 de novembro último, o deputado pastor Marco Feliciano [foto] enviou ao Congresso
Nacional o Projeto de Lei 8099/2014 no qual “ficam inseridos na grade
curricular das Redes Pública e Privada de Ensino, [sic] conteúdos sobre
Criacionismo”. Na justificativa ao projeto de lei, o deputado Feliciano invoca
a necessidade de que a escola providencie possibilidade para que os estudantes
travem contato com a ideia de criacionismo, supostamente defendida pelas
religiões brasileiras. Respeitando as opiniões pautadas em crenças, a Diretoria
da Sociedade Brasileira de Física manifesta seu total desacordo com tal projeto
de lei, pelo entendimento de que questões de crença não cabem no currículo no
âmbito de qualquer rede de ensino.
Cientificismo
não é o mesmo que ciência. O primeiro tem caráter de crença incondicional ao
que a ciência propaga. Já ciência faz parte do conhecimento da humanidade,
incorporando propostas de seres humanos.
Em
nada o ensino de teorias como o Big Bang e a Evolução das Espécies invalida ou
impossibilita crenças na existência de um criador, o que, segundo o deputado
Feliciano, representaria uma justificativa à inserção do criacionismo como
tópico curricular. Ao contrário, as
referidas teorias, bem como qualquer outra teoria científica, baseiam-se em
resultados demonstrados e/ou comprovados experimentalmente e oferecem
conhecimento sobre os fenômenos naturais assim estudados.
A
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec) e a
Associação Brasileira de Ensino de Biologia (Sbenbio) manifestam seu repúdio ao
projeto de lei criado pelo deputado pastor Marco Feliciano em que ele propõe o
ensino do criacionismo nas escolas públicas. O projeto de lei 8099/2014.
Elas
destacam primeiramente o conflito dessa proposta com a lei da laicidade em
nosso país, já que a proposta do deputado tem como intuito expor o ponto de vista de uma única religião. Nesse caso, todas as
vertentes religiosas deveriam ser ensinadas ou nenhuma delas. Feliciano também
alegou que a teoria da evolução seria um tipo de crença e, sendo assim, seu
ensino estaria ferindo a laicidade, o que obviamente só mostra como ele está
equivocado.
Ambas
as associações deixam bem claro o valor científico da evolução, sendo algo
desonesto considerá-la uma crença: “Ao contrário do que está exposto no PL
8099/2014, a ‘teoria do evolucionismo’
NÃO é uma crença e, portanto, não tem fundamento dizer que ‘ensinar apenas
a teoria do evolucionismo nas escolas é violar a liberdade de crença’.”
Para
finalizar, elas esclarecem, como já sabemos, que esse tipo de atitude não é uma
busca de debate ou alguma proposta voltada a contribuir para o enriquecimento
das pesquisas científicas; trata-se apenas do proselitismo religioso e de interesses
políticos. Sendo assim, elas encerram o manifesto com a seguinte declaração:
“Pelos
motivos acima expostos, o projeto de lei apresentado pelo deputado Marco
Feliciano representa uma tentativa de ingerência indevida do proselitismo
religioso na educação básica pública e privada. Nós, professores e
pesquisadores que trabalhamos com o ensino de Ciências, envolvidos
verdadeiramente em todos os debates relacionados à sua construção e diálogo com
outras perspectivas, só podemos rejeitá-lo.”
Nota:
Conforme já expus aqui, posiciono-me ao lado da Sociedade Criacionista Brasileira contrariamente ao
ensino do criacionismo nas escolas públicas. Mas gostaria de comentar apenas os
trechos que grifei acima, em ambas as declarações:
1.
“...as referidas teorias [evolução], bem como qualquer outra teoria científica,
baseiam-se em resultados demonstrados e/ou comprovados experimentalmente.” Isso
não é de todo verdadeiro. No que diz respeito à chamada microevolução
(diversificação de baixo nível), às mutações e à seleção natural, pode ser. São
aspectos observáveis da teoria da evolução (micro). Mas as alegações macro do modelo
não podem nem jamais poderão ser testadas ou observadas. Geralmente se fazem
por meio de extrapolações hipotéticas ou de modelos computacionais, que
dependem da alimentação de dados feita por seres humanos bem inteligentes.
Afinal, como “testar” a origem da vida (tá, eu sei, Darwin não estava necessariamente
preocupado com isso; mas seus seguidores vivem falando disso), sendo que esse
evento teria ocorrido bilhões de anos atrás? Como observar processos que,
segundo alegam, levam milhões de anos para se processar? Queiram admitir ou
não, macroevolução e origem da vida estão mais no campo da filosofia
(naturalismo filosófico) do que no da ciência experimental. Portanto, macroevolução
também não deveria ser ensinada em aulas de ciências, afinal, a ciência
aplicada depende de observação e experimentação.
2.
“...expor o ponto de vista de uma única religião.” Na verdade, o conceito de
criacionismo vem da Bíblia, não de “uma única religião” (os muçulmanos também
creem nisso, mas seu Alcorão é muito mais recente que as Escrituras judaico-cristãs).
Corretamente compreendida, a Bíblia apresenta a criação da vida realizada em
seis dias literais de 24 horas, há não muitos milênios atrás. Os patriarcas
criam assim. Os profetas ensinavam assim. Jesus e os discípulos, idem.
Independentemente do que líderes religiosos modernos (como o papa) queiram dizer, a Bíblia e seus autores são criacionistas.
3.
“...a ‘teoria do evolucionismo’ NÃO é uma crença.” Pode não ser, realmente, mas
se trata de uma cosmovisão que vai além do aspecto científico puro e simples.
Como já disse, existe um componente filosófico no modelo (naturalismo
filosófico). Se o assunto fosse tratado com a devida seriedade, o correto seria
desmembrar a teoria da evolução e ensinar uma parte dela nas aulas de ciências
e a outra nas de filosofia. Se isso fosse feito, aí, talvez, o criacionismo
também pudesse ser ensinado, em parte, nas aulas de ciência e nas de religião.
Mas não creio que os signatários das duas declarações acima, nem o governo, nem
quase ninguém queira se dar a esse trabalho. Melhor mesmo é generalizar tudo,
tratar as coisas de maneira superficial e simplificada, e continuar passando a
ideia de que evolução é igual a ciência e criacionismo é igual a religião. É
mais fácil assim. [MB]