segunda-feira, dezembro 01, 2014

SBF, Abrapec e Sbenbio são contra o ensino do criacionismo

Não foi uma boa ideia
Em 13 de novembro último, o deputado pastor Marco Feliciano [foto] enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 8099/2014 no qual “ficam inseridos na grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino, [sic] conteúdos sobre Criacionismo”. Na justificativa ao projeto de lei, o deputado Feliciano invoca a necessidade de que a escola providencie possibilidade para que os estudantes travem contato com a ideia de criacionismo, supostamente defendida pelas religiões brasileiras. Respeitando as opiniões pautadas em crenças, a Diretoria da Sociedade Brasileira de Física manifesta seu total desacordo com tal projeto de lei, pelo entendimento de que questões de crença não cabem no currículo no âmbito de qualquer rede de ensino.

Cientificismo não é o mesmo que ciência. O primeiro tem caráter de crença incondicional ao que a ciência propaga. Já ciência faz parte do conhecimento da humanidade, incorporando propostas de seres humanos.

Em nada o ensino de teorias como o Big Bang e a Evolução das Espécies invalida ou impossibilita crenças na existência de um criador, o que, segundo o deputado Feliciano, representaria uma justificativa à inserção do criacionismo como tópico curricular. Ao contrário, as referidas teorias, bem como qualquer outra teoria científica, baseiam-se em resultados demonstrados e/ou comprovados experimentalmente e oferecem conhecimento sobre os fenômenos naturais assim estudados.


A Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec) e a Associação Brasileira de Ensino de Biologia (Sbenbio) manifestam seu repúdio ao projeto de lei criado pelo deputado pastor Marco Feliciano em que ele propõe o ensino do criacionismo nas escolas públicas. O projeto de lei 8099/2014.

Elas destacam primeiramente o conflito dessa proposta com a lei da laicidade em nosso país, já que a proposta do deputado tem como intuito expor o ponto de vista de uma única religião. Nesse caso, todas as vertentes religiosas deveriam ser ensinadas ou nenhuma delas. Feliciano também alegou que a teoria da evolução seria um tipo de crença e, sendo assim, seu ensino estaria ferindo a laicidade, o que obviamente só mostra como ele está equivocado.

Ambas as associações deixam bem claro o valor científico da evolução, sendo algo desonesto considerá-la uma crença: “Ao contrário do que está exposto no PL 8099/2014, a ‘teoria do evolucionismo’ NÃO é uma crença e, portanto, não tem fundamento dizer que ‘ensinar apenas a teoria do evolucionismo nas escolas é violar a liberdade de crença’.”

Para finalizar, elas esclarecem, como já sabemos, que esse tipo de atitude não é uma busca de debate ou alguma proposta voltada a contribuir para o enriquecimento das pesquisas científicas; trata-se apenas do proselitismo religioso e de interesses políticos. Sendo assim, elas encerram o manifesto com a seguinte declaração:

“Pelos motivos acima expostos, o projeto de lei apresentado pelo deputado Marco Feliciano representa uma tentativa de ingerência indevida do proselitismo religioso na educação básica pública e privada. Nós, professores e pesquisadores que trabalhamos com o ensino de Ciências, envolvidos verdadeiramente em todos os debates relacionados à sua construção e diálogo com outras perspectivas, só podemos rejeitá-lo.”


Nota: Conforme já expus aqui, posiciono-me ao lado da Sociedade Criacionista Brasileira contrariamente ao ensino do criacionismo nas escolas públicas. Mas gostaria de comentar apenas os trechos que grifei acima, em ambas as declarações:

1. “...as referidas teorias [evolução], bem como qualquer outra teoria científica, baseiam-se em resultados demonstrados e/ou comprovados experimentalmente.” Isso não é de todo verdadeiro. No que diz respeito à chamada microevolução (diversificação de baixo nível), às mutações e à seleção natural, pode ser. São aspectos observáveis da teoria da evolução (micro). Mas as alegações macro do modelo não podem nem jamais poderão ser testadas ou observadas. Geralmente se fazem por meio de extrapolações hipotéticas ou de modelos computacionais, que dependem da alimentação de dados feita por seres humanos bem inteligentes. Afinal, como “testar” a origem da vida (tá, eu sei, Darwin não estava necessariamente preocupado com isso; mas seus seguidores vivem falando disso), sendo que esse evento teria ocorrido bilhões de anos atrás? Como observar processos que, segundo alegam, levam milhões de anos para se processar? Queiram admitir ou não, macroevolução e origem da vida estão mais no campo da filosofia (naturalismo filosófico) do que no da ciência experimental. Portanto, macroevolução também não deveria ser ensinada em aulas de ciências, afinal, a ciência aplicada depende de observação e experimentação.

2. “...expor o ponto de vista de uma única religião.” Na verdade, o conceito de criacionismo vem da Bíblia, não de “uma única religião” (os muçulmanos também creem nisso, mas seu Alcorão é muito mais recente que as Escrituras judaico-cristãs). Corretamente compreendida, a Bíblia apresenta a criação da vida realizada em seis dias literais de 24 horas, há não muitos milênios atrás. Os patriarcas criam assim. Os profetas ensinavam assim. Jesus e os discípulos, idem. Independentemente do que líderes religiosos modernos (como o papa) queiram dizer, a Bíblia e seus autores são criacionistas.

3. “...a ‘teoria do evolucionismo’ NÃO é uma crença.” Pode não ser, realmente, mas se trata de uma cosmovisão que vai além do aspecto científico puro e simples. Como já disse, existe um componente filosófico no modelo (naturalismo filosófico). Se o assunto fosse tratado com a devida seriedade, o correto seria desmembrar a teoria da evolução e ensinar uma parte dela nas aulas de ciências e a outra nas de filosofia. Se isso fosse feito, aí, talvez, o criacionismo também pudesse ser ensinado, em parte, nas aulas de ciência e nas de religião. Mas não creio que os signatários das duas declarações acima, nem o governo, nem quase ninguém queira se dar a esse trabalho. Melhor mesmo é generalizar tudo, tratar as coisas de maneira superficial e simplificada, e continuar passando a ideia de que evolução é igual a ciência e criacionismo é igual a religião. É mais fácil assim. [MB]