segunda-feira, janeiro 25, 2016

Mitos de criação: verdades e mentiras

Mito egípcio da criação
A Bíblia pinta o quadro da criação e da queda de forma simples e direta. E se os primeiros capítulos de Gênesis fossem aceitos como relato histórico fidedigno, muitas dúvidas a respeito dos efeitos da maldade sobre o mundo e mesmo sobre o caráter de Deus seriam desfeitas. Afinal, como explicar a existência da morte, das doenças, das tragédias, da violência e de todas as mazelas que parecem fazer parte inerente da história da humanidade? Como aceitar que um Deus de amor crie flores e espinhos? Como aceitar que, para sobreviver, animais tenham que se alimentar uns dos outros? Teriam a cadeia alimentar e a morte sido criadas como elementos constitutivos normais da criação de Deus? Difícil aceitar essas contradições e fácil entender por que muitos acabam enveredando pelos caminhos do ceticismo e do ateísmo.

Mas por que será que essa resistência quanto à historicidade do livro bíblico de Gênesis tem se intensificado cada vez mais? É comum ver livros, artigos, filmes e estudiosos de diversas áreas – inclusive teólogos – apresentando o relato da Criação como uma alegoria ou “conto da carochinha”. Na verdade, Satanás vem preparando o terreno para isso faz muito tempo. E começou com os chamados mitos de criação.

Quando se analisam os relatos de culturas antigas a respeito da criação do mundo, logo de início se pode perceber a diferença entre eles e o texto bíblico sobre as origens. Veja alguns desses relatos mitológicos:

Após Anu ter criado os céus,
E os céus terem criado a terra,
E a terra ter criado os rios,
E os rios terem criado os canais,
E os canais terem criado o pântano,
E o pântano ter criado o verme,
O verme procurou Shamash chorando,
Suas lágrimas se derramando diante de Ea:
“O que me darás como comida,
O que me darás para beber?”
“Eu te darei o figo seco
E o damasco.”
“O que representam eles para mim? O figo seco
E o damasco!
Eleve-me, e entre os dentes
E as gengivas deixe-me morar!...”
Por teres dito isto, ó verme,
Possa Ea destruir-te com a força da
Sua mão!

Esse texto faz parte de um encantamento contra o verme que os assírios de 1000 a.C. imaginavam que provocava a dor de dente. Ele começa com a origem do Universo e termina com a “cura” da dor de dente.

Agora leia estes outros:

Os primeiros homens criados e formados foram chamados de Feiticeiros do Riso Fatal, Feiticeiros da Noite, Os Desleixados e Feiticeiros Negros... Foram dotados de inteligência e sabiam tudo o que havia no mundo. Quando olhavam, viam instantaneamente tudo ao redor, e eles contemplaram a volta do arco dos céus e da face arredondada da terra... [Então o criador disse]: ‘Eles sabem tudo... o que deveremos fazer com eles agora? Deixe que a visão deles alcance somente uma pequena parte da face da terra! [...] Não são eles, pela própria natureza, simples criaturas resultantes de nosso trabalho? Deverão ser deuses também? (Popol Vuh dos Maias Quiché).

“O que são vocês? De onde vieram? Nunca vi algo como você.” O criador Raven olhou para o homem e ficou... surpreso em descobrir que aquele novo ser estranho era muito parecido com ele (Mito esquimó da criação).

Na Arean estava sozinho no espaço como uma nuvem que flutua no nada. Não dormia porque não havia sono, não estava faminto porque não havia fome. Assim permaneceu por muito tempo, até que veio um pensamento à sua mente. Disse a si mesmo: “Eu farei uma coisa” (Mito do Maiana, Ilhas Gilbert).

No início esse [Universo] não existia. De repente, ele passou a existir, transformando-se em um ovo. Depois de um ano incubando, o ovo chocou. Uma metade da casca era de prata, a outra, de ouro. A metade de prata transformou-se na terra; a metade de ouro, no firmamento. A membrana da clara transformou-se nas montanhas; a membrana mais fina, em torno da gema, em nuvens e neblina. As veias viraram rios; o fluido que pulsava nas veias, oceano. E então nasceu Aditya, o Sol. Gritos de saudação foram ouvidos, partindo de tudo que vivia e de todos os objetos do desejo. E desde então, a cada nascer do Sol, juntamente com o ressurgimento de tudo que vive e de todos os objetos do desejo, gritos de saudação são novamente ouvidos (Chandogya Upanisad, III, 19 [hinduísmo]).

Primeiro havia o grande ovo cósmico; dentro do ovo era o caos, e flutuando no caos estava P’an Ku, o Não Desenvolvido, o divino Embrião. E P’an Ku brotou do ovo, quatro vezes maior do que qualquer homem de hoje, com um martelo e um cinzel em suas mãos, com os quais moldou o mundo (Mito de P’an Ku, China [por volta do século 3]).

A criação do mundo não terminou até que P’an Ku morreu. Somente sua morte pôde aperfeiçoar o Universo: de seu crânio surgiu a abóbada do firmamento, e de sua pele a terra que cobre os campos; de seus ossos vieram as pedras, de seu sangue, os rios e os oceanos; de seu cabelo veio toda a vegetação. Sua respiração se transformou em vento, sua voz, em trovão; seu olho direito se transformou na Lua, seu olho esquerdo, no Sol. De sua saliva e suor veio a chuva. E dos vermes que cobriam seu corpo surgiu a humanidade (Mito de P’an Ku, China [por volta do século 3]).

Embora seja um erro usar valores e símbolos de nossa própria cultura na interpretação de mitos de outras culturas, há detalhes que se repetem nos diversos mitos e que é impossível passar por alto. Invariavelmente, os mitos fazem referência a deidades limitadas, que por vezes não sabem exatamente o que fazem, criam as coisas por acidente ou até morrem. Noutros casos, os deuses são violentos, vingativos e cheios de paixão (como os deuses do panteão grego, por exemplo). Há mitos que mencionam animais falando e coisas inanimadas dando origem espontaneamente à vida, isso quando a própria natureza, ou elementos dela, não são divinizados, conforme escreveu Marcelo Gleiser, em seu livro A Dança do Universo, página 20:

“Os pormenores desse processo de deificação da natureza variam de acordo com a localização, clima ou com o grau de isolamento de um determinado grupo. Em certas culturas, vários deuses controlavam (ou até personificavam) as diferentes manifestações naturais, enquanto em outras a própria natureza era divina, a ‘deusa-mãe’. Rituais e oferendas procuravam conquistar a simpatia divina, garantindo assim a sobrevivência do grupo.”

Sem querer fazer uma análise do ponto de vista da antropologia cultural (deixemos isso para os antropólogos), quero apenas ressaltar que, à medida que o tempo passava e as comunidades humanas se espalhavam a partir do ponto de origem, os relatos a respeito da criação iam tomando contornos próprios e incorporando elementos que, comparados ao relato bíblico, soam bastante estranhos. (Embora praticamente todos os mitos concordem num ponto: o Universo teve um início.)

Apesar das discrepâncias, há também coincidências que surpreendem. Em meu livro Por Que Creio (CPB), publiquei uma entrevista com o doutor em Teologia e Arqueologia Rodrigo Pereira da Silva. Nela, Rodrigo mostra algumas dessas “coincidências” impressionantes. Ele aponta documentos como o Enuma Elish, o Épico de Atrahasis e o Épico de Gilgamesh como tendo fortes paralelos com a descrição bíblica da criação do mundo, a queda do ser humano e a vinda de um dilúvio sobre a Terra. Especialmente com relação ao Enuma Elish e o Gênesis, há a seguinte relação de paralelos: (1) em ambos os livros a água está presente nos estágios iniciais da Criação; (2) no Enuma Elish, a luz emana dos deuses, enquanto no Gênesis é Yahweh quem a cria; (3) o firmamento é criado; (4) aparecem as terras secas; (5) as luminárias celestiais são estabelecidas; (6) o homem é criado no sexto dia, enquanto no Enuma Elish a Criação é descrita no tablete número 6; e (7) no Enuma Elish os deuses descansam após a Criação e a celebram, enquanto no Gênesis, Deus também “descansa” no sétimo dia e celebra a Criação.

“Por causa dessas similaridades, alguns historiadores têm sugerido que o relato bíblico não passa de um plágio de documentos mais antigos. Entretanto, as diferenças (que são muito mais significativas que as similaridades) fazem supor não uma cópia de material, mas antes uma referência múltipla aos mesmos eventos”, comenta Rodrigo.

K. A. Kitchen escreveu, em Ancient Orient and Old Testament: “A suposição comum de que este relato [bíblico] é simplesmente uma versão simplificada de lendas babilônicas é um sofisma em suas bases metodológicas. No antigo Oriente Próximo, a regra é que relatos e tradições podem surgir (por acréscimo ou embelezamento) na elaboração de lendas, mas não o contrário. No antigo Oriente, as lendas não eram simplificadas para se tornar pseudo-história, como tem sido sugerido para o Gênesis.”

Muitos pesquisadores, como Levi Strauss, que consideram o relato da criação mero mito, admitiram que grande surpresa e perplexidade surgem do fato de que esses temas básicos para os mitos da criação são mundialmente os mesmos em diferentes áreas do globo.

A. G. Rooth analisou cerca de 300 mitos de criação encontrados entre tribos indígenas norte-americanas e concluiu que, a despeito de certa variação de costumes e outros fatores culturais, os mais variados grupos concordam em alguns temas principais. Por que essas similaridades de ideias míticas e imagens abundam em culturas tão distantes umas das outras? Rodrigo responde: “A resposta, creio, não poderia ser outra senão a de que todas as tradições se encontram num mesmo evento real que, de fato, ocorreu em algum ponto da história antiga. Esse evento tem que ver com uma criação divina do planeta Terra e uma conseguinte queda moral da humanidade, que então se coloca à espera da redenção prometida.”

As similaridades dos mitos, portanto, apontam para o mesmo evento: a criação do mundo por uma Divindade. As diferenciações, “floreios” e distorções ficam por conta dos homens que se encarregaram de redigir suas versões da história da criação. E é aqui que começa o problema.

Acredito que tenha havido um dedo do inimigo de Deus aí. E como tudo o que ocorre neste mundo tem relação direta ou indireta com o grande conflito cósmico entre o bem e o mal, não seria demais supor que Satanás ajudou a difundir as mais absurdas ideias sobre a origem do Universo e da vida. Assim, numa era mais esclarecida, fundamentada no pensamento científico, nivelar os mitos de criação com o relato de Gênesis seria algo quase inevitável. E foi, de fato, o que ocorreu.

Mas qual é o interesse do inimigo nisso? Simples. O livro de Gênesis é a base de toda a cosmovisão do cristianismo, bem como do judaísmo e do islamismo, religiões que, juntas, abarcam grande parte da população mundial. Especialistas em Novo Testamento dizem que a doutrina de Cristo está edificada sobre a revelação do Antigo Testamento, que, por sua vez, repousa inteiramente sobre o relato de Gênesis. Se a história da queda não aconteceu de fato, Adão e Eva não cometeram pecado e não havia do que a humanidade ser salva. Assim, a crença na morte expiatória de Cristo perde completamente seu significado. Você compreende as implicações? Entende por que modelos científico-filosóficos como o evolucionismo ganharam tanto espaço, especialmente entre as culturas de formação judaico-cristã? Entende por que o ceticismo, o materialismo e o ateísmo avançaram tanto? Minimizando o relato da criação de Gênesis e igualando-o aos demais mitos das culturas ancestrais, Satanás conseguiu fazer com que as pessoas considerassem a Bíblia um alicerce frágil, incapaz de prover respostas para as grandes questões sobre a origem de tudo.

Satanás sabe que Deus é o Criador todo-poderoso que pode, pelo mesmo poder que trouxe tudo do nada à existência, recriar o ser humano pecador à Sua imagem. Sabe que homens e mulheres só podem ser plenamente realizados numa relação de amizade e comunhão com seu Criador; por isso faz de tudo para que as pessoas se afastem do único caminho que pode torna-las verdadeiramente felizes. 

Com os diferentes mitos de criação, o inimigo de Deus começou a preparar o palco chamado Terra para seus diabólicos atos seguintes, sempre com o mesmo objetivo: afastar homens e mulheres do Criador e de Sua revelação escrita, distorcendo-Lhe o caráter e arrebanhando mais e mais figurantes para sua peça macabra.

Não se esqueça: o anjo caído é um grande estrategista. Seus planos vêm sendo arquitetados há muito tempo, e logo chegarão a um desfecho. Precisamos estar apercebidos disso.

Declarações bíblicas sobre a criação

“Tu, Senhor, no princípio fundaste a Terra, e os Céus são obra de Tuas mãos” (Hebreus 1:10). Paulo, aqui, reafirma o que Moisés já havia escrito muito tempo antes: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1:1).

“Só Tu és Senhor, Tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e Tu os preservas a todos com vida” (Neemias 9:6). A Bíblia afirma que Deus não “apenas” criou o Universo, como também o mantém. Se a Terra permanece orbitando em torno do Sol, assim como os demais planetas; se a atmosfera terrestre, com seus gases na proporção exata para a manutenção da vida, se mantém em torno do planeta, sem se dissipar no vácuo sideral; se você está respirando e pensando neste exato momento; lembre-se: tudo isso ocorre porque Deus assim o quer.

“Faça perguntas às aves e aos animais, e eles o ensinarão. Peça aos bichos da terra e aos peixes do mar, e eles lhe darão lições. Todas essas criaturas sabem que foi a mão do Deus Eterno que as fez” (Jó 12:7-9 BLH). Numa linguagem poética, Moisés está aqui apontando uma ironia: o ser mais inteligente da Terra parece (ou quer) ignorar algo que até os animais, ditos irracionais, de alguma forma sabem – que Deus os trouxe à existência.

“Pela fé entendemos que o Universo pela palavra de Deus foi criado; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é visível” (Hebreus 11:3). Deus não precisou de matéria preexistente para modelar o Universo físico. Sua palavra é poder. Ao dizer Ele: “Haja luz”, a luz passou a existir, e assim todos os componentes da criação. Albert Einstein já demonstrou convincentemente que energia e matéria são intercambiáveis (E=mc²). Matéria pode ser transformada em energia (basta pensar nas bombas nucleares). E com a adequada fonte de energia, matéria também pode ser obtida. Deus, portanto, proveu a energia necessária para dar origem ao vasto cosmos.

(Michelson Borges, jornalista e mestre em Teologia)