segunda-feira, julho 04, 2016

A verdadeira e a falsa ciências

É importante conhecer as diferenças
Algumas diferenças entre a verdadeira ciência (V) e a ciência humana (H, que não deveria ser chamada de ciência):

H: busca explicar fenômenos observados.
V: fornece instrumentos capazes de prever e descrever novos fenômenos.

H: inventa explicações ad hoc (algo que pareça lógico para descrever um fenômeno particular).
V: mostra consequências de princípios fundamentais que implicam no que se observa.

H: muda com o tempo, com o conhecimento e a moda.
V: é imutável.

H: impregnada de paradigmas.
V: independente de paradigmas, filosofias e cosmovisões; fornece elementos para corrigi-los e refiná-los, contudo.

H: é essencialmente um exercício de filosofia aplicada.
V: é uma “caixa de ferramentas”, sendo que os instrumentos nela contidos são estruturas explicitamente matemáticas.

H: inventa teorias.
V: fornece meios para que se descubram teorias.

H: é naturalista.
V: não tem vínculo com qualquer tipo de filosofia (nem mesmo naturalismo metodológico), embora uma cosmovisão criacionista tenha facilitado em muito a descoberta da verdadeira ciência.

H: é uma atividade humana.
V: tem origem divina, na perspectiva de pioneiros como Galileu e Newton.

H: é limitada ao que pode ser observado e reproduzido (naturalismo metodológico).
V: limitada apenas pelas fronteiras da verdade (regras de coerência matemática).

H: teorias amplamente aceitas hoje podem cair por terra com descobertas futuras.
V: teorias descobertas com ajuda da ciência no passado continuam válidas sempre; porém, podem-se descobrir novas teorias mais abrangentes ou eficientes, as quais não podem negar as antigas já testadas (princípio da correspondência).

H: tenta seguir um protocolo para ser mais confiável (observação, formulação de hipóteses, etc.).
V: não depende de protocolos, mas fornece uma infinidade de métodos confiáveis.

H: beneficia-se de produtos da pesquisa realmente científica.
V: independe totalmente de quaisquer atividades ou conhecimentos humanos, mas fornece ferramentas poderosas para gerar conhecimento e tecnologia.

H: está sujeita às limitações humanas.
V: independe de limitações humanas, mas fornece instrumentos para estudá-las e superá-las.

H: faz uso predominante de raciocínio intuitivo/filosófico.
V: fornece recursos para que se construam linguagens que permitam o raciocínio formal, muito menos limitado e muito mais confiável.

Obs.: raciocínio formal é aquele que se baseia em regras explícitas de uma linguagem. Essas regras precisam estar em harmonia com o que se estuda. Por exemplo, usamos propriedades dos números para construir uma linguagem para raciocínio algébrico. Podemos traduzir para uma linguagem assim problemas que envolvam números. Depois usamos as regras da linguagem para resolver o problema. No final, traduzimos o resultado para o escopo de nosso problema original. Por exemplo, qual é o número que, quando acrescido de 7, resulta em 12? É fácil resolver isso com raciocínio intuitivo. Mas com uma linguagem formal conhecida de todos os que fizeram até a sexta série e se lembram disso, fica assim:

X + 7 = 12

Sendo que X representa o número que desejamos descobrir. Partindo dessa expressão, usamos regras da linguagem, que refletem princípios matemáticos bem definidos, para resolver o problema:

X + 7 - 7 = 12 - 7
X = 12 - 7
X = 5

Essa última linha deixa claro qual é o valor que desejávamos descobrir. Com algum treinamento, podemos fazer a mesma coisa com qualquer assunto, mesmo que nada tenha a ver com números e que seja inacessível à intuição ou mesmo ao pensamento humano.

Na falsa ciência, observa-se algo, formulam-se hipóteses para explicar o que se observa, testam-se as hipóteses e as que sobrevivem passam a ser chamadas de teorias. Na verdadeira ciência, observa-se algo, formulam-se hipóteses e suas complementares, testam-se as hipóteses e as complementares, utilizam-se as hipóteses sobreviventes para buscar padrões; quando encontrados, os padrões são testados em diferentes circunstâncias e, se forem confirmados, passam a ser chamados de leis. Leis são expressas em alguma linguagem formal (qualquer uma das “linguagens matemáticas” que seja completa para aquele contexto) e agrupadas para formar os postulados de uma teoria científica, que será capaz de prever uma infinidade de outras leis e frequentemente fenômenos totalmente desconhecidos. Experimentalistas tratarão de confirmar os novos fenômenos ou, de preferência, negá-los.

O processo de descoberta de uma teoria científica consiste em grande parte em descobrir o menor conjunto de leis possível, mas suficiente para que se estude determinado assunto com a profundidade pretendida. Isso é feito por meio de longos estudos de consequências matemáticas das leis e a comparação dessas consequências com o que se observa na prática. É nisso que consistem estudos teóricos.

Observação de fenômenos seguida por formulação de hipóteses é uma atividade predominante quando se sabe muito pouco sobre o assunto a ser estudado. Quando se tem mais experiência, a atividade predominante passa a ser a descoberta de teorias com suas novas previsões e o teste dessas previsões.

Hoje em dia, nas pesquisas em Física, já há teorias excelentes e bem testadas que tratam em detalhes finos de quase tudo o que se conhece, mas há brechas que precisam ser preenchidas. O que os físicos esperam é que em algumas dessas brechas se encontrem verdadeiros túneis para coisas totalmente desconhecidas até agora. A Teoria das Cordas parece estar provendo isso pelo simples fato de admitir que as partículas podem não ser pontos, mas minúsculos “fiapos” (cordas). As consequências matemáticas disso são riquíssimas e surpreendentes. Parece também resolver de maneira elegante e natural o famoso conflito entre a Relatividade Geral e a Teoria Quântica de Campos.

Note-se que na verdadeira ciência, teorias são feitas de leis e geram leis, porém jamais transformam-se em leis. Teorias científicas tendem a ser muito mais úteis do que leis.

Expressões do tipo “isso é só uma teoria” fazem sentido no conceito popular e na falsa ciência, mas não fazem sentido no contexto da verdadeira ciência.

(Eduardo Lutz é físico)