É importante conhecer as diferenças |
Algumas
diferenças entre a verdadeira ciência (V) e a ciência humana (H, que não deveria
ser chamada de ciência):
H:
busca explicar fenômenos observados.
V:
fornece instrumentos capazes de prever e descrever novos fenômenos.
H:
inventa explicações ad hoc (algo que
pareça lógico para descrever um fenômeno particular).
V:
mostra consequências de princípios fundamentais que implicam no que se observa.
H:
muda com o tempo, com o conhecimento e a moda.
V:
é imutável.
H:
impregnada de paradigmas.
V:
independente de paradigmas, filosofias e cosmovisões; fornece elementos para
corrigi-los e refiná-los, contudo.
H:
é essencialmente um exercício de filosofia aplicada.
V:
é uma “caixa de ferramentas”, sendo que os instrumentos nela contidos são
estruturas explicitamente matemáticas.
H:
inventa teorias.
V:
fornece meios para que se descubram teorias.
H:
é naturalista.
V:
não tem vínculo com qualquer tipo de filosofia (nem mesmo naturalismo
metodológico), embora uma cosmovisão criacionista tenha facilitado em muito a
descoberta da verdadeira ciência.
H:
é uma atividade humana.
V:
tem origem divina, na perspectiva de pioneiros como Galileu e Newton.
H:
é limitada ao que pode ser observado e reproduzido (naturalismo metodológico).
V:
limitada apenas pelas fronteiras da verdade (regras de coerência matemática).
H:
teorias amplamente aceitas hoje podem cair por terra com descobertas futuras.
V:
teorias descobertas com ajuda da ciência no passado continuam válidas sempre;
porém, podem-se descobrir novas teorias mais abrangentes ou eficientes, as
quais não podem negar as antigas já testadas (princípio da correspondência).
H:
tenta seguir um protocolo para ser mais confiável (observação, formulação de
hipóteses, etc.).
V:
não depende de protocolos, mas fornece uma infinidade de métodos confiáveis.
H:
beneficia-se de produtos da pesquisa realmente científica.
V:
independe totalmente de quaisquer atividades ou conhecimentos humanos, mas
fornece ferramentas poderosas para gerar conhecimento e tecnologia.
H:
está sujeita às limitações humanas.
V:
independe de limitações humanas, mas fornece instrumentos para estudá-las e
superá-las.
H:
faz uso predominante de raciocínio intuitivo/filosófico.
V:
fornece recursos para que se construam linguagens que permitam o raciocínio
formal, muito menos limitado e muito mais confiável.
Obs.:
raciocínio formal é aquele que se baseia em regras explícitas de uma linguagem.
Essas regras precisam estar em harmonia com o que se estuda. Por exemplo,
usamos propriedades dos números para construir uma linguagem para raciocínio
algébrico. Podemos traduzir para uma linguagem assim problemas que envolvam
números. Depois usamos as regras da linguagem para resolver o problema. No
final, traduzimos o resultado para o escopo de nosso problema original. Por
exemplo, qual é o número que, quando acrescido de 7, resulta em 12? É fácil
resolver isso com raciocínio intuitivo. Mas com uma linguagem formal conhecida
de todos os que fizeram até a sexta série e se lembram disso, fica assim:
X
+ 7 = 12
Sendo
que X representa o número que desejamos descobrir. Partindo dessa expressão,
usamos regras da linguagem, que refletem princípios matemáticos bem definidos,
para resolver o problema:
X
+ 7 - 7 = 12 - 7
X
= 12 - 7
X
= 5
Essa
última linha deixa claro qual é o valor que desejávamos descobrir. Com algum
treinamento, podemos fazer a mesma coisa com qualquer assunto, mesmo que nada
tenha a ver com números e que seja inacessível à intuição ou mesmo ao
pensamento humano.
Na
falsa ciência, observa-se algo, formulam-se hipóteses para explicar o que se
observa, testam-se as hipóteses e as que sobrevivem passam a ser chamadas de
teorias. Na verdadeira ciência, observa-se algo, formulam-se hipóteses e suas
complementares, testam-se as hipóteses e as complementares, utilizam-se as
hipóteses sobreviventes para buscar padrões; quando encontrados, os padrões são
testados em diferentes circunstâncias e, se forem confirmados, passam a ser
chamados de leis. Leis são expressas em alguma linguagem formal (qualquer uma
das “linguagens matemáticas” que seja completa para aquele contexto) e
agrupadas para formar os postulados de uma teoria científica, que será capaz de
prever uma infinidade de outras leis e frequentemente fenômenos totalmente
desconhecidos. Experimentalistas tratarão de confirmar os novos fenômenos ou,
de preferência, negá-los.
O
processo de descoberta de uma teoria científica consiste em grande parte em
descobrir o menor conjunto de leis possível, mas suficiente para que se estude
determinado assunto com a profundidade pretendida. Isso é feito por meio de
longos estudos de consequências matemáticas das leis e a comparação dessas
consequências com o que se observa na prática. É nisso que consistem estudos
teóricos.
Observação
de fenômenos seguida por formulação de hipóteses é uma atividade predominante
quando se sabe muito pouco sobre o assunto a ser estudado. Quando se tem mais
experiência, a atividade predominante passa a ser a descoberta de teorias com
suas novas previsões e o teste dessas previsões.
Hoje
em dia, nas pesquisas em Física, já há teorias excelentes e bem testadas que
tratam em detalhes finos de quase tudo o que se conhece, mas há brechas que
precisam ser preenchidas. O que os físicos esperam é que em algumas dessas
brechas se encontrem verdadeiros túneis para coisas totalmente desconhecidas
até agora. A Teoria das Cordas parece estar provendo isso pelo simples fato de
admitir que as partículas podem não ser pontos, mas minúsculos “fiapos”
(cordas). As consequências matemáticas disso são riquíssimas e surpreendentes.
Parece também resolver de maneira elegante e natural o famoso conflito entre a
Relatividade Geral e a Teoria Quântica de Campos.
Note-se
que na verdadeira ciência, teorias são feitas de leis e geram leis, porém
jamais transformam-se em leis. Teorias científicas tendem a ser muito mais
úteis do que leis.
Expressões
do tipo “isso é só uma teoria” fazem sentido no conceito popular e na falsa
ciência, mas não fazem sentido no contexto da verdadeira ciência.
(Eduardo Lutz é físico)