terça-feira, julho 05, 2016

Ciência, matemática e evolução

A arte de descrever a realidade
Em meados do segundo milênio da Era Cristã, duas revoluções ocorreram, as quais são de grande interesse para nós. Uma foi a revolução teológica chamada de Reforma Protestante. Redescobriu-se o quão perigoso é confiar em tradições e interpretações filosóficas humanas e quão importante é estudar a Bíblia diretamente com uma metodologia adequada. A outra revolução foi a científica. Não que a ciência estivesse sendo inventada, mas, sim, descoberta. Ao longo de alguns séculos, na primeira metade do segundo milênio da Era Cristã, vários pensadores aos poucos chegaram à conclusão de que a verdadeira filosofia não deveria ser baseada na autoridade de acadêmicos, revisão por pares ou meramente na intuição humana, mas na Matemática, que seria a forma pela qual Deus criou tudo o que existe.

Roger Bacon (século 13) concluiu que a Matemática é a base de todas as áreas do conhecimento. Leonardo da Vinci falou das vantagens de se usar métodos matemáticos e da importância da experimentação para validar ideias. Sugeriu também que seria vantajoso iniciar essa classe de estudos pela Mecânica, por ser mais acessível. Galileu Galilei denunciou a filosofia humana – ainda que revisada por pares e por autoridades – como falha e mencionou a verdadeira filosofia como estando escrita no grandioso livro do Universo em caracteres matemáticos. Também se referiu à ciência como uma forma de conhecer e representar com base na Matemática.

A proposta que ganhou forma e força com o tempo foi a de usar métodos matemáticos obtidos do estudo da natureza para representar e estudar tudo, a começar pelo mundo físico. A verdadeira ciência seria composta por esses métodos matemáticos para obter, representar e testar conhecimentos, o que inclui, mas não se limita a planejar observações e experimentos e processar os resultados.

Um dos pré-requisitos mais importantes para que a ideia de Darwin seja aceita como se fosse uma teoria científica é voltar aos conceitos anteriores à revolução científica, confundir filosofia (paradigmas e cosmovisões) com ciência e eliminar referências à Matemática da definição de ciência. Hoje em dia se fala em experimentação, mas é politicamente incorreto associar fortemente ciência com métodos matemáticos, mesmo sendo isso óbvio para um grande número de pesquisadores. Cada especialista teme que sua área deixe de ser considerada uma ciência e perca credibilidade. Mas nenhuma área deveria ser chamada de ciência. A ciência pode ser usada em qualquer área e há pesquisas que podem ser feitas corretamente sem uso explícito da ciência.

Isaac Newton, estudioso da Bíblia e da natureza, colocou em prática as sugestões de Galileu e da Vinci e tentou descobrir as leis da Mecânica usando métodos matemáticos. Percebeu, entretanto, que não possuía conhecimentos matemáticos suficientes para a empreitada. Levando em conta, porém, que essas leis matemáticas estão escritas na própria natureza, tratou de lê-las e com isso descobriu uma área da Matemática que até então era desconhecida: o Cálculo Diferencial e Integral. Com isso, ele foi capaz de entender algumas leis básicas da Mecânica.

Independentemente de Newton, Leibniz também percorreu esse caminho e descobriu o Cálculo. Criou, porém, uma notação mais elegante do que a de Newton, mais semelhante à que usamos hoje. Isso abriu o caminho para que leis físicas possam ser percebidas, estudadas e utilizadas para se descobrirem coisas novas e também para gerar novas tecnologias.

Estudos como esse levaram a avanços cada vez maiores, aumentando a experiência humana no uso da Matemática para descrever cada vez mais coisas: movimentos, forças, ondas (século 18), luz, leis em geral com o princípio da ação mínima, fluidos (século 18), fenômenos eletromagnéticos em geral, novos tipos de geometrias e universos (século 19), Relatividade e suas aplicações à Cosmologia, Mecânica Quântica e suas especializações como a Teoria Quântica de Campos, no âmbito da qual se começou a descobrir a Teoria das Cordas (século 20).

Em Física, não se inventam teorias, descobrem-se. A descoberta da Teoria das Cordas, ainda em andamento, é um exemplo bastante interessante de como funciona o processo. Como há diversos pesquisadores envolvidos em um processo colaborativo, fica mais fácil analisar o processo de surgimento dessa teoria e fica particularmente claro que não se trata de invenção, mas de descoberta. Grandes avanços já foram feitos, mas ainda há um bom caminho a percorrer. No fim sempre se descobre que a resposta final era simples e que não era necessário ter percorrido um caminho tão longo. Mas, no caso da Teoria das Cordas, os físicos ainda estão percorrendo o caminho longo.

(Eduardo Lütz é físico)