quinta-feira, julho 28, 2016

Pokémon Go e a “sociedade zumbi”

Mentes dominadas
O primeiro desenho animado da história a mandar crianças para o hospital – Pokémon – estreou no Brasil em uma segunda-feira de 1999, pela Rede Record. Criada no Japão, a série é cheia de efeitos especiais, e foi por causa de um deles que se deu o curioso evento. No capítulo 38, exibido no Japão no dia 16 de dezembro de 1997, o personagem Pikachu, um dos principais da série, emitiu a certa altura raios de luz colorida. Depois de assistir à cena de apenas cinco segundos, 12 mil crianças passaram mal. Pelo menos 600 foram internadas com convulsões. Mais tarde, quando trechos do programa foram exibidos nos telejornais noturnos, muitos adultos também foram afetados. O episódio foi estudado por médicos e técnicos de animação, que concluíram que as luzes intensas poderiam causar reações em crianças com olhos sensíveis ou em pessoas com predisposição à epilepsia.

A série se passa em um mundo habitado por crianças e pelos monstrinhos “pokémons” (uma abreviatura de pocket monsters, ou monstros de bolso). Como em um jogo eletrônico, o protagonista do desenho, o garoto Ash, tem que capturar a cada episódio o maior número possível de pokémons. Para isso, conta com a ajuda de Pikachu.

No livro Pokémon & Harry Potter: A Fatal Attraction, Phil Arms afirma que, “atualmente, o Pokémon é o instrutor mais popular das crianças, que ensina como entrar no campo sombrio dos poderes e práticas ocultistas. O objetivo do Pokémon é ensinar as crianças a como usar poderes para capturar e conquistar vários monstros. Depois, com seus monstros capturados em seus bolsos, eles aumentam seus próprios poderes. Basicamente, eles estão treinando nossos filhos a como entrar e participar do mundo de atividades demoníacas”.

Uma rápida investigação nas regras, termos e fraseologia do universo Pokémon mostra de modo claro que a preocupação de Arms tem seu lugar (embora possa parecer um tanto exagerada), e que o Pokémon tem mesmo raízes ocultistas. Um dos primeiros passos que uma criança que joga Pokémon deve tomar é ir em busca de um Pokémon médium chamado Kadabra. O termo “abracadabra” se originou no mundo da magia negra e era parte do seu linguajar usado para lançar encantamentos e feitiços.

O Pokémon Kadabra pertence a uma treinadora telepática muito poderosa chamada Sabrina. Ela possui grandes poderes à sua disposição, e as crianças são instruídas a também confiar em forças sobrenaturais para poder capturar Kadabra. Às crianças que se preparam para essa busca é ensinado que seus esforços contarão com a ajuda de um amigo secreto, outro Pokémon, um fantasma chamado Haunter.

O jogo continua, e a cada nova fase as crianças são levadas ainda mais fundo na aplicação prática de habilidades do ocultismo e no conhecimento de estratégias psicológicas que as conduzem a um mundo de experiências espíritas.

Arms conclui que “há uma ênfase inegável em ensinar as crianças a lutar, matar, envenenar e usar poderes ocultistas e psíquicos para atingir suas metas. Além disso, o mundo Pokémon está ensinando às crianças que a evolução, os poderes sobrenaturais e a violência são conceitos perfeitamente aceitáveis”. Evolução e espiritualismo. Essa é a essência do conteúdo ideológico de Pokémon. Ainda bem que a febre ficou no passado. Será?

Lançado para smartphones no começo deste mês, Pokémon Go se tornou rapidamente um fenômeno, e trouxe de volta o universo dos monstrinhos de bolso. Trata-se de um game gratuito de realidade aumentada para Android e iOS. O jogo utiliza o sistema de GPS dos aparelhos para fazer com que os jogadores se desloquem fisicamente para conseguir capturar os monstrinhos da franquia da Nintendo. Realidade aumentada é um tipo de mídia que mistura o mundo real com elementos criados virtualmente. No caso de Pokémon Go, o jogador visualiza seus arredores na tela do celular capturados pela câmera, e o aplicativo insere os pokémons nesses lugares.

Além de abrir a possibilidade de que a empresa tenha acesso a contas inteiras no Google, desde e-mail ao editor de textos e outros aplicativos, o aplicativo da Nintendo registra as localizações do jogador ao longo do tempo, além verificar qual o último site que ele visitou, ajudando, com isso, a diluir ainda mais o conceito de privacidade. Ao utilizar a realidade aumentada, Pokémon Go obriga os jogadores a sair de casa para capturar novos monstros, atingir objetivos e conseguir certos itens. E pode ser difícil prestar atenção no que acontece ao redor enquanto se concentra na tela do celular. Diversos jogadores relataram que se machucaram ao tropeçar enquanto estavam distraídos.

Assim, além de trazer de volta todo o universo Pokémon, esse novo aplicativo vem dando sua contribuição para criar uma “sociedade zumbi”, colada na tela de seus smartphones, alheia à vida real. Foi-se o tempo em que o jogador controlava o jogo e os personagens. Hoje o jogador é controlado. Além disso, as linhas que dividem a realidade da fantasia estão sendo apagadas.

Mikel Cid, editor do blog especializado em tecnologia Xataka, disse que a realidade aumentada “vai ganhar mais adeptos devido ao grande trampolim que deve causar um jogo com tantos seguidores como Pokémon. Passar do mundo virtual para o mundo real é um sucesso por parte de Pokémon porque os jogadores precisam mergulhar ainda mais no jogo por causa da realidade aumentada”.

“Infelizmente, acho que não vamos demorar muito para ver casos de pessoas com problemas de roubos, atropelamentos e quedas, por estarem mais focados em olhar para a tela do que realmente ao seu redor”, previu Cid. E a previsão se concretizou. Um homem bateu o carro em uma árvore na região de Nova York, nos Estados Unidos, no dia 12. A vítima estava tão concentrada na captura do pokémon que desviou a atenção e o carro saiu da estrada, colidindo com a árvore. Um dia antes do acidente, a jornalista Allison Kropff, da emissora 10 News WTSP, nos Estados Unidos, estava tão viciada no jogo que interrompeu a transmissão do programa, que estava na hora da previsão do tempo, para tentar capturar um pokémon.

Esse tipo de fenômeno mostra como as pessoas estão cada vez mais envolvidas e absorvidas pela tecnologia, com os olhos pregados nas telas e misturando o real com o imaginário. O que esse comportamento poderá fazer com a mente delas? Mais e mais envolvidas com a realidade aumentada não terão diminuída a capacidade de discernir a realidade? Só o tempo dirá, mas parece que as respostas não serão muito boas.

Michelson Borges