É preciso refletir |
A
distintividade da fé e do pensamento adventista ao longo dos séculos 19 e 20 foi
construída no solo fértil do estudo da Palavra de Deus e da oração. Somos
marcadamente um movimento profético-missionário que ganhou notoriedade não
somente entre os grupos religiosos ao redor do mundo, mas entre estudiosos da
religião que levaram a sério a história desse movimento nascido na segunda
metade do século 19. Entre outras coisas, fomos estabelecendo e sendo estabelecidos
na história como um povo atento às mudanças e transformações na política, na
ciência, na economia, na história e na sociedade, exatamente por estarem
vinculadas à nossa interpretação profética. Sinteticamente, fomos construídos
ou formados como um povo alicerçado nos princípios morais e identitários da
tradição judaico-cristã. Em outras palavras, nos reconhecemos como pertencentes
a uma ética cristã que coloca tudo ante a autoridade das Escrituras.
Embora
os movimentos dissidentes sejam parte inconteste da nossa história (como
acontece em todos os cortes religiosos), nos últimos anos um “novo” jeito
relativizador de pensar a fé adventista tem-se constituído em nossos espaços.
Alguns advogando um posicionamento mais liberal e mais “coerente” com a realidade
dos dias atuais têm feito aberturas substanciais da compreensão da experiência
religiosa e da sua fé, em detrimento de princípios estabelecidos nas
escrituras, em nossa história e teologia. Essas pessoas acreditam terem se
libertado de um exclusivismo soteriológico que seria, segundo eles, o maior
impasse entre nós adventistas e os outros grupos religiosos para uma
convivência harmoniosa. Isso também explicaria a razão de não termos um número mais
expressivo de membros em nossas igrejas. Seguindo a mesma lógica, esses
queridos irmãos creem piamente terem alcançado uma autonomia na interpretação
da sua fé e, como resultado, passam a propor uma ressignificação da experiência
religiosa que põe em xeque princípios centrais da fé bíblica. É interessante
notar que essas pessoas não acreditam ser dissidentes ou contrários a pontos
basilares da fé adventista, pelo contrário, acreditam poder até mesmo ser
influência positiva dentro da igreja, a fim de ajudar outros a “abrirem” os
olhos para as mudanças no mundo, para a urgência de um engajamento inter-religioso
tão necessário para uma convivência tolerante ou mesmo ecumênica entre os
distintos grupos religiosos.
Dada
a ordem dessa problemática, lembro-me de C. S. Lewis, que nos ensinou que Jesus
não pode ser concebido com um grande mestre espiritual, ou filósofo, ou um
revolucionário político, pois ou Ele é quem disse que é, ou Ele não passaria de
um lunático. Ou seja, é inconcebível pensar Jesus no meio termo desses dois
polos. Do mesmo modo aplico esse princípio lógico-filosófico ao pensamento e ao
modo de ser adventista: ou somos aquilo que se expressa em nós através das Escrituras
e que está identificado em nossa origem e teologia, ou não somos adventistas do
sétimo dia. Não há outra saída.
Esse
novo jeito de ser adventista chamado por mim de neoadventismo deixou-se encantar com relativismo cultural e com as
tentações do humanismo. Mal sabem estes que, ao invés de serem “cabeças abertas”,
na verdade, estão sendo subprodutos de uma acomodação intelectual estruturada
em uma perspectiva filosófica baseada no humanismo, no criticismo bíblico, no
liberalismo moral, no relativismo cultural, nos apelos da pós-modernidade ou
modernidade tardia. Não há possibilidade de uma conciliação completa (talvez em
nenhum ponto) com essas visões de mundo. Não estamos dispostos a flertar com aquilo
que é negado pela Palavra de Deus e isso não é em momento algum razão para
sermos fundamentalistas ou coisa do gênero, ao contrário, isso é um
posicionamento lúcido e coerente com aquilo pelo qual se constitui o nosso
firme fundamento, a saber, a nossa fé. Valorizamos o diálogo inter-religioso?
Sim! Somos pioneiros e herdeiros sobre questões concernentes à liberdade religiosa?
Sim! Somos favoráveis a uma boa convivência entre os mais diversos grupos
religiosos? Sim! Mas nada disso escapa ao equilíbrio das orientações bíblicas
que põem cada coisa em seu devido lugar.
Creio
que seja esse um tempo para que o neoadventismo em curso incline-se mais às Escrituras
e menos a processos histórico-seculares de intervenção na cultura e no modo de
pensar. Que faça uma análise das esferas e campos que o influenciam em seu modo
de pensar e agir. Que duvide mais e ponha à prova os conhecimentos adquiridos e
tenham um posicionamento mais crítico em relação às fontes de que bebe. Por
fim, que solicite em oração a presença do maior dos interpretes, a saber, o
Espírito Santo.
(Tiago Garrido de Souza é
graduando do curso de Ciências Humanas – Sociologia da Universidade Federal do
Maranhão e ancião da Igreja Adventista de Cohab, em Bacabal, MA)