quinta-feira, agosto 12, 2010

Aves e dinossauros foram contemporâneos

É 2001, e Evgeny N. Kurochkin, da Academia Russa de Ciências, e eu passamos horas no museu de paleontologia como parte de nosso trabalho de levantamento de todos os fósseis de aves já coletados por expedições conjuntas mongol-soviéticas. Entre os restos está uma asa desenterrada no deserto de Gobi em 1987. Se comparada a esqueletos de dinossauros espetacularmente preservados em coleções do museu, essa minúscula asa com os ossos delicados misturados e esmagados não demonstra nenhum glamour. Porém, oferece um forte indício de que uma opinião generalizada sobre a evolução das aves está equivocada. Hoje, mais de 10 mil espécies de aves povoam a Terra. Algumas estão adaptadas a viver distantes, em mar aberto, outras sobrevivem em desertos áridos ou habitam as montanhas cobertas de neve. Aliás, de todas as classes de vertebrados terrestres, a que inclui as aves é, de longe, a mais variada. Os biólogos evolucionistas já há muito tempo supunham que os ancestrais das aves de hoje devem o seu sucesso ao impacto de um asteroide que extinguiu os dinossauros e muitos outros vertebrados terrestres há cerca de 65 milhões de anos [na cronologia evolucionista]. Seu raciocínio era simples: apesar de as aves terem evoluído antes dessa catástrofe, as variedades anatomicamente modernas surgiram em registros fósseis somente após esse acontecimento. O aparecimento de patos, cucos, beija-flores e outras formas modernas, que juntas compõem a linhagem das neornithes (“aves novas”), parecia ser um caso clássico de explosão evolutiva em resposta à abertura de novos nichos ecológicos provocados por um evento de extinção. Nesse caso, os nichos foram ocupados por dinossauros, répteis voadores conhecidos como pterossauros e aves primitivas.

Durante a última década, no entanto, evidências crescentes a partir de registros fósseis – inclusive aquela asa esmagada – e de análises do DNA de aves vivas revelaram que as aves neornithes provavelmente se diversificaram antes de 65 milhões de anos atrás. As descobertas acabaram com a visão tradicional da evolução das aves e suscitaram novas questões importantes sobre como esses animais ascenderam até as alturas evolutivas. [...]

Todas as aves do Cretáceo que estão completas o suficiente para ser classificadas pertenciam a linhagens mais antigas que as neornithes, e essas linhagens não sobreviveram à catástrofe. É por isso que, até recentemente, as evidências disponíveis sugeriam que a explicação mais simples para o aparecimento das aves modernas era que elas se originaram e se espalharam após o evento da extinção. [...]

Os resultados inferiram que, contrariamente ao senso comum paleontológico, as neornithes conviveram com os dinossauros. É engraçado pensar em um tordo empoleirado nas costas de um Velociraptor, ou em um pato nadando ao lado de um Spinosaurus. Porém, a evidência molecular para a contemporaneidade das aves modernas com os dinossauros foi tão convincente que até mesmo os paleontólogos que geralmente viam com ceticismo as descobertas do DNA conflitantes com os registros fósseis começaram a aceitá-la. Ainda assim, aqueles dentre nós que estudam esqueletos antigos queriam a confirmação fóssil urgente dessa nova visão sobre a evolução das aves. [...]

Nossas comparações no museu, naquele gelado inverno em 2001, demonstraram conclusivamente que a asa com o seu carpo-metacarpo reto (osso formado pela fusão dos ossos da mão) e detalhes de canais, sulcos e cicatrizes musculares, de fato, pertencia a uma Presbyornithidae que, além disso, era o mais antigo representante inequívoco de qualquer grupo de neornithes. Nosso achado se ajustou perfeitamente às previsões dos biólogos moleculares. Em um documento de 2002, que descreveu o animal formalmente, demos-lhe o nome Teviornis. [...]

Pouco tempo depois, o Teviornis ganhou a companhia de uma segunda neornithe primitiva, o Vegavis, da ilha de Vega, na Antártida. O Vegavis foi encontrado na década de 90, e descansou em relativo anonimato durante anos, antes de sua verdadeira importância vir à tona. Em 2005, Julia A. Clarke, que no momento está na University of Texas em Austin, e seus colegas publicaram um artigo mostrando que o Vegavis foi outro pássaro do Cretáceo que exibe várias características encontradas nos patos modernos, especialmente em relação ao ombro largo, à pélvis, aos ossos das asas e às pernas curtas. Com 66 a 68 milhões de anos [idem], o Vegavis é um pouco mais jovem que o Teviornis, mas ainda pertence claramente ao período anterior à extinção em massa. Além de ser um fóssil mais completo, preservando a maior parte do esqueleto.

Para a maioria dos paleontólogos, o Vegavis venceu a batalha contra as neornithes do Cretáceo. Com esse esclarecimento, os estudiosos começaram a reexaminar as coleções de fósseis dessa época, buscando exemplos adicionais dessas aves modernas primitivas. Uma pesquisadora, Sylvia Hope, da California Academy of Sciences, em São Francisco, vinha defendendo fazia anos que havia identificado espécies de aves modernas a partir de fósseis encontrados em Nova Jersey e Wyoming, datados entre 80 milhões e 100 milhões de anos atrás. Mas essas descobertas – na maior parte apenas ossos isolados – foram consideradas por alguns pesquisadores como precárias demais para uma identificação conclusiva. As revelações sobre o Vegavis e o Teviornis sugerem que ela estava certa o tempo todo. As comparações dos ossos de Hope com restos mais completos devem se provar esclarecedoras sobre o assunto. [...]

(Scientific American Brasil)

Nota: Esse não é o primeiro caso de “ancestral” que conviveu com seu “descendente”. Confira aqui. Acredito que o registro fóssil ainda tem muito o que revelar (já que ainda não revelou o que Darwin morreu querendo que revelasse), se for analisado de mente aberta e certos achados “anômalos” não ficarem guardados por tempo indefinido em caixas de alguma sala escura.[MB]