quarta-feira, agosto 25, 2010

Eles não seriam quem são se não fizessem o que fazem

Dia desses, o notório (e finório) psicólogo Marc Hauser experimentou no cocuruto o mesmo tipo de safanão moral que, reza a lenda, teria humilhado o imperador Frederico II. Conta-se que o governante prussiano, ávido por amealhar a propriedade familiar de um humilde moleiro, assediou-o com um carteiraço digno de autoridade brasileira: “Não lhe ocorre que, sendo rei, posso simplesmente tomar-lhe a propriedade?” A réplica foi lapidar: "Poderia, Alteza, se não houvesse juízes em Berlim.” Pois Hauser e o mundo descobriram que ainda há cientistas na mítica universidade de Harvard. Ou pelo menos assistentes de cientista (isso se todos os envolvidos, Hauser e assistentes, não estiverem envolvidos na mesma mutreta). Artigo publicado no jornal The Chronicle of Higher Education, de 25/08/2010, explica o caso: professor de psicologia e diretor do Harvard's Cognitive Evolution Laboratory, Marc Hauser escreveu Moral Minds: How Nature Designed Our Universal Sense of Right and Wrong (Ecco, 2006) - em tradução livre: "Mentes Morais: como a Natureza PLANEJOU nosso senso universal de certo e errado" (apesar do subtítulo teleológico, o psicólogo não é defensor do DI). Ocorre que a única coisa PLANEJADA no livro foi a distorção fraudulenta dos resultados de experiências a que foram submetidos alguns símios. Dois assistentes de Hauser alegam ter percebido que os macacos não demonstravam apresentar nenhuma alteração nos padrões a que foram submetidos, o que significava o fracasso cabal do experimento. Como fracasso não combina com fama e fortuna, Hauser teria encarnado Ernst Haeckel e "photoshopeado" os resultados para que a experiência se apresentasse bem-sucedida. Porém, seus assistentes publicaram de forma independente os verdadeiros dados. Foi o que bastou para que o psicólogo viesse a ser investigado. Sua agressividade perante os que questionavam sua pesquisa foi substituída por um silêncio significativo.

Bem antes disso, em 2002, no auge da fama, Hauser concedeu entrevista à sempre tão prestimosa editoria de ciências da Folha de S. Paulo. Esta, todos sabem, abriga o seminal Marcelo Leite, autor de livros como Folha Blinda, digo, Explica Darwin. Em artigo do dia 18/08/2010, Leite analisa o caso Hauser iniciando com solene advertência: "Preste atenção neste assunto: fraudes em pesquisas científicas. Elas estão aumentando e vão continuar assim, dada a competição feroz por reputação e verbas nesse campo da criatividade humana." E vai além o viligante Marcelo: "Nada menos que 72% dos pesquisadores incluídos numa revisão ampla de 2009 afirmam já ter presenciado algum tipo de má conduta. As falcatruas vão de pecados veniais, como a inclusão honorária de autores que não participaram de um estudo, a pecados capitais, como falsificar ou fabricar dados."

Sim, você leu direito. São palavras do mesmo jornalista que defende com a convicção de um mulá a pior impostura dos últimos séculos. Palavras de alguém tão agressivo quanto Hauser ao sentenciar que "não dá espaço" aos questionadores da Teoria Geral da Evolução. Ora, quem, a priori, não dá nenhum espaço aos questionadores da TGE tende a dar, acriticamente, todo espaço aos defensores dessa teoria, mesmo os Lombrosos atuais.

Voltando à entrevista supracitada, em 22/12/2002, o jornalista Cláudio Ângelo ajoelhou-se metaforicamente aos pés de Marc Hauser para beber da Água da Vida de seus conhecimentos em uma diálogo que mais me pareceu uma sessão psicanalítica. Como todo bom macroevolucionista, Ângelo abusou do humor involuntário abrindo o artigo com citação ao famoso poema "Quadrilha", de Drummond. Pois não é que a liberdade poética de Cláudio vaticinou direitinho o comportamento de Hauser, finalmente desmascarado? Justiça poética, a Folha não teve como jogar para debaixo do tapete um escândalo que já corria mundo.

A esse respeito destaco a conclusão do colega Iba Mendes em seu blog "Humor Darwinista": "Sempre fui um crítico das especulações darwinistas da chamada Psicologia Evolucionista, também conhecida por 'Evo Psy'. O motivo básico é que geralmente tais pesquisas já partem de uma idéia pré-concebida e de um desejo que as coisas se sucedam de um determinado modo. No fim eles sempre acabam dando um jeitinho de 'provar' que Darwin tinha razão e por aí vai..."

Sou mais pragmático que Iba: não há moleza maior que ser psicólogo evolucionista. É mais fácil que caçador de bruxas: em tese, qualquer um pode ser uma bruxa, basta pendurá-lo num pau-de-arara e fazer com o infeliz o que tipos como Hauser fazem com seus dados. Como diria um famoso cronista esportivo: "Aperta que ele geme."

Ficam, por fim, algumas perguntas no ar:

Quantos Hauser existem hoje no mundo da ciência? São minoria ou maioria?

O que há de fidedigno em tantas manchetes espalhafatosas e pesquisadores mitificados?

Quantos gatos estão sendo vendidos como lebres à custa de verbas muitas vezes drenadas do dinheiro público, verdadeiras fortunas?

Mas há uma pergunta em especial que muito me interessa - e que eu gostaria que Marcelo Leite e sua turma respondessem: Ainda existem jornalistas de ciência em Berlim? A julgar por publicações como Superinteressante, Galileu e a própria Folha, em Pindorama parece-me que não há.

Ah, ia-me esquecendo. O próximo livro de Hauser terá por título Evilicious: Why We Evolved a Taste for Being Bad. Quem sabe se o escândalo em que ele chafurda caladinho não seria mero golpe publicitário para seu novo lançamento...

(Marco Dourado, analista de sistemas formado pela UnB, com especialização em Administração em Banco de Dados)