sexta-feira, setembro 30, 2011

O LHC na visão de um estudante de Engenharia Física


O LHC (Large Hadron Collider, acelerador de partículas) custou 10 bilhões de dólares em um consórcio internacional que durou 20 anos; uma média de meio bilhão de dólares por ano. Isso é muito menos do que um país europeu como a Alemanha ou a Itália gastam em ciência. E foram 500 milhões de dólares anuais divididos por muitos países em um acordo de cooperação pacífica para o desenvolvimento da Física. Para mim (e para os físicos de forma geral) parece dinheiro gasto de maneira bastante racional.

Ainda que não se achem partículas novas, o LHC provavelmente desenvolverá alguma tecnologia nova. No mínimo, um grande esforço técnico teve de ser empregado na engenharia de supercondutores e no desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de interpretar os resultados das colisões. Foi no CERN (centro de pesquisas no qual se localiza o LHC) que, ao se desenvolver um sistema para interpretar dados de pesquisas, foi criada a base para a internet que conhecemos hoje. Não duvido que o LHC, daqui a alguns anos, possa alicerçar outra tecnologia da informação.

Nem todos os físicos gostam do modelo padrão e querem achar o bóson de Higgs. Curiosamente, todos os físicos de partículas que eu já conheci pessoalmente dizem que ficariam muito satisfeitos se vissem o modelo padrão falhar. Quando saíram as notícias do neutrino mais rápido do que a luz, o comentário geral foi: “Provavelmente há um erro no tratamento dos erros sistemáticos. Mas tomara que esteja certo, porque então teremos que rever nossos modelos.” Atualmente, pelo menos nas áreas que eu já vi da Física, não há nenhuma que tente ajustar os dados para tentar provar uma teoria como correta, já que as teorias em aberto são disputadas em equilíbrio no número de físicos contra e a favor (como o modelo padrão) e as que estão fechadas possuem grande número de experimentos que comprovam seu domínio de validade (mecânica clássica, eletromagnetismo, mecânica quântica, etc.).

A mídia faz muito sensacionalismo quando diz que “o bóson de Higgs é a partícula de Deus” ou que “o LHC irá mostrar as características do Universo instantes após o big bang”. Não importa o exagero e o floreio que a mídia em geral faça quando fala sobre o LHC, mas, sim, o que os físicos que estão trabalhando lá realmente esperam encontrar. O LHC, em essência, é um grande colisor de partículas. Estudar os resultados dessas colisões é um dos poucos meios de se estudar partículas elementares, e o único que conheço que permite estudá-las em ambiente controlado. As partículas devem ser aceleradas a grandes energias, a temperaturas extremamente baixas e com grande velocidade (o que justifica o tamanho enorme desses aceleradores).

Por que os físicos estudam partículas elementares? Basicamente, porque a Física busca compreender a natureza do ponto de vista mais fundamental possível e há evidências de que tudo o que conhecemos (na análise primária, todas as coisas feitas de átomos) é constituído por elas. Assim, estudá-las passa a ser uma espécie de obrigação para os físicos. Para conseguir dados em laboratório sobre tais partículas foi necessário criar aquela máquina gigantesca, que tem um propósito bastante importante: prover um laboratório adequado para fazer testes bastante precisos que demonstrarão ou refutarão a teoria da Física que até agora explicou bem as partículas elementares - o modelo padrão.

Todo o modelo padrão foi testado e confirmado, exceto o bóson de Higgs. Se ele não for encontrado, o LHC ainda será utilizado para fazer todo tipo de experimento em Física de altas energias que deverá fornecer dados razoáveis para um novo modelo. E há coisas mais complicadas ainda a ser testadas, como simetrias e testes das forças fundamentais da natureza. Resultados peculiares também podem ocorrer, como os neutrinos mais rápidos que a luz, por exemplo. Enfim, o LHC não foi construído só para fazer uma coisa.

Em resumo, o LHC não está fazendo na Física algo parecido com o que ocorre na evolução darwiniana. Ele não tem o propósito de impor na Física uma verdade, principalmente considerando o número de físicos que esperam que haja algo de errado com o modelo padrão. Antes, é uma manifestação de uma nova forma de realizar a física experimental, baseada no método científico, de forma a se ajustar às dificuldades de se trabalhar com partículas de tamanho muito reduzido. Nessas circunstâncias, experimentos só podem ser feitos em locais especiais, que exigem trabalhos de longo prazo (no caso, 20 anos), consórcio entre muitos países e soma considerável em dinheiro, mas de forma alguma exorbitante (é bem menos do que os gastos anuais de países desenvolvidos com C&T). Mas a essência é a mesma dos trabalhos de Newton e Galileu (inclusive, as colisões no LHC são explicadas com teorias mecânicas).

Ainda que não se encontre o bóson de Higgs, o LHC servirá de local teste para novas teorias de uma área muito importante da Física. E mesmo que esses experimentos não forneçam à Física os melhores resultados, áreas da engenharia como a tecnologia de supercondutores, a tecnologia de informação e a de automação e controle quase com certeza já foram beneficiadas, o que resultará em inovações para benefício de pessoas que nem sabem o que é uma partícula elementar.

Logicamente, outras pessoas trabalhavam nessas áreas fora do LHC, mas a construção dessa máquina forneceu o caso real de aplicação dos conhecimentos para que eles fossem testados. Considerando que essas mesmas tecnologias às vezes são testadas em guerras - que custam bilhões de dólares por mês -, não tenho dúvida em dizer que o CERN criou um mecanismo muito mais eficiente, barato e com objetivo bem mais nobre do que qualquer outro.

(Willian Natori, estudante de Engenharia Física na Ufscar [turma de 2008] e adventista do sétimo dia)