quarta-feira, fevereiro 11, 2015

A morte de Getúlio e o controle da opinião pública

Os fatos e a engenharia social
Comentando o episódio da carta-testamento de Getúlio, [...] vale a pena registrar algumas estratégias de controle de opinião pública utilizadas na época. O objetivo da máquina de propaganda que prosseguiria atuando até o golpe de 1964 era minimizar o efeito extraordinário da carta, que tem intensidade dramática enorme. Para isso, todo esforço concentrou-se numa pergunta insólita: “Quem escreveu?” Na essência, foi Getúlio; texto manuscrito de um bilhete, com a letra dele, repete suas principais formulações. Bacharel em direito, ex-promotor de Justiça, dono de bom texto, nada impede que ele tenha escrito a carta-testamento. Quem datilografou foi um assessor fiel, o jornalista José Soares Manoel Filho, redator dos discursos formais da Presidência, que pode ter dado redação final ou inserido alguma coisa, mas, certamente, por ordem e com supervisão de seu chefe - claro - em documento tão tragicamente pessoal.

Mas, já que não se podia mais apresentar Getúlio como ladrão ou ditador, era preciso apresentá-lo como incapaz sequer de explicar seu suicídio. Para a laboriosa reportagem investigativa da época, a carta de Getúlio foi “escrita por Manoel Filho”, no dia tal, às tantas horas, em tal lugar. Um lead perfeito.

Também foi preciso esconder o tamanho do impacto do suicídio, que foi enorme: jamais vi coisa igual no Rio de Janeiro. A oportunidade veio quando Carmem Miranda morreu de um ataque de coração, em agosto de 1955, nos Estados Unidos, e seu corpo, trasladado, foi recebido por uma multidão comovida.

Bastou um pouco de ênfase para igualar as coisas: a artista que morreu aos 42 anos (faria ontem 106) e o estadista. Defunto por defunto, tanto faz para esse povo...

Uma terceira estratégia, que se incorporou à chamada “história oficial”, é atribuir a Getúlio uma frieza tal que se teria suicidado por malícia, para virar o jogo em uma partida perdida.

É ou não é forçar a barra

(Nilson Lage, no Facebook)

Nota: Como já disse em outra ocasião, tive o privilégio de ter tido aulas com o jornalista Nilson Lage, durante meu curso de Jornalismo na UFSC. Uma das matérias que ele lecionou foi justamente “Controle de opinião pública”, aquele tipo de conteúdo que vale por uma faculdade inteira e que ajuda a abrir os olhos e a mente (leia aqui a resenha que fiz de um ótimo livro que o professor Lage nos mandou ler na época). A propósito do que ele escreveu aí acima, fico pensando em quão conveniente é o carnaval para a alcateia que governa este país. O combustível aumentou, a comida está cara, os impostos são um verdadeiro roubo, falta água, falta segurança, falta educação que preste. Escândalo após escândalo explode na mídia (fora os que não explodem), deixando o povo entorpecido e até acostumado com tanta roubalheira descarada. Mas as pessoas provavelmente vão deixar tudo isso de lado. Vão cair na folia. Vão invadir as ruas, não para protestar, mas para pular, beber e farrear. Massa de manobra. Rebanho conduzido pela engenharia social. Rebeldes de Facebook. [MB]