domingo, fevereiro 22, 2015

Uma Bíblia de 1.700 anos. Dá para confiar?

Trechos faltantes: Como entender?
A Biblioteca Apostólica Vaticana disponibilizou na internet o Códex Vaticano completo. Datado do século 4º d.C., esse é um dos mais importantes manuscritos bíblicos. Como de costume, a mídia destaca os aspectos mais intrigantes do assunto. O blog de Reinaldo José Lopes menciona dois pontos:

1. “O códex não traz o finalzinho do Evangelho de Marcos, no qual o Jesus ressuscitado aparece aos discípulos. [...] Isso levou muitos especialistas a postular que o atual final de Marcos é uma ‘versão estendida’ inserida por um autor que viveu depois do evangelista.”

Essa informação está correta. Marcos 16:9-20 não faz parte do texto escrito originalmente por Marcos, mas foi acrescentado na primeira metade do segundo século. “Nenhum dos términos conhecidos do Evangelho de Marcos, nem mesmo a interrupção em 16:8 parece representar de fato o original. Mas, uma vez que todos os evangelistas ou foram testemunhas oculares dos fatos que relataram, ou tiveram acesso às melhores tradições evangélicas disponíveis no período apostólico, podemos presumir que o verdadeiro final de Marcos não diferia grandemente daquele encontrado nos demais Evangelhos” (Paroschi, p. 214).

2. “E, no Evangelho de João, a famosa cena da adúltera e do ‘atire a primeira pedra quem não tiver pecado’ também não consta desse manuscrito, o que também indicaria que esse trecho não foi escrito por João.”

Também está correto. João 7:53–8:11 realmente não foi escrito por João. Mas essa história, que já era conhecida na segunda metade do segundo século, “é absolutamente leal ao caráter de Jesus” e “contém todos os indícios de ser historicamente autêntica” (Paroschi, p. 228, 230). “É bem provável que o relato consista num fragmento de material evangélico autêntico preservado mediante alguma tradição paralela (não canônica) e que mais tarde acabou sendo anotado à margem do Evangelho de João” (p. 228). Contudo, isso “não é suficiente para garantir-lhe condição canônica” (p. 230).
O melhor estudo em português sobre os manuscritos do Novo Testamento foi escrito pelo teólogo adventista Wilson Paroschi e intitula-se A Origem e a Transmissão do Texto do Novo Testamento (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012). Marcos 16:9-20 e João 7:53–8:11 são discutidos, respectivamente, nas páginas 208-215 e 222-231.

Em minha opinião, o estudo dos manuscritos bíblicos é um dos assuntos mais fascinantes da teologia. Essa área é conhecida como “crítica textual”. E, ao contrário do que eu posso ter dado a entender acima, esse é um dos melhores instrumentos para fortalecer nossa fé na Palavra de Deus. Através de um método realmente científico, aceito até por céticos, podemos garantir, para além de qualquer dúvida razoável, que o texto bíblico que temos em nossas mãos é essencialmente o mesmo que foi escrito pelos autores bíblicos.

Se você procura um material esclarecedor, interessante e descontraído sobre o assunto, recomendo o podcast BibleCast, episódio 20B, “A Bíblia no banco dos réus II”, disponível aqui: http://biblecast.com.br/

(Matheus Cardoso, teólogo formado pelo Unasp)

Leia também este texto esclarecedor do professor Saulo Nogueira.