Cada vez que ocorre algum massacre com vítimas inocentes, a revolta e a indignação se levantam e ganham a mídia. Desconhecendo (ou ignorando) a origem e o destino do mal, certos ateus procuram algo ou alguém para descarregar seu grito incontido, e frequentemente erram o alvo. No caso específico do massacre perpetrado pelo jovem Wellington Menezes de Oliveira, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, na manhã do dia 7 de abril, quem foi realmente culpado? Os alunos que na infância do assassino praticaram bullying contra ele? A família que ainda nem foi reconhecer o corpo dele no IML? A sociedade hipócrita que adora programas que revelam o mundo-cão e enche salas de cinema para ver filmes que esbanjam violência? A falta de segurança de muitas escolas? A mídia, que espetaculariza crimes como esse e ajuda homicidas mentalmente perturbados na civilização da imagem a sair da invisibilidade frustrante? Os videogames que ele jogava? Os que venderam a arma para o bandido? Não. Para Arnaldo Jabor, o culpado é Deus!
Não gosto de fazer o tipo de análise que segue, nem me valer de momentos de luto e dor para criticar esse ou aquele comentário, mas achei as palavras de Jabor tão impróprias (veja o vídeo aqui), que resolvi não me calar. Tenho amigos ateus com os quais é possível manter diálogo respeitoso e que sabem separar uma coisa da outra. Imagino que alguns deles também devem ter ficado incomodados com o que ouviram do jornalista e cineasta que se valeu do alcance da “vênus platinada” para espalhar aos quatro ventos suas opiniões enviesadas.
A Folha de S. Paulo do dia 8 de abril informou que a mãe adotiva de Wellington, já falecida, era testemunha de Jeová. Numa carta escrita antes de cometer o crime, Wellington registrou: “Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.” Além disso, o rapaz também lia o Alcorão.
Pronto, eram os ingredientes ideais para a indignação dos ateus generalistas que vivem tomando o todo pela parte. Jabor não foi atrás da informação fornecida pelo site R7, que entrevistou psiquiatras e especialistas em doenças mentais. Segundo eles, o documento e outros indícios revelam claramente que o jovem vivia uma ruptura com a realidade. “Os indícios levam a crer que o atirador era psicótico e tinha uma doença mental”, explica a psiquiatra forense Lícia de Oliveira, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “O conteúdo místico e religioso da carta é comum nos psicóticos. Os familiares e amigos dizem que ele era isolado. Tudo leva a crer que é um psicótico, que sofre com quebra de realidade.”
Infelizmente, Wellington não é o único que sofre com problemas de “quebra de realidade”. Há aqueles que, mesmo não aparentando psicose, distorcem a realidade a seu bel-prazer. Parece que esse é o caso de Jabor (pelo menos nesse comentário apressado e infeliz). Já li textos bons e lúcidos do cineasta, mas essa crítica me atingiu, sim, pois sou religioso, creio em Deus e não me vi refletido na crônica dele. Vi, sim, a caricatura de uma religiosidade que parece irritar o comentarista global – e que irrita a mim também, tanto quanto a crítica infundada e injusta.
Se eu quisesse ser injusto com ateus como ele, lembraria (porque a mídia secular parece esquecer) que, segundo O Livro Negro do Comunismo, os regimes comunistas ateus foram responsáveis por mais de 100 milhões de mortes, muito mais do que as mortes causadas pela Inquisição e pelas Cruzadas juntas. Mas não quero descer o nível como fez meu colega de profissão, porque sei que nem todos os ateus e comunistas são assassinos e entendo que o fundamentalismo fanático pode acometer religiosos e políticos, entre outros.
Também não desejo ser injusto com os ateus darwinistas, ao lembrar as memórias de Traudl Junge, secretária de Hitler durante a 2ª Guerra. Ela relata no livro Até o Fim suas impressões a respeito do Führer enquanto conviveu com ele e seus colaboradores na “Toca do Lobo”, como era chamado o quartel-general nazista. Num dos trechos do livro, Traudl revela a filosofia de vida e o relacionamento de Hitler com a religião:
“[Hitler] não tinha qualquer ligação religiosa; achava que as religiões cristãs eram mecanismos hipócritas e ardilosos para apanhar incautos. Sua religião eram as leis da natureza. Conseguia subordinar seu violento dogma mais facilmente a elas do que aos ensinamentos cristãos de amor ao próximo e ao inimigo. ‘A ciência ainda não chegou a uma conclusão sobre a raiz que determina a espécie humana. Somos provavelmente o estagio mais desenvolvido de algum mamífero, que se desenvolveu do réptil a mamífero, talvez do macaco ao homem. Somos um membro da criação e filhos da natureza, e para nós valem as mesmas leis que para todos os seres vivos. Na natureza a lei da guerra vale desde o começo. Todo aquele que não consegue viver, e que é fraco, é exterminado. Só o ser humano e, principalmente, a Igreja têm por objetivo manter vivos artificialmente o fraco, o que não tem condições de viver e aquele que não tem valor” (p. 104).
Também conheço darwinistas que não pensam como Hitler e que seriam incapazes de fazer mal a uma mosca. Por isso, não usarei a tábua rasa de Jabor, que considera a religião (e, por extensão, os religiosos) como o mal do mundo, quando a religião, se bem praticada, poderia ser exatamente a solução para este planeta que agoniza sob o efeito do pecado.
Por que Jabor et al não focalizam o exemplo do fundador do cristianismo, Jesus Cristo, que deu a vida para salvar a de muitos outros? Ou mesmo o exemplo de Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá e tantas outras pessoas que revelaram o verdadeiro amor desinteressado motivado pela fé?
O mal não presta e nunca foi plano de Deus que existisse. Mas já que passou a existir, Ele usa as consequências dele para um bem maior. Quando contemplamos a providência de Deus na história, torna-se evidente quão impossível é, para nós, observadores limitados, especular sobre a probabilidade de Deus ter as razões moralmente suficientes para os males que vemos. E mais: tenho certeza de que, quando chegarmos ao outro lado da eternidade, ao olhar para o passado de forma “panorâmica”, vamos entender as razões de Deus e aprovar a maneira como Ele conduziu nossa vida a fim de nos fazer chegar ali.
Temos que nos lembrar de que, nas palavras de William Lane Craig, “não somos chamados para descobrir por que Deus nos tem permitido sofrer algum mal; somos chamados para confiar nEle”. O mesmo Craig propõe o seguinte silogismo: (1) Se Deus não existe, então os valores morais objetivos não existem; (2) o mal existe; (3) portanto, os valores objetivos existem; (4) portanto, Deus existe.
Ao tratar dos conceitos de bem e mal, inevitavelmente estamos falando de uma ordem moral. Mas quem decide o que é certo e errado? Se não existe moral objetiva e um ponto de referência superior para essa moralidade, que eu e muita gente cremos ser Deus, o que havia de errado, por exemplo, no que Hitler fez? Por que considerar a pedofilia e o estupro moralmente errados? É como se os ateus que se baseiam no argumento da dor e do mal para refutar a ideia de Deus estivessem nos dizendo: “Não existem sistemas morais atuando neste mundo, mas vejo coisas moralmente condenáveis.” Em algumas culturas, as pessoas amam ao próximo. Em outras, elas o devoram. O que você prefere?
Quando ateus como Jabor fazem juízos de valor, estão, na verdade, recorrendo sem saber à lei de Deus gravada no coração deles. Não há como explicar como essa intuição relativa à moralidade poderia ter evoluído da matéria bruta. Na verdade, até o amor se torna inexplicável do ponto de vista materialista. Para crer que não existe ordem moral é preciso pressupor o conhecimento de como seria uma ordem moral. Então, por que a opinião de uma pessoa a respeito do que seria uma ordem moral deveria ser melhor que a de outra pessoa?
Sobre a dor e o sofrimento, o ex-ateu indiano Ravi Zacharias explica que “existe uma diferença fundamental entre Deus permitir que ocorra uma morte e eu tirar a vida de outra pessoa: Deus tem o poder para restituir a vida, eu não. A história do mal é parte de uma grande narrativa. Ignorar a narrativa maior [o grande conflito] é continuar levantando os detalhes sem aceitar o geral”.
Jabor está preocupado com os “detalhes”. E, sinto muito dizê-lo, ficará cada vez mais assustado à medida que o fim se aproxima e que o amor vai se esfriando no coração de muita gente.
Dias piores virão, mas, acredite, a culpa não é de Deus. Na verdade, a solução virá dEle. De forma definitiva.
Michelson Borges
Em tempo: Curiosamente, cidadãos como Jabor não demonstram indignação alguma contra o holocausto de crianças cometido no Brasil por meio de abortos. Por que esses críticos assépticos são silentes sobre esse holocausto silencioso, e quando debaixo dos holofotes da grande imprensa são seus mais ardorosos defensores? Aborto é pena de morte sem formação de culpa. É também assassinato.
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