sábado, fevereiro 09, 2013

Causas genéticas da homossexualidade

[Este texto pode ajudar a esclarecer a recente polêmica em torno do assunto, tratada nesta postagem. - MB.] A sexualidade de um indivíduo é um importante componente de muitos tipos de relacionamentos humanos. Entre esses está a homossexualidade, que é definida como padrão sexual de atração erótica ou atividade sexual preferencial ou exclusiva entre pessoas do mesmo sexo, independentemente da disponibilidade de parceiros heterossexuais. Várias causas biológicas já foram apontadas para o comportamento homossexual. Vamos comentar rapidamente alguns estudos genéticos realizados com gêmeos. O estudo dos gêmeos pode ser utilizado tanto para a análise de distribuição qualitativa quanto para a de traços quantitativos. Em geral, essa análise inclui a estimativa do grau de determinação genética de uma característica, através da herdabilidade (h), que é a proporção da variação total do traço que resulta de variação genética.

Para características qualitativas ou descontínuas, a herdabilidade pode ser obtida a partir da frequência com que os pares de gêmeos são concordantes quanto às mesmas (ambos as possuem) ou discordantes (apenas um dos cogêmeos as apresenta). Se tais traços forem determinados geneticamente, a taxa de concordância será mais alta para os gêmeos monozigóticos (geneticamente idênticos) do que para os gêmeos dizigóticos. Quanto maior for a diferença entre essas taxas, maior deve ser o condicionamento genético da característica considerada.

Se, por outro lado, a concordância entre os gêmeos monozigóticos for menor do que 100%, certamente fatores não genéticos devem tomar parte na sua etiologia. A herdabilidade de uma característica pode ser calculada a partir dos dados sobre concordância entre os cogêmeos:
onde Cmz = concordância observada entre os pares de gêmeos monozigóticos e Cdz = concordância observada entre os pares de gêmeos dizigóticos.

Estudos de gêmeos mostram que há alguma influência genética na homossexualidade, uma vez que as proporções de concordância para gêmeos monozigóticos normalmente são maiores do que para gêmeos dizigóticos. No entanto, de acordo com o melhor estudo já realizado (BAILEY, 2000), as proporções de concordância para gêmeos monozigóticos são muito mais baixas do que nos estudos anteriores. De acordo com um grande estudo obtido a partir do Registro Australiano de Gêmeos, a herdabilidade para a homossexualidade em homens é de 26% e, em mulheres, de 43%.

Além disso, os dados obtidos por Bailey e Pillard (1993) mostraram que a coincidência de homossexualidade em irmãos adotivos de homossexuais (11%) é muito maior do que as estimativas de homossexualidade da população geral (2% a 5%), sendo parecida com a de irmãos biológicos não gêmeos (9%). Tais resultados, obviamente, desafiam a hipótese genética pura e simples e indicam que o meio ambiente contribui de modo significativo para a orientação sexual do indivíduo.

Existe uma série de limitações nesses estudos feitos com gêmeos, a começar pela impossibilidade de determinação do tipo de herança da característica estudada. Outro fator limitante é que os gêmeos monozigóticos são idênticos apenas quanto aos genes presentes nos gametas parentais de que se originam, podendo apresentar diferenças decorrentes de uma variedade de fatores: (a) mutações somáticas pós-zigóticas, como as que ocorrem durante a formação de imunoglobulinas; (b) anormalidades no desenvolvimento embrionário que podem acarretar alterações dismórficas; (c) anormalidades cromossômicas originadas após o evento da gemelaridade, resultando em gêmeos monozigóticos com cariótipos diferentes; (d) inativação desigual do cromossomo X em pares monozigóticos do sexo feminino, podendo resultar expressão fenotípica preferencial do cromossomo X de origem paterna em uma das cogêmeas e do cromossomo X de origem materna, na outra (por exemplo, distrofia muscular Duchenne apenas em uma das cogêmeas, sendo ambas heterozigotas quanto ao gene que a determina).

As condições intrauterinas ambientais peculiares (por exemplo: o desenvolvimento de dois embriões no mesmo espaço intrauterino, a inter-relação das membranas fetais e a anastomose vascular placentária causando a “síndrome da transfusão” que pode favorecer nutricionalmente um dos cogêmeos, bem como a extrapolação dos resultados obtidos por meio desse método a amostras de não gêmeos, especialmente em relação a características ambientais.

Existem várias situações após o nascimento que podem limitar o estudo de gêmeos. Por exemplo, a constituição de um grupo social a parte, inclusive com linguagem privada, que só os gêmeos compreendem; a pressão ambiental familiar em direção à uniformidade nos monozigóticos e a dissimilaridade nos gêmeos dizigóticos; o protesto gemelar contra a igualdade, encontrado principalmente em gêmeos monozigóticos do sexo masculino e levando à hostilidade entre os cogêmeos; a diferenciação na escolha de papéis sociais, mais detectável entre os idênticos do que entre os fraternos – são fatores que podem interferir na interpretação desses resultados.

Diante do que foi colocado, podemos tirar pelo menos duas conclusões. Para aqueles que acham que os estudos genéticos são conclusivos é preciso muita cautela. O que os estudos com gêmeos demonstram é que o ambiente ainda tem um papel muito importante na orientação sexual e que não pode ser negligenciado. Precisamos ter cuidado com o determinismo neurogenético. Um gene sozinho não determina nada. Finalmente, os cristãos devem empenhar-se por seguir a instrução e o exemplo de Jesus. Ele afirmou a dignidade de todos os seres humanos e estendeu a mão compassivamente a todas as pessoas e famílias que sofriam a consequência do pecado. Desenvolveu um ministério solícito e proferiu palavras de conforto às pessoas que enfrentavam dificuldades. Mas fez distinção entre Seu amor pelos pecadores e Seus claros ensinos sobre as práticas pecaminosas.

(Wellington Silva, biólogo e doutor em genética humana pela UNB)

Referências:

BORGES-OSÓRIO, M.R.; ROBINSON, W.M. Genética humana. Porto Alegre: Artmed, 2 ed. 2001.
TAY, J.S.H. Nascido Gay? Rio de Janeiro, 1ª ed. Editora Central Gospel, 2011.
BAILEY, J.M.; PILLARD, R.C.; NEALE, M.C.; AGIEL, Y. “Heritable factors influence sexual orientation in women” [Fatores hereditários influenciam a orientação sexual em mulheres], in: Archives of General Psychiatry, 50(3):217-23, março de 1993.
BAILEY, J.M.; DUNNE, M.P.; MARTIN, N.G. “Genetic and environmental influences on sexual orientation and its correlates in an Australian twin sample” [Influências genéticas e ambientais na orientação sexual e seus correlatos em uma amostra de gêmeos australianos], in: Journal of Personality and Social Psychology, 78(3):524-36, março de 2000.