[Este texto pode ajudar a esclarecer a recente polêmica em torno do assunto, tratada nesta postagem. - MB.] A
sexualidade de um indivíduo é um importante componente de muitos tipos de
relacionamentos humanos. Entre esses está a homossexualidade, que é definida
como padrão sexual de atração erótica ou atividade sexual preferencial ou
exclusiva entre pessoas do mesmo sexo, independentemente da disponibilidade de
parceiros heterossexuais. Várias causas biológicas já foram apontadas para o
comportamento homossexual. Vamos comentar rapidamente alguns estudos genéticos realizados
com gêmeos. O estudo dos gêmeos pode ser utilizado tanto para a análise de
distribuição qualitativa quanto para a de traços quantitativos. Em geral, essa
análise inclui a estimativa do grau de determinação genética de uma
característica, através da herdabilidade (h), que é a proporção da variação
total do traço que resulta de variação genética.
Para
características qualitativas ou descontínuas, a herdabilidade pode ser obtida a
partir da frequência com que os pares de gêmeos são concordantes quanto às
mesmas (ambos as possuem) ou discordantes (apenas um dos cogêmeos as
apresenta). Se tais traços forem determinados geneticamente, a taxa de
concordância será mais alta para os gêmeos monozigóticos (geneticamente
idênticos) do que para os gêmeos dizigóticos. Quanto maior for a diferença
entre essas taxas, maior deve ser o condicionamento genético da característica
considerada.
Se,
por outro lado, a concordância entre os gêmeos monozigóticos for menor do que
100%, certamente fatores não genéticos devem tomar parte na sua etiologia. A
herdabilidade de uma característica pode ser calculada a partir dos dados sobre
concordância entre os cogêmeos:
onde
Cmz = concordância observada entre os pares de gêmeos monozigóticos e Cdz =
concordância observada entre os pares de gêmeos dizigóticos.
Estudos
de gêmeos mostram que há alguma influência genética na homossexualidade, uma
vez que as proporções de concordância para gêmeos monozigóticos normalmente são
maiores do que para gêmeos dizigóticos. No entanto, de acordo com o melhor
estudo já realizado (BAILEY, 2000), as proporções de concordância para gêmeos
monozigóticos são muito mais baixas do que nos estudos anteriores. De acordo
com um grande estudo obtido a partir do Registro Australiano de Gêmeos, a
herdabilidade para a homossexualidade em homens é de 26% e, em mulheres, de
43%.
Além
disso, os dados obtidos por Bailey e Pillard (1993) mostraram que a
coincidência de homossexualidade em irmãos adotivos de homossexuais (11%) é
muito maior do que as estimativas de homossexualidade da população geral (2% a
5%), sendo parecida com a de irmãos biológicos não gêmeos (9%). Tais
resultados, obviamente, desafiam a hipótese genética pura e simples e indicam
que o meio ambiente contribui de modo significativo para a orientação sexual do
indivíduo.
Existe
uma série de limitações nesses estudos feitos com gêmeos, a começar pela
impossibilidade de determinação do tipo de herança da característica estudada. Outro
fator limitante é que os gêmeos monozigóticos são idênticos apenas quanto aos
genes presentes nos gametas parentais de que se originam, podendo apresentar
diferenças decorrentes de uma variedade de fatores: (a) mutações somáticas
pós-zigóticas, como as que ocorrem durante a formação de imunoglobulinas; (b) anormalidades
no desenvolvimento embrionário que podem acarretar alterações dismórficas; (c)
anormalidades cromossômicas originadas após o evento da gemelaridade,
resultando em gêmeos monozigóticos com cariótipos diferentes; (d) inativação
desigual do cromossomo X em pares monozigóticos do sexo feminino, podendo
resultar expressão fenotípica preferencial do cromossomo X de origem paterna em
uma das cogêmeas e do cromossomo X de origem materna, na outra (por exemplo,
distrofia muscular Duchenne apenas em uma das cogêmeas, sendo ambas
heterozigotas quanto ao gene que a determina).
As
condições intrauterinas ambientais peculiares (por exemplo: o desenvolvimento
de dois embriões no mesmo espaço intrauterino, a inter-relação das membranas
fetais e a anastomose vascular placentária causando a “síndrome da transfusão”
que pode favorecer nutricionalmente um dos cogêmeos, bem como a extrapolação
dos resultados obtidos por meio desse método a amostras de não gêmeos,
especialmente em relação a características ambientais.
Existem
várias situações após o nascimento que podem limitar o estudo de gêmeos. Por
exemplo, a constituição de um grupo social a parte, inclusive com linguagem
privada, que só os gêmeos compreendem; a pressão ambiental familiar em direção à
uniformidade nos monozigóticos e a dissimilaridade nos gêmeos dizigóticos; o
protesto gemelar contra a igualdade, encontrado principalmente em gêmeos monozigóticos
do sexo masculino e levando à hostilidade entre os cogêmeos; a diferenciação na
escolha de papéis sociais, mais detectável entre os idênticos do que entre os
fraternos – são fatores que podem interferir na interpretação desses
resultados.
Diante
do que foi colocado, podemos tirar pelo menos duas conclusões. Para aqueles que
acham que os estudos genéticos são conclusivos é preciso muita cautela. O que
os estudos com gêmeos demonstram é que o ambiente ainda tem um papel muito
importante na orientação sexual e que não pode ser negligenciado. Precisamos
ter cuidado com o determinismo neurogenético. Um gene sozinho não determina
nada. Finalmente, os cristãos devem empenhar-se por seguir a instrução e o
exemplo de Jesus. Ele afirmou a dignidade de todos os seres humanos e estendeu
a mão compassivamente a todas as pessoas e famílias que sofriam a consequência
do pecado. Desenvolveu um ministério solícito e proferiu palavras de conforto
às pessoas que enfrentavam dificuldades. Mas fez distinção entre Seu amor pelos
pecadores e Seus claros ensinos sobre as práticas pecaminosas.
(Wellington Silva,
biólogo e doutor em genética humana pela UNB)
Referências:
BORGES-OSÓRIO,
M.R.; ROBINSON, W.M. Genética humana.
Porto Alegre: Artmed, 2 ed. 2001.
TAY,
J.S.H. Nascido Gay? Rio de Janeiro,
1ª ed. Editora Central Gospel, 2011.
BAILEY,
J.M.; PILLARD, R.C.; NEALE, M.C.; AGIEL, Y. “Heritable factors influence sexual
orientation in women” [Fatores hereditários influenciam a orientação sexual em
mulheres], in: Archives of General
Psychiatry, 50(3):217-23, março de 1993.
BAILEY,
J.M.; DUNNE, M.P.; MARTIN, N.G. “Genetic and environmental influences on sexual
orientation and its correlates in an Australian twin sample” [Influências
genéticas e ambientais na orientação sexual e seus correlatos em uma amostra de
gêmeos australianos], in: Journal of
Personality and Social Psychology, 78(3):524-36, março de 2000.