segunda-feira, setembro 22, 2014

O Ser é o sentido e a verdade

Martin Heidegger
Enquanto assistia, na Associação Psicanalítica de Aracaju, à excelente palestra intitulada “A Verdade em Heidegger”, minha mente movia-se insistentemente em torno de duas palavras centrais presentes no discurso do palestrante: Ser e Verdade. No âmbito da filosofia, ambas me pareceram por demais metafísicas, fortes abstrações, pensamento puro e longínquas ideias distanciadas do nosso mundo real, onde o ser e a verdade, nessa “existência inautêntica”, estão cada vez mais precários. Pude perceber, porém, que no centro do pensamento heideggeriano Ser e Verdade estão bastante aproximados e relacionados com a questão do sentido. Daí  me recordei de um fragmento lido tempos atrás:

“Para Heidegger, o mundo atual, na ‘idade da técnica’, é o mundo da metafísica, enquanto transforma a verdade em ‘certeza’ e o ‘hipokeímenon’ (sujeito) na mera subjetividade humana. Ora, o sujeito cogitante, representativo e dominador, ‘objetiva’ tudo sem limite algum. O próprio ‘humano’, nas mãos da subjetividade constituinte, vira ‘material’ disponível à ‘vontade de poder’. Então o Ser, o ‘único necessário’, deixa de ser necessário. E é necessário que ele não seja necessário, precisamente para que tudo seja livre e disponível ao arbítrio humano, de modo que este possa reinar, solto e absoluto. Aqui a ocultação do Ser é extrema, e sua verdade, quase irreconhecível. Mas essa ‘necessidade de não ter necessidade do Necessário’, ao mesmo tempo que libera o mundo para a extrema manipulação técnica, aliena e desenraíza o ‘Dasein’ (ser-aí-no-mundo) em relação ao ‘Sein’ (Ser). Agora, em vez de se ancorar no Ser, o homem se perde na conquista da terra e do cosmos. Fica assim ‘desenraizado’ de sua essência, ou seja, ‘fora de si’, ‘alienado’, perdido, sem direção e sem sentido. [...] Porque os homens quiseram mandar no Ser em vez de obedecer-lhe, desceu sobre eles o que Heidegger chama a ‘noite do mundo’ (Weltnacht). Daí também a indigência extrema dos contemporâneos: a de não se darem conta de que vivem exatamente num ‘tempo indigente’. [...] A suprema tragédia é a indiferença do ‘não me importa’. Então, ‘o desejo do ente substitui a necessidade do Ser’. Em contrapartida, pensa Heidegger, se o Ser começa por ser querido e buscado, então se abre a possibilidade de superar o niilismo. Se há saudade, há um início de salvação. Porque a inquietação pelo ‘Sein’ é inquietação pela essência do próprio ‘Dasein’. Isso, contudo, não se resolve apenas na mente, nem apenas na história, mas precisamente na experiência, enquanto mente pensando a história e história vivida pela mente. Por outro lado, o ‘Dasein’ só pode experienciar o Ser se este se dá à experiência, ou seja, se ele se revela. [...] O homem é assim convidado a deixar o Ser, ou seja, deixar o Ser fluir, falar, dar-se. Quanto ao homem mesmo, ele deve apenas velar, escutar e eventualmente acolher o Ser que se desvela e se oferece” (O Livro do Sentido, v. 1, p. 319-321).

Em época de tanta precariedade ontológica, precisamos conhecer e experimentar a profundidade e a verdade do SER. Ele, pessoalmente, alcançando nossa finitude, já Se apresentou à experiência e ao conhecimento humanos.

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)