segunda-feira, setembro 01, 2014

Para Carta Maior, criacionismo é ataque à democracia

Quem de fato ameaça a democracia?
[Antes do artigo preconceituoso publicado na Folha, o Carta Maior publicou esta “pérola”. Atente para as expressões que eu grifei no texto. Meus comentários seguem entre colchetes. – MB] Se Deus criou o mundo e se ele existe é o que menos importa no debate sobre criacionismo. Fundamental, na crença de que Deus criou o mundo em sete dias, são e devem ser as implicações conceituais, históricas e políticas dessa caricatura de aparência inofensiva [e começam os impropérios]. Em primeiro lugar, quem acredita nisso não pode, por uma exigência lógica, acreditar que há evolução, história e Política [comentário dos mais rasteiros que já li. Que “exigência lógica” é essa? Por que alguém que não acredita na lenda da macroevolução naturalista não poderia acreditar na história e na política? O que uma coisa tem a ver com a outra? A história conta com registros escritos, documentos, evidências. Agora pergunto: Que evidências existem de que a vida teria surgido numa “sopa primordial”? De que uma célula, novos órgãos funcionais e planos corporais teriam surgido a partir do nada, com o aparecimento de informação genética – em muita! – sabe-se lá de onde?]. A imagem caricatural do fanático que denega a existência pregressa dos dinossauros tem veracidade: a existência e o processo de extinção dos dinossauros se deram, comprovadamente, num lapso de tempo maior do que sete dias. E os milhões de anos que separam a sua história da nossa, bem como a do planeta, tampouco podem ser contados na arregimentação do velho testamento feita pelos pentecostais. [Acreditar que os dinossauros foram extintos de maneira repentina – e há muitas evidências disso – torna a pessoa fanática? Basta discordar do fanatismo darwinista para se tornar um fanático religioso? E quem disse que são apenas os pentecostais que acreditam na veracidade do Antigo Testamento? Marina Silva é política e pentecostal. Entendeu a quem eles querem atingir com essa reportagem preconceituosa?]

Na hipótese estapafúrdia de uma jabuticaba pentecostal, isto é, de igreja evangélica peculiar ao Brasil, que admita alguma narrativa metafórica na tese da criação das coisas neste mundo e que, portanto, aceite a existência pregressa de dinossauros (o que implica aceitar a possibilidade de extinção, evolução, progressão e regressão de complexidade dos organismos, mecanismos intrínsecos de maior ou menor velocidade evolutiva, entre outras coisas), restaria a ser esclarecido como a criação das coisas do mundo em sete dias (ou anos, ou semanas, digamos) tornam inteligíveis a história e a Política. [?!?]

O fato é que não tornam, nem podem tornar. E aí reside o seu conflito e a sua aversão à democracia. E é por isso que os representantes pentecostais, em qualquer parte do mundo, advogam uma política descarnada, dogmática e refratária ao esclarecimento. Rejeitar uma ordem temporal biológica [nada disso! Uma ordem temporal darwinista], portanto, não é tão inofensivo, nem conceitual, nem historicamente, como as nossas certezas estéticas e de classe podem dar a ver. Não é o grotesco do ignorante subletrado o que deve incomodar, pelo menos não somente. O problema é a presença das suas crenças na nossa vida cotidiana, reivindicando poder sobre ela [então quer dizer que, para a autora deste texto, criacionista é aquele que crê em coisas grotescas, como o “ignorante subletrado”? Numa só frase ela comete duas injustiças e manifesta dois preconceitos]. E é revelador da penúria do debate político brasileiro, bem como da tibieza de sua esquerda, não levar a sério o caráter destrutivo, niilista e repressor dessas expressões políticas que estão, em maior ou menor grau, invadindo as esferas de decisão, formulação e comunicação. [...]

Importa menos que Marina Silva minta, ao dizer que não é incoerente, do que acredite nos próprios delírios ou mentiras: as suas crenças são descarnadas o suficiente para que ela se veja como plenamente coerente e aí está a periculosidade do que ela representa. Ela, a horda evangélica e a banca que a apoia e defende acreditam numa coerência tão postulada como o são (não importa se os representantes da finança são ou não pentecostais, vai sem dizer) as suas teses sobre natureza humana, criação do mundo e funcionamento do Estado e da economia.

Essas crenças denotam um descompromisso genético com a experiência, com a vida encarnada, com as metáforas da vida cotidiana, com as contradições sociais e políticas. E deixaram, no mundo, um rastro de destruição pelo qual parte significativa do planeta paga, hoje, um alto preço, em desemprego, superendividamento, miséria e destruição ambiental. [Então a culpa por todas as mazelas do mundo agora é do criacionismo pentecostal? Será mesmo?]

É possível que Marina Silva diga hoje que jamais foi ambientalista, nunca foi de esquerda e, ainda assim, que não acredite que está mentindo, como claramente está. A sua visão de mundo autoriza essa conduta que, para quem é democrático, causa assombro, pela ausência total de qualquer respeito à alteridade, à memória e à experiência política. Não há coisa alguma de acidental nos pronunciamentos da candidata missionária. O criacionismo, como se pode inferir, denega o acaso, ao contrário do darwinismo, que o toma como constitutivo. [...]

É claro, para quem leu Darwin e leva o legado e as implicações do darwinismo a sério, que ambientalista criacionista é um círculo quadrado. Trata-se de algo impensável, tamanha a impossibilidade lógica. É nota característica da penúria de nossas escolas e da vida política da esquerda a negligência com esse debate, com o que está nele implicado. É assim que a candidata do PSOL à presidência, num rasgo de brutal ignorância, perdeu a melhor chance de expor Marina Silva, no debate da Band. A ignorância quanto às implicações do criacionismo tornam a exigência de respeito aos dissidentes sexuais, aos gays e às mulheres, uma luta frágil. [Será este tema – a questão dos homossexuais – a maior preocupação dos setores que se opõem ao criacionismo, uma vez que, segundo o Gênesis que eles criticam, casamento é unicamente a união entre um homem e uma mulher? Sim, a Bíblia condena o estilo de vida homossexual, mas orienta os cristãos a respeitarem a liberdade alheia e a separar o pecado do pecador. E que história é essa de que criacionismo não combina com ambientalismo? Desde quando? É a própria Bíblia que estabelece que o ser humano cuide da natureza, como administrador (mordomo) dela. E isso está justamente lá no Gênesis. Se essa recomendação divina tivesse sido seguida desde a origem, não teríamos que nos preocupar hoje com o esgotamento dos recursos naturais e com a poluição.] [...]

Não há compatibilidade conceitual entre criacionismo, fundamentalismo de mercado, por um lado, e democracia, por outro. Há um conflito. E deve haver, para a sobrevivência da democracia e da atual experiência democratizante, sem precedentes, já vivida por este país. [Quer dizer que, além de fanático, fundamentalista e otras cositas mas, o criacionista é também um inimigo da democracia? Será que a autora desta pérola se esquece de que as maiores ditaduras deste planeta foram praticadas justamente em países que baniram a religião?]

(Katarina Peixoto, Carta Maior)

Nota: A título de comparação: o Brasil tem enorme quantidade de evangélicos, muito mais do que de homossexuais. Mas eleger a cidadã Marina Silva seria um ataque à democracia, ao passo que ter eleito o deputado heterofóbico Jean Wyllys não foi (político para quem união civil entre gays seria a mesma coisa que casamento de negros). Outra coisa: apenas imagine o que aconteceria se um articulista usasse a expressão "horda gay". Sai de baixo! Vai estender este país... [MB]

Nota da advogada Michela Borges Nunes, de Criciúma, SC: “Lamentável... Muitos se indignam com atos preconceituosos envolvendo raça ou sexo, por exemplo, o que pode acarretar, inclusive, um processo judicial contra o agressor. Agora, chamar de fundamentalista ou ofender uma pessoa a ponto de desqualificá-la para um cargo por causa de suas crenças, ah, isso é permitido. E o direito constitucional de liberdade religiosa? É um direito, assim como o de igualdade, garantido pela Lei Maior do País. Logo, todos também deveriam se indignar com tamanho preconceito da cidadã que se atreveu a escrever esse artigo.”

Leia também: “Marina costuma recorrer a versículos da Bíblia para tomar decisões” [E se ela consultasse o horóscopo ou fizesse despacho, seria notícia? Pelo jeito, a tendência agora vai ser desviar a atenção do eleitor para detalhes periféricos e esquecer as propostas de governo.]