segunda-feira, dezembro 28, 2015

Papa Francisco: Ateus vão para um Céu em que não creem?

Salvação é assunto de Deus
Mais um comentário do papa Francisco elevou a popularidade do líder religioso, que tem sido considerado um dos sacerdotes mais adorados que comandou a Igreja Católica. Desta vez, em uma carta aberta ao fundador do jornal italiano La Reppublica, Eugenio Scalgari, ele escreveu que Deus perdoaria aqueles que não creem, caso eles tenham seguido suas consciências durante a vida. Em resposta a uma série de perguntas feitas por Scalgari, Francisco escreveu: “Você me perguntou se o Deus dos cristãos perdoa aqueles que não acreditam nele e que não buscam o perdão. Eu começo - e isto é uma coisa fundamental - dizendo que o perdão de Deus não tem limites se você vai a ele com um coração sincero e penitente. O problema para esses que não creem em Deus é obedecer a consciência.”

Robert Mickens, o correspondente no Vaticano para o jornal católico The Table, contou que os comentários do pontífice são mais uma evidência de que a Igreja Católica está trabalhando para retirar a imagem manchada que foi reforçada após o período de conservadorismo extremo liderado por Bento XVI. “Francisco ainda é parte dos conservadores, mas isso tudo é uma forma que ele tem buscado de dialogar de uma forma mais significativa com o mundo”, escreveu Mickens.

Esta não foi nem de perto a declaração com teor de liberdade e convalescência que o papa fez neste ano. Em julho, ele levantou uma polêmica ao questionar a si mesmo: “Se alguém se declara gay e está olhando para o Senhor, quem sou eu para julgá-lo.”

Realmente, parece que Francisco, assim como o jornalista Saclfari comentou na resposta à carta, está fazendo comentários que provam “sua habilidade e desejo de ultrapassar barreiras e estabelecer um diálogo com todos”.


Nota: Esse é realmente um tema delicado... Há muitos ateus sinceros e de boa consciência (embora uma boa consciência já seja, para muitos apologetas, indicativo da existência de um Deus legislador, autor da lei moral que rege os seres conscientes). Mas será que a consciência, apenas, pode ser um guia moral infalível e confiável? No primeiro capítulo da carta de Paulo aos Romanos, ele diz que os incrédulos são indesculpáveis, uma vez que há evidências abundantes para os que procuram sinceramente por Deus. O verdadeiro cético duvida até de seu ceticismo; o cético sincero permanece aberto à possibilidade da crença. Para o incrédulo, nem um caminhão de evidências seria suficiente, pois ele já se fechou para a possibilidade da crença; já fez sua escolha. É um crente no não. Como o Criador vai lidar com esse tipo de pessoa que teve acesso à verdade, mas a rejeitou? Deus sabe. E não é o papa, em busca de mais popularidade, quem vai determinar isso. Levada às últimas consequências, as palavras do líder católico acabam tornando praticamente sem sentido os esforços evangelísticos no sentido de partilhar a fé cristã com todas as pessoas, dando a elas a oportunidade de conhecer a mensagem de Cristo e tomar a decisão que bem entenderem.

Falando em ateísmo, chamou atenção o artigo de Marcelo Gleiser, professor titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College, nos EUA, publicado ontem na Folha de S. Paulo. Veja alguns trechos:

“Nossas convicções mudam com a idade e, entre elas muda, também, nossa relação com a fé. [...] Na realidade, existe todo um espectro de modalidades da fé humana que ocupa um rico espaço entre o radicalismo dos dois polos. Por exemplo, Francis Collins, diretor do Instituto Nacional da Saúde nos EUA – o órgão governamental que administra o maior número de bolsas de pesquisa nas áreas da medicina e da biologia – não vê conflito algum entre ser cristão e ser cientista. Como ele, muitos cientistas veem a prática científica como mais um meio de admirar a obra divina, como uma forma de devoção religiosa. Essa é uma tradição antiga, que inclui, por exemplo, alguns dos patriarcas da ciência moderna, como Copérnico, Newton, Kepler e Descartes. A ruptura veio mais tarde, com o Iluminismo do século 18.

“Para ateus conhecidos do público, como Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens (1949-2011), esse tipo de posição intermediária é inconsistente com os fundamentos da ciência: a natureza é material, e a matéria é organizada segundo leis quantitativas. O objetivo da ciência é descobrir essas leis; não existe espaço para mais nada. Segundo eles, essa posição metafísica conciliatória cria uma série de problemas filosóficos. Embora atraente, ela força a coexistência incompatível do natural com o sobrenatural. Como a natureza pode ser tanto natural quanto sobrenatural? [...]

“O fato é que a ciência e a religião claramente se superpõem na cabeça das pessoas, nas escolhas que fazemos na vida, nos desafios morais que a sociedade moderna enfrenta. É por demais ingênuo negar o poder da religião no mundo, com bilhões de pessoas declarando-se seguidores de algum tipo de fé, mesmo que muitos deles definam sua fé de forma vaga.

“Além disso, a posição dos ateus radicais também é inconsistente com os parâmetros do método científico, algo que talvez surpreenda muita gente. Basta ver que o ateísmo é a crença na não crença, já que a possibilidade da existência de qualquer tipo de divindade é negada categoricamente. Ora, a ciência não pode negar a existência de algo categoricamente, apenas após observações absolutamente conclusivas. E como podemos ter certeza do que ainda não medimos?

“A posição mais consistente com o método científico é a do agnóstico, como haviam já percebido Thomas Huxley e Bertrand Russell, entre muitos outros: não vejo qualquer razão para crer, mas, com base no que sei não posso negar absolutamente a possibilidade de que alguma entidade divina exista. Como escreveu Huxley, criador do termo ‘agnóstico’: ‘É errôneo afirmar que se tem certeza da verdade objetiva de uma proposição, a menos que seja fornecida evidência que justifique logicamente esta certeza.’ [...]

“Como descreveu o psicólogo americano William James em sua obra-prima As Variedades da Experiência Religiosa, a experiência religiosa atinge seu clímax na subjetividade da experiência individual, na comunhão da pessoa com o desconhecido, na percepção de transcendência dos limites da existência humana, delineada pelas barreiras do espaço e do tempo. As visões e revelações dos profetas e dos santos, a experiência emocional do divino ocorre no indivíduo, mesmo quando induzida pelo grupo – por exemplo, através de rituais. Existe muito mais no mundo do que o que percebemos ou podemos medir, e essas características ‘ocultas’ são igualmente importantes na nossa construção do que definimos como realidade.

“Como escreveu James, ‘toda a sua vida subconsciente, seus impulsos, suas crenças, suas necessidades são a premissa da sua existência consciente; existe algo dentro de você que sabe de forma absoluta que o resultado disso tudo deve ser mais verdadeiro do que qualquer tipo de argumento lógico, por mais articulado que seja, que tente contradizer essas convicções subconscientes’.

“Mesmo que o filósofo George Santayana (1863-1952) e outros tenham criticado James por ‘encorajar a superstição’, ninguém pode negar que a razão tem alcance limitado. A ciência, se vista como expressão da razão humana, espalha-se por todos os cantos do conhecimento de forma magnífica, mas seu alcance não é ilimitado. Existe outra dimensão da fé, separada dos rituais tribais, da religião organizada, que dá expressão a uma necessidade primária que temos de comunhão com o desconhecido. Esse é o aspecto mais universal da necessidade humana de crer, que transcende as divisões arbitrárias da fé criadas no decorrer da história; as religiões, as tradições, os cultos, as tribos e suas regras. Não existe aqui qualquer menção a uma supersticiosidade irracional ou mística. O que identificamos é a necessidade individual da crença, expressa por cada um de forma variada.”

As palavras de Gleiser me soam quase como um passo atrás no ateísmo que ele vinha advogando em anos recentes. Estaria de novo flertando com o agnosticismo? Ele está com 56 anos... Acho que a idade/maturidade está fazendo bem a ele.

Creio que pessoas assim, que continuam na busca com a mente aberta, poderão ser vistas no Céu. [MB]