Salvação é assunto de Deus |
Mais um comentário do papa Francisco elevou
a popularidade do líder religioso, que tem sido considerado um dos sacerdotes mais adorados que
comandou a Igreja Católica. Desta vez, em uma carta aberta ao fundador do
jornal italiano La Reppublica,
Eugenio Scalgari, ele escreveu que Deus perdoaria aqueles que não creem, caso
eles tenham seguido suas consciências durante a vida. Em resposta a uma série
de perguntas feitas por Scalgari, Francisco escreveu: “Você me perguntou se o
Deus dos cristãos perdoa aqueles que não acreditam nele e que não buscam o
perdão. Eu começo - e isto é uma coisa fundamental - dizendo que o perdão de
Deus não tem limites se você vai a ele com um coração sincero e penitente. O problema
para esses que não creem em Deus é obedecer a consciência.”
Robert Mickens, o correspondente no Vaticano
para o jornal católico The Table,
contou que os comentários do pontífice são mais uma evidência de que a Igreja
Católica está trabalhando para retirar a
imagem manchada que foi reforçada após o período de conservadorismo extremo
liderado por Bento XVI. “Francisco ainda é parte dos conservadores, mas isso
tudo é uma forma que ele tem buscado de dialogar de uma forma mais
significativa com o mundo”, escreveu Mickens.
Esta não foi nem de perto a declaração com
teor de liberdade e convalescência que o papa fez neste ano. Em julho, ele
levantou uma polêmica ao questionar a si mesmo: “Se alguém se declara gay e
está olhando para o Senhor, quem sou eu para julgá-lo.”
Realmente, parece que Francisco, assim como
o jornalista Saclfari comentou na resposta à carta, está fazendo comentários
que provam “sua habilidade e desejo de
ultrapassar barreiras e estabelecer um diálogo com todos”.
(Yahoo)
Nota: Esse é realmente um tema delicado... Há
muitos ateus sinceros e de boa consciência (embora uma boa consciência já seja,
para muitos apologetas, indicativo da existência de um Deus legislador, autor
da lei moral que rege os seres conscientes). Mas será que a consciência,
apenas, pode ser um guia moral infalível e confiável? No primeiro capítulo da
carta de Paulo aos Romanos, ele diz que os incrédulos são indesculpáveis, uma
vez que há evidências abundantes para os que procuram sinceramente por Deus. O
verdadeiro cético duvida até de seu ceticismo; o cético sincero permanece
aberto à possibilidade da crença. Para o incrédulo, nem um caminhão de
evidências seria suficiente, pois ele já se fechou para a possibilidade da
crença; já fez sua escolha. É um crente no não.
Como o Criador vai lidar com esse tipo de pessoa que teve acesso à verdade, mas
a rejeitou? Deus sabe. E não é o papa, em busca de mais popularidade, quem vai
determinar isso. Levada às últimas consequências, as palavras do líder católico
acabam tornando praticamente sem sentido os esforços evangelísticos no sentido
de partilhar a fé cristã com todas as pessoas, dando a elas a oportunidade de
conhecer a mensagem de Cristo e tomar a decisão que bem entenderem.
Falando
em ateísmo, chamou atenção o artigo de Marcelo Gleiser, professor titular de física, astronomia e filosofia natural no
Dartmouth College, nos EUA, publicado ontem na Folha de S. Paulo. Veja alguns trechos:
“Nossas convicções mudam com a idade e, entre elas muda, também,
nossa relação com a fé. [...] Na realidade, existe todo um espectro de
modalidades da fé humana que ocupa um rico espaço entre o radicalismo dos dois
polos. Por exemplo, Francis Collins, diretor do Instituto Nacional da Saúde nos
EUA – o órgão governamental que administra o maior número de bolsas de pesquisa
nas áreas da medicina e da biologia – não vê conflito algum entre ser cristão e
ser cientista. Como ele, muitos cientistas veem a prática científica como mais
um meio de admirar a obra divina, como uma forma de devoção religiosa. Essa é
uma tradição antiga, que inclui, por exemplo, alguns dos patriarcas da ciência
moderna, como Copérnico, Newton, Kepler e Descartes. A ruptura veio mais tarde,
com o Iluminismo do século 18.
“Para ateus conhecidos do público, como Richard Dawkins, Sam
Harris e Christopher Hitchens (1949-2011), esse tipo de posição intermediária é
inconsistente com os fundamentos da ciência: a natureza é material, e a matéria
é organizada segundo leis quantitativas. O objetivo da ciência é descobrir
essas leis; não existe espaço para mais nada. Segundo eles, essa posição
metafísica conciliatória cria uma série de problemas filosóficos. Embora
atraente, ela força a coexistência incompatível do natural com o sobrenatural.
Como a natureza pode ser tanto natural quanto sobrenatural? [...]
“O fato é que a ciência e a religião claramente se superpõem na
cabeça das pessoas, nas escolhas que fazemos na vida, nos desafios morais que a
sociedade moderna enfrenta. É por demais ingênuo negar o poder da religião no
mundo, com bilhões de pessoas declarando-se seguidores de algum tipo de fé,
mesmo que muitos deles definam sua fé de forma vaga.
“Além disso, a posição dos ateus radicais também é inconsistente
com os parâmetros do método científico, algo que talvez surpreenda muita gente.
Basta ver que o ateísmo é a crença na não crença, já que a possibilidade da
existência de qualquer tipo de divindade é negada categoricamente. Ora, a
ciência não pode negar a existência de algo categoricamente, apenas após
observações absolutamente conclusivas. E como podemos ter certeza do que ainda
não medimos?
“A posição mais consistente com o método científico é a do
agnóstico, como haviam já percebido Thomas Huxley e Bertrand Russell, entre
muitos outros: não vejo qualquer razão para crer, mas, com base no que sei não
posso negar absolutamente a possibilidade de que alguma entidade divina exista.
Como escreveu Huxley, criador do termo ‘agnóstico’: ‘É errôneo afirmar que se
tem certeza da verdade objetiva de uma proposição, a menos que seja fornecida
evidência que justifique logicamente esta certeza.’ [...]
“Como descreveu o psicólogo americano William James em sua
obra-prima As Variedades da Experiência
Religiosa, a experiência religiosa atinge seu clímax na subjetividade da
experiência individual, na comunhão da pessoa com o desconhecido, na percepção
de transcendência dos limites da existência humana, delineada pelas barreiras
do espaço e do tempo. As visões e revelações dos profetas e dos santos, a
experiência emocional do divino ocorre no indivíduo, mesmo quando induzida pelo
grupo – por exemplo, através de rituais. Existe muito mais no mundo do que o
que percebemos ou podemos medir, e essas características ‘ocultas’ são
igualmente importantes na nossa construção do que definimos como realidade.
“Como escreveu James, ‘toda a sua vida subconsciente, seus
impulsos, suas crenças, suas necessidades são a premissa da sua existência
consciente; existe algo dentro de você que sabe de forma absoluta que o
resultado disso tudo deve ser mais verdadeiro do que qualquer tipo de argumento
lógico, por mais articulado que seja, que tente contradizer essas convicções
subconscientes’.
“Mesmo que o filósofo George Santayana (1863-1952) e outros
tenham criticado James por ‘encorajar a superstição’, ninguém pode negar que a
razão tem alcance limitado. A ciência, se vista como expressão da razão humana,
espalha-se por todos os cantos do conhecimento de forma magnífica, mas seu
alcance não é ilimitado. Existe outra dimensão da fé, separada dos rituais
tribais, da religião organizada, que dá expressão a uma necessidade primária
que temos de comunhão com o desconhecido. Esse é o aspecto mais universal da
necessidade humana de crer, que transcende as divisões arbitrárias da fé
criadas no decorrer da história; as religiões, as tradições, os cultos, as
tribos e suas regras. Não existe aqui qualquer menção a uma supersticiosidade
irracional ou mística. O que identificamos é a necessidade individual da
crença, expressa por cada um de forma variada.”
As palavras de Gleiser me soam quase como um passo atrás no
ateísmo que ele vinha advogando em anos recentes. Estaria de novo flertando
com o agnosticismo? Ele está com 56 anos... Acho que a idade/maturidade está
fazendo bem a ele.
Creio que pessoas assim, que continuam na busca com a mente
aberta, poderão ser vistas no Céu. [MB]