O
grande matemático e filósofo Blaise Pascal já dizia: “Se o homem não foi criado
por Deus, por que só é feliz com Deus?” E ele não é o único ser inteligente a
admitir que o ser humano foi criado para crer. O psicanalista Viktor Frankl,
criador da logoterapia, afirmava que as pessoas só se sentem realmente plenas
quando levam em conta sua natureza bio-psico-espiritual-social. Algo que, um
século antes, a escritora inspirada Ellen White também defendia. Ou seja,
quando nega uma das facetas de sua natureza, quer seja a física, a intelectual
ou a espiritual, o ser humano se sente incompleto. Mas vivemos numa sociedade
que se seculariza dia após dia. Numa sociedade que abandonou os deuses e que
muitas vezes se gaba de sua descrença. Mas será mesmo que os deuses foram
embora? A idolatria é coisa do passado? Não temos mais nossos panteões?
Não
vou falar aqui do culto ao consumo, da idolatria futebolística, nem dos astros
das séries, das novelas e do cinema. Quero falar de um fenômeno mais recente
nas telas e que vem crescendo ano após ano, haja vista as muitas produções do
gênero: os filmes de super-heróis. Nesta madrugada, a Warner divulgou mais um trailer do filme Batman vs. Superman, e causou o maior alvoroço. A hashtag
#BatmanvSuperman e as palavras Mulher Maravilha permaneceram por muitas horas
entre os assuntos mais comentados no Twitter.
O
próprio diretor do filme Liga da Justiça
declarou em entrevista que os personagens são relacionados aos
antigos deuses gregos. Superman é por vezes associado a Zeus ou Júpiter:
eles voam, são os líderes e se disfarçam de pessoas comuns e indefesas para
andar entre os homens. Zeus é por si só uma paródia pagã de Jesus. Veja como
ele é descrito por um crítico da série “O Reino do Amanhã”, considerada um
grande clássico da DC Comics: “Extrapolando o fato de o Superman ter sido o
primeiro dos super-heróis, aquele que fez nascer os demais, uma espécie de
‘Zeus’, simbolicamente falando, Waid apresenta-o assumindo uma autoridade
paternalista, um veterano por trás das atitudes mais enérgicas adotadas para
consertar o mundo a qualquer custo.”
Mitologia,
religião e espiritualismo são as inspirações da DC Comics que chama seus três
personagens principais – Superman, Batman e Mulher Maravilha – de “Trindade”.
Entre seus heróis também está o Espectro, um ser ancestral que possui o
corpo de homens usando-os como médiuns pelos quais desencadeia sua
vingança
Na
sociedade pós-moderna, o termo “ídolo” está tão banalizado que o usamos sem
pensar nas reais consequências. Temos ídolos na música, ídolos do cinema e da
TV, e ídolos do esporte. Eles demandam tempo e atenção e, por isso, na
realidade, tornam-se deuses. Alguns os servem e cultuam e não pouco dinheiro é
devotado a eles. A todos os cristãos é bom lembrar as palavras do apóstolo
Paulo: “Quando não conhecíeis a Deus, servíeis aos que por natureza não
são deuses. Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus,
como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo
quereis servir?” (Gálatas 4:8, 9).
A
nova onda de filmes de super-heróis, favorecida pelos modernos recursos de
efeitos especiais, bebeu na fonte dos quadrinhos, e ali a exaltação dos novos
deuses já vinha sendo feita há um bom tempo. Na verdade, alguns títulos de
histórias em quadrinhos deixam evidente a mistura de conceitos bíblicos em suas
tramas. Dois exemplos são O Messias,
minissérie do Batman que fez muito sucesso no fim dos anos 1980, e Kingdom Come (título que lembra o “venha
o Teu reino”, da oração do Senhor), outra minissérie arrasa-quarteirão,
ilustrada por Alex Ross e publicada em 1996 pela DC Comics. Essa série traz os
principais personagens da DC em pinturas magistrais de Ross, que os trata como
verdadeiros deuses.
No
livro Nossos Deuses São Super-Heróis,
Christopher Knowles diz que, “quando vê fãs vestidos como seus heróis
prediletos em convenções de histórias em quadrinhos, você está testemunhando o
mesmo tipo de adoração que havia no antigo mundo pagão, onde os
celebrantes se vestiam como o objeto de sua adoração e encenavam seus
dramas em festivais e cerimônias”.
O
desenhista Alex Ross ajudou a revolucionar as histórias em quadrinhos e
contribuiu grandemente para essa nova onda de exaltação dos novos deuses
super-heróis. No livro Mitologia, ele
diz o seguinte: “Na adolescência, você precisa ter ordem em seu mundo, e
os super-heróis têm isso, um senso de ética que nunca muda. [...] Eles tratam
sucintamente com questões morais, de um modo que a religião não trata. Ou
melhor, a religião trata, mas de modo muito mais complicado e
geralmente confuso.”
Ross
é filho de um pastor protestante. Ao ler essa declaração dele, fiquei pensando
no tipo de religião que lhe foi apresentado e no tipo de religião que tenho
apresentado aos meus filhos. Se Ross chegou ao ponto de achar que os
super-heróis tratam melhor do que a religião as questões relacionadas com
moralidade, há algo de muito errado aí. Quem tem moldado a moralidade e a
espiritualidade de nossas crianças e nossos adolescentes? Você está atento a
isso?
Christopher
Knowles faz um diagnóstico triste da situação nos Estados Unidos, que é também
a de praticamente todo o mundo: “Nos EUA, a religião parece incapaz de
proporcionar um mito viável de salvação nesses tempos de crise. Muitas das
denominações tornaram-se pouco mais do que movimentos políticos mal disfarçados,
interessados apenas em dinheiro e poder. Por outro lado, nossa cultura popular
secular e exangue não tem mais espaço para o encantamento. Não é de
surpreender, portanto, que filmes como Harry
Potter, Guerra nas Estrelas
e X-Men tenham aparecido para
ocupar essa lacuna. Os super-heróis proporcionam uma fuga, mas de quê e
para onde? Da mediocridade entorpecente da maior parte da vida moderna. [...] O
mesmo impulso movimenta a crescente popularidade do Halloween entre
adultos. As pessoas querem entrar no mundo mítico e tornarem-se
outra pessoa, tentando se esquecer de seus problemas cotidianos.”
Precisamos
encantar nossos filhos com o verdadeiro cristianismo, mas, para isso, devemos,
antes, vivê-lo no dia a dia. Eles precisam contemplar em nós o resultado da
íntima comunhão com Deus; o poder transformador do evangelho. Precisamos
apresentar a eles o Cristo vivo que enche a vida de sentido, de paz, de
alegria. Assim nossas crianças jamais serão tentadas a se voltar para os deuses
de mentira em busca de algo que está tão perto delas.
Em
Eclesiastes 3:11, o sábio Salomão diz que foi Deus quem colocou no coração do
ser humano o anseio pela eternidade. Portanto, nada que não seja eterno vai
preencher esse vazio e satisfazer esse anseio.
Michelson Borges